O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países que mais realizam procedimentos estéticos. É o que apontam os dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps), em pesquisa realizada em 2020 e divulgada em 2022. O país fica atrás apenas dos Estados Unidos. Por trás do culto ao corpo perfeito e da busca por um padrão ideal, há uma complexa interseção de fatores culturais, históricos, econômicos e psicológicos que moldam o relacionamento com o corpo.
“Corpo ideal para quem? A busca do corpo ideal é irreal. É uma busca inexistente para um milagre inexistente”
Renata Borges, educadora física
Professor da PUC Minas e doutor em Ciências Sociais, Alexandre Eustáquio Teixeira explica que a valorização da magreza extrema e a vilanização da gordura são reflexos de valores associados à disciplina, sucesso e autocontrole. “O padrão é um modelo. Se ele é hegemônico, funciona como uma direção para guiar a maioria da população que vai almejar aquele modelo. Tem gente que chega mais próximo, pouquíssimos chegam lá”, destaca.
Esses ideais, alimentados por uma sociedade que enaltece a aparência física, afetam negativamente a autoimagem e a autoaceitação, perpetuando um ciclo de insatisfação e insegurança. A educadora física Renata Borges afirma que o imediatismo e a comparação com o corpo de outros desgastam o psicológico das pessoas. “Já vi casos em que a pessoa deixa de sair de casa por vergonha do corpo devido à autocomparação, causa retração e isolamento.” Algumas pessoas passam a agir de modo a tentar obter este tipo de corpo que almejam. A constante avaliação social pela qual elas são submetidas nas plataformas digitais corrobora para o fenômeno. O especialista em redes sociais e doutor em Administração Caio Cesar Giannini explica que “as pessoas acabam pensando que estes corpos são o normal e que, se elas não têm corpos como aqueles que são mostrados nos vídeos e fotos que consomem, o problema deve estar com elas.”
A busca incessante pelo físico ideal tem mais a ver com o processo do que com o objetivo, afirma Alexandre Eustáquio. A expectativa frustrada faz as pessoas optarem por alternativas que aceleram esse processo, com resultados imediatos, e que podem, muitas vezes, ser prejudiciais à saúde. A cirurgiã plástica Sheyla Oliveira Lisboa Gravina conta que trabalha com estética em mais de 90% dos pacientes de seu consultório e ressalta a importância de se ater aos casos de excessos de procedimentos e desejos incompatíveis com a realidade, a fim de preservar o bem-estar do paciente e não prejudicá-lo. “A grande divulgação de uma imagem perfeita faz com que cada vez mais pessoas se encantem e vão em busca dessa imagem perfeita que só existe na internet”, reitera.
Mito do corpo perfeito
Programas de televisão e plataformas de mídias sociais impactam no padrão de beleza, por meio de imagens editadas, corpos esculpidos, dietas e medicamentos milagrosos, por exemplo. Caio Giannini ressalta que, além da pressão por desenvolver um corpo com características específicas, “isso pode levar ao desenvolvimento de distúrbios alimentares, desnutrição, lesão por exercícios físicos feitos de forma equivocada ou mesmo danos permanentes ao corpo, por causa de procedimentos feitos sem qualquer supervisão”.
Pesquisa da DataSenado, em parceria com as ouvidorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no ano de 2019, confirma a percepção de influência das redes sociais sobre a opinião das pessoas. O consumo de mídia para informação está atrelado a outros fatores como escolaridade e faixa etária.
Ozempic e “chip da beleza“
Uso indiscriminado de medicamentos como Ozempic e o implante subdérmico hormonal de gestrinona, o famoso “Chip da beleza”, que são usados para tratamento de diabetes mellitus tipo 2 e reposição hormonal, respectivamente, se tornaram recursos para o emagrecimento. A cantora Jojo Todynho, por exemplo, divulgou em março de 2023 nas suas redes sociais um vídeo exibindo o Ozempic e contando que usa-o duas vezes por semana em seu protocolo de emagrecimento. Em nota à BBC News Brasil, a farmacêutica Novo Nordisk, fabricante do produto, informou que o medicamento não é indicado para essa finalidade.
Episódios negativos também ocorreram após o uso do “Chip da beleza”. Este viralizou nas plataformas digitais em abril de 2023, quando a cantora e ex-BBB Flay, compartilhou imagens do efeito do implante na sua pele, que estava tomada por acne severa. “Começou a cair bastante meu cabelo. A minha pele foi a minha maior tristeza. O meu rosto começou a encher completamente de espinha. Foi com o chip que ganhei 10 quilos”, relembra Flay em entrevista ao Fantástico, da TV Globo.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não libera estes métodos não para fins estéticos e, portanto, a automedicação se torna um enorme risco para a saúde. Sheyla Lisboa alerta sobre as consequências dessas práticas, “pela grande divulgação da mídia, principalmente internet, essas medicações, que são benéficas para muitos problemas de saúde, são divulgadas como fórmulas milagrosas da incansável busca pela imagem perfeita”.
Em abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição médica de terapias hormonais com esteróides androgênicos e anabolizantes com finalidade estética. Sobre isso, a cirurgiã plástica Sheyla Lisboa comenta os riscos da banalização e comercialização da medicina, visto a irresponsabilidade de médicos ao prescrever hormônios e remédios contra indicados para fins estéticos. Apesar da nova resolução, a automedicação ainda persiste e pode resultar em complicações permanentes e mortais. “Descontrole hormonal no organismo, insuficiência hepática e insuficiência renal são, dentre os vários riscos existentes, os mais graves”, destaca a cirurgiã.
Casos recomendados
Em alguns casos há a indicação formal de intervenções cirúrgicas para preservar o bem-estar e o conforto da pessoa. Os médicos indicam a cirurgia bariátrica, por exemplo, visando a saúde do paciente se este apresentar quadros de diabetes tipo 2, hipertensão arterial e alterações de colesterol, como esclarece o médico Bernardo Nalon Rivello, cirurgião e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Entretanto, é comum haver a necessidade de uma segunda cirurgia após a bariátrica, pois, com a perda de peso, surge o novo objetivo de se evitar o excesso de pele, entre outras consequências, moldando o corpo com cirurgias como a abdominoplastia e a lipoescultura.
Vale destacar que a legalização das cirurgias plásticas não minimiza as possíveis consequências que podem ocorrer após o procedimento. “Sangramento, vazamento na linha de grampeamento e tromboembolismo venoso estão entre as principais ocorrências da bariátrica”, enfatiza Bernardo Nalon.
Cintya Carneiro, 54 anos, autônoma, relata sua experiência ao realizar a sua primeira cirurgia plástica há 25 anos. Ela conta que estava com o emocional abalado e em dois anos ganhou 40 quilos, por esse motivo realizou a bariátrica. Um ano depois, Cintya colocou prótese nas mamas e fez a abdominoplastia devido ao excesso de pele pós-cirúrgico, e em 2022 realizou um reparo na cirurgia do abdômen e a troca da prótese. “Da primeira vez não tive medo nenhum, igual falei, pra mim eu já tava morta, eu tava numa fase difícil, agora, da segunda vez, já não era tanta novidade, as coisas evoluíram muito de 25 anos pra cá”, relata. Ela comenta que ficou satisfeita com os resultados, mas que a recuperação foi difícil, e enfatiza a necessidade de seguir as recomendações médicas e procurar uma clínica qualificada e médicos credenciados antes de realizar qualquer procedimento estético.
Conteúdo produzido por Ana Luiza Soares, Emanuele Lage, Lívia Marques, Henrique Junger e Victor Souza na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard e do estagiário docente Marcus Túlio.
Leia também: