Episódio 1 – Responsabilidade Individual
Você já se incomodou com as propagandas ensinando como economizar água ou diminuir sua pegada de carbono? Será que cinco minutos a mais no chuveiro realmente impactam tanto assim a crise climática? Será que é o seu canudo de plástico que causa tantos danos? Enquanto somos bombardeados com mensagens sobre a importância de reciclar e consumir de forma consciente, uma análise mais profunda revela uma realidade desconfortável. Esta matéria se propõe a desmantelar essa narrativa, expondo os verdadeiros vetores da crise e as distrações que deslocam o foco de responsabildiade para o cidadão comum. Para entender a real dimensão do problema, é preciso primeiro ajustar o foco da nossa análise para os verdadeiros responsáveis.
Segundo o Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2023, o setor da agropecuária emitiu mais de 631 milhões de Megatoneladas de gases do efeito estufa. Já a mudança de uso de terras, ou seja, desmatamento, este número sobe para um bilhão. O setor residencial emitiu cerca de 27 milhões de megatoneladas no mesmo período, ou seja, o cidadão comum emite apenas 1,65% em relação a grandes setores.
Nos dados analisados, o agronegócio emitiu 23 vezes mais gases do efeito estufa do que o setor residencial. Já as mudanças de uso de terra foram 37 vezes mais.
Para Pedro Moreira, advogado e professor de direito ambiental e indigenista, existe uma dificuldade de responsabilização dos grandes empreendimentos por uma razão política, econômica e social. “Há uma dinâmica que banaliza a ação das grandes corporações diante a destruição do meio ambiente”.
Milena Wilazigton, pós-graduada em em ESG e Reputação e autora do artigo “Comparação entre capitalismo tradicional e emergente: análise sobre os impactos da crise ambiental às novas medidas no sistema econômico brasileiro”, explica que é impossível comparar, por exemplo, uma pessoa que vai de carro para o trabalho com um bilionário que usa o jatinho para “ir à esquina”.
Os pesquisadores entrevistados pelo Colab acreditam que o sistema econômico vigente, o capitalismo, é o grande motor da crise climática, que contribui para manter a destruição e segregação entre os que detém o capital, verdadeiros causadores da crise, e os que mais são atingidos.
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Além disso, nos aprofundaremos no tema, falando dos seguintes tópicos:
Bilionários e emissão de carbono
Como os pesquisadores apontaram, um seleto grupo de pessoas com maior poder aquisitivo, são as que mais poluem. Segundo o relatório da Oxfam, intitulado “Saque climático”, ao contrário das pessoas comuns, 50% a 70% das emissões das pessoas mais ricas resultam dos seus investimentos, e não do seu consumo pessoal. Uma análise de 125 dos bilionários mais ricos do mundo revelou que a média das suas emissões de investimento é de 3,1 milhões de toneladas de gases do efeito estufa por ano, o que é mais de um milhão de vezes superior à média de alguém nos 90% mais pobres da humanidade.
Além disso, os investimentos destes bilionários demonstram uma maior inclinação para indústrias altamente poluentes, como combustíveis fósseis e cimento, representando em média 14% das suas carteiras. A escala total das emissões baseadas nos investimentos desta pequena amostra é equivalente às emissões anuais de carbono da nação inteira da França.
O Colab conversou com o ceo de uma companhia de taxi aéreo que aluga jatinhos e aviões. Segundo ele, o público são pessoas com renda muito alta, chamadas de público Triple A (AAA), “Nossos voos compartilhados para Angra, por exemplo, normalmente é quem tem casa lá, com valor aproximado de 70 milhões de reais para cima. Normalmente já têm barcos de 20 milhões de reais na garagem.”
Ele complementa explicando que grande parte são empresários, de aproximadamente 35 anos e que, muitas vezes, já levaram celebridades e políticos.

Em 2022, o Brasil teve um aumento de 14% no número de voos da aviação de negócios em relação ao ano anterior. E viajar de jatinho custa caro: segundo a pesquisa da Piauí, o que um passageiro gasta para ir de São Paulo a Miami num voo fretado, pagaria 21 viagens de ida na classe econômica de uma companhia aérea. Além disso, segundo dados da Embraer e Volkswagen, analisados por uma reportagem da Piauí de 2022, o jato mais vendido em 2021, tem o preço de 703 gols 1.0 flex.
Já nessa empresa de táxi aéreo, fizemos algumas simulações. Um voo da Pampulha para Confins para 4 pessoas, tem o preço mínimo de 16.370 dólares, aproximadamente 87.725,17 reais, sendo aproximadamente, 21.931,29 por pessoa, ou 14 salários mínimos.
A empresa tem mais de 4.300 aeronaves cadastradas ao redor do mundo e faz aproximadamente 3 viagens por dia. Uma escala muito utilizada é São Paulo para Angra dos Reis, 400 km. O modelo de aeronave mais vendida do mundo, já citada anteriormente, emite 1,3 kg de CO₂ por quilômetro. Em uma dessas viagens, 520 quilogramas. Em três dessas viagens, 1.560 quilos.
Por mais que seja um valor alto, também é baixo em comparação às grandes corporações, por exemplo. O foco nas críticas às emissões de jatos privados deve ser o fato de que uma pequena minoria de passageiros é responsável por mais da metade das emissões totais da aviação e, como dito anteriormente, a responsabilização de pessoas mais pobres e as propagandas estimulando a baixa pegada de carbono.
“Uma das grandes críticas à aviação executiva é a grande quantidade de combustível para poucas pessoas lá dentro. Mas muitas pessoas precisam ganhar tempo e não têm outra opção”, explica o CEO.
Veja como são os jatinhos da empresa
Por isso, a empresa tem uma iniciativa de gestação de carbono, onde cabe ao passageiro escolher se vai pagar a mais por essa opção ou não. O cliente pode escolher compensar até 50% do combustível que ele gastou. A empresa compra um combustível sustentável com essa taxa paga pelo cliente, que vai ser utilizado em um voo comercial.
A gente acredita muito no cara que fala ‘paga uma quantia e vou plantar 200 árvores na Amazônia por causa da quantidade de combustível que você queimou. Isso não existe. Ninguém vai deixar de voar. Eu duvido que as pessoas vão plantar árvores na Amazônia. Por isso que a gente dá a opção de compensar um percentual da pegada de carbono dele, com um combustível que é feito com base de reciclagem de óleo vegetal

ESG e empresas
Gabriel Ferri, cria conteúdos de sustentabilidade na internet com o propósito de conectar a causa das empresas da agenda ESG com o consumidor. “Acaba que é muito técnica, distancia o consumidor a entender a real o real propósito, às vezes, de uma mudança de embalagem, por exemplo, então a gente facilita essa comunicação.”
O EGS é uma sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança) e, segundo a descrição do Sebrae , o ESG mostra o quanto um negócio está buscando maneiras de minimizar os seus impactos no meio ambiente, de construir um mundo mais justo e responsável e de manter os melhores processos de administração.
Para Gabriel, as empresas conseguem burlar as leis ambientais e não têm a necessidade de realizar ações ambientais. Por isso, acredita na sustentabilidade corporativa, pois, para ele, as ações contribuem para mudar o nosso jeito de consumir.
“Claro que o real objetivo das empresas é o lucro. Mas se é assim que o sistema funciona, vamos ‘jogar o jogo’. Não estou falando que as empresas vão mudar o mundo, mas que por trás de cada ação, tem pessoas conscientes que se esforçam para deixar as embalagens mais sustentáveis. É imperfeito, mas faz as coisas acontecerem.”
Millena Wilazigton explica que apenas pelo desejo das empresas, a sustentabilidade não acontece. “As empresas vão privilegiar os lucros, os governos vão privilegiar o capital político. Ou seja, a única forma das empresas e os governos se sentirem pressionados a mudar as atitudes, é com pressão popular, porque a população é justamente o que dá lucro.”
Um termo dentro do debate do ESG é o greenwashing, uma tática de marketing enganosa em que uma empresa induz os consumidores a acreditarem que seus produtos ou políticas são mais ecológicos do que realmente são. Para Gabriel Ferri, é um termo que entrou muito no vocabulário das pessoas, “As vezes a pessoa nem entende o que é e já fala que tudo é greenwashing. A chave para entender se é ou não greenwashing, é a matriz de materialidade da empresa, entender o que a empresa está fazendo para mudar e realmente diminuir os impactos do dos processos produtivos. Eu acho que não tem uma receita para identificar, mas é importante entender que tem como ter lados positivos.”
Para 98% dos investidores brasileiros, existe greenwashing em relatórios corporativos de sustentabilidade, segundo a Pesquisa Global com Investidores 2023, divulgada pela consultoria PwC, que entrevistou mais de 340 investidores e analistas.
Exemplos de greenwashing
Yan Victor Leal, biólogo e doutor em Desenvolvimento Social e autor do artigo Marx e a questão ambiental, se considera bem cético em relação às empresas realmente ajudarem o meio ambiente. Ele cita a pesquisa da doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Camila Moreno, que demonstra que as empresas conseguem lucrar mesmo diante de crises.
A pesquisa citada argumenta que a tradução de uma crise ecológica e social multidimensional e complexa, como as mudanças climáticas, em unidades de toneladas de dióxido de carbono equivalentes, que podem ser medidas, precificadas e comercializadas, não apenas restringe a visão para ações verdadeiramente transformadoras, mas também permite que os atores e interesses por trás do sistema atual permaneça sem ser contestados.
“É como se as empresas também conseguissem utilizar do problema ambiental para o lucro. No fundo, a maioria dos capitalistas não vai mexer em uma questão se não for lucrativo para ele. Não considero que a empresa privada, que o capitalista dono do meio de produção vai se sensibilizar para uma questão ética e moral.”
Mercado de carbono

O mercado de carbono é um sistema econômico para combater as mudanças climáticas, onde créditos que representam a redução ou remoção de gás carbônico podem ser comprados e vendidos. Ele funciona em dois tipos principais: o mercado regulado , criado e supervisionado por políticas governamentais, que estabelece limites de emissão e usa licenças de poluição negociáveis; e o mercado voluntário , onde empresas e indivíduos compram créditos de forma voluntária para compensar suas próprias emissões.
Paulo Artaxo, físico e professor da USP, alega que o mercado de carbono nunca deu contribuições efetivas e significativas para redução de emissões, porque é um mecanismo que efetivamente não tem chance de ter sucesso como política de redução de emissões de gases de efeito estufa. “No máximo vai conseguir fazer com que empresas e países troquem compromissos de emissões e de absorção, sem contudo ter um papel importante no na redução de emissões de gás de efeito estufa”.
Carolina Alves, que é graduada em relações internacionais e mestra em Ciências políticas concorda. Para ela, essa iniciativa mercantiliza a natureza. “Quando um país, por exemplo, deixou de emitir carbono, ele tem um crédito que ele pode vender para empresas ou para outros países. É como se fosse uma licença para poluir.”
Ela explica que quando a cota de emissão dessa instituição, seja um país ou uma empresa, acaba, ela pode “comprar” mais, fazendo com que os emissores nunca se responsabilizem ou parem de emitir tanto. Para Carolina, é um sistema que mascara o problema e não o soluciona, que seria por meio da mudança no padrão de produção e de consumo.
Na pesquisa de Camila Moreno, citada pelo biólogo e doutor em Desenvolvimento Social Yan Victor, fica esclarecido que a métrica do carbono favorece interesses que se promovem em nome das mudanças climáticas ao mesmo tempo em que garantem seus lucros, oferece um caminho fácil para aqueles que têm “muito a perder se fossemos realmente resolver as causas estruturais do problema e desafiar o status quo em termos de distribuição de poder e responsabilidades históricas”.
A lógica de que o carbono é uma commodity global e que pode ser comercializado sob a forma de créditos de carbono levou ao surgimento de “direitos do carbono”. A criação desses direitos de propriedade comercializáveis sobre as emissões é comparada ao histórico processo de cercamento (enclosure) de terras comunais e sua apropriação privada, que foi um ponto decisivo na expansão do capitalismo.
Para Reinaldo Dias, doutor em Ciências Sociais e especialista em ciências ambientais e autor do artigo “A transição verde como caminho para justiça social e ambiental” , os eventos climáticos ocorrem devido à ganância de empresas, empresários e das pessoas que detém o capital.
Segundo ele, as propagandas sobre reciclagem e redução de carbono têm o objetivo de transferir a responsabilidade para o consumidor e fazer uma “cortina de fumaça” no real causador. “Claro que nós temos uma responsabilidade com o consumidor também, mas não totalmente como querem nos obrigar”.
Vale: Case de sucesso
O influencer Gabriel Ferri, explica que não pretende fazer parcerias com a mineradora Vale por causa da situação de rompimento de barragens. Entretanto, em um ecossistema de mineração, ele acredita que a Vale é um exemplo de ESG, importante para o patrocínio de museus, por exemplo, e o uso de máquinas que utilizam menos energia para minerar.
“Eu acho que a gente tem que entender que, por mais que seja uma situação foda por toda a história que aconteceu em Brumadinho e Mariana, tem pessoas lá que estão tentando fazer os bagulhos certo. Faz 10, 15 anos e hoje a Vale tem uma diretoria de sustentabilidade do caralho, vão patrocinar a COP”, explica Ferri.
Segundo o próprio site da empresa, “as ações de sustentabilidade da Vale estão fundamentadas em um planejamento estratégico que busca transformar desafios em oportunidades, integrando a sustentabilidade à gestão dos negócios para gerar valor social, ambiental e econômico”.
No pilar ambiental, a Vale se comprometeu a reduzir em 33% as emissões absolutas de Gases de Efeito Estufa (GEE) até 2030, com o objetivo de alcançar a emissão líquida zero até 2050. Outros compromissos ambientais incluem atingir 100% de consumo de energia elétrica renovável no Brasil até 2025 e globalmente até 2030, além de recuperar e proteger mais 500.000 hectares de áreas florestais além de suas fronteiras.
Resultado da devastação deixada pela Vale
Na área de segurança de barragens, há o compromisso de descaracterizar todas as estruturas construídas pelo método a montante no Brasil até 2035. Socialmente, a Vale atua na Reparação de danos causados a pessoas e territórios e busca zerar fatalidades e eliminar cenários de risco “muito alto”, ainda de acordo com a empresa.
Yan, entretanto, considera a Vale um exemplo de isenção e cita que a empresa lucrou com todo o desastre ambiental. Para ele, a questão da sustentabilidade da Vale é um “direito de destruir”.
Segundo o Relatório de Análise de Acidente de Trabalho Rompimento da barragem B I da Vale S.A. em Brumadinho/MG em 25/01/2019, do Ministério da Economia, a onda de aproximadamente 11,6 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, avançando a 80 km/h, deixando 270 mortes, foi resultado de falhas técnicas críticas, omissões deliberadas de informação e decisões organizacionais que transformou um risco conhecido em uma catástrofe. A análise demonstra que o rompimento da B I não foi um acidente imprevisível, mas o resultado calculado de um sistema que priorizou a continuidade operacional em detrimento da segurança.
Antes do colapso, a Vale S.A. encomendou às empresas Potamos e TÜV SÜD um estudo intitulado “Cálculo do Risco Monetizado”, uma análise que quantificava em termos financeiros as potenciais consequências de uma ruptura da Barragem I. O estudo avaliou cenários hipotéticos de ruptura e os valores de cada vida perdida.
A quantificação de uma vida humana em R$ 8,8 milhões e a projeção de mais de 200 mortes demonstram uma frieza corporativa que tratava a segurança como uma variável econômica.
Em 2015, um laudo da consultoria Nicho, contratada pela Vale para o processo de licenciamento, identificou falhas críticas que foram suprimidas do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentado em 2017. Os problemas apontados incluíam:
- Piezômetros (medidores de pressão): Instrumentos essenciais para monitorar a estabilidade interna estavam “danificados ou suspeita-se não estarem funcionando corretamente”.
- Drenos: O relatório constatou que “vários drenos encontravam-se secos”, um sinal claro de que não cumpriam sua função de controlar a saturação da barragem.
- Manutenção: A consultoria registrou que a manutenção deveria ser “executada imediatamente após a identificação do problema”
- Relatórios Mensais: Foi constatada a ausência de relatórios mensais de segurança, evidenciando uma falha grave na rotina de acompanhamento.
Agravando o quadro, a Vale planejava “reminerar” os rejeitos da Barragem I para extrair lucro adicional, um processo que envolveria a colocação de maquinário pesado sobre uma estrutura já instável.
Apesar do conhecimento sobre os baixos Fatores de Segurança, a Vale analisou diversas alternativas de intervenção, mas optou pela solução mais barata que não garantia a segurança a curto prazo. A consultoria Potamos havia proposto soluções de engenharia consagradas para aumentar a segurança contra a liquefação, como a execução de uma berma de estabilização e o retaludamento da barragem.
A Vale rejeitou essas opções e optou pelo método de Drenos Horizontais Profundos (DHP), apesar de seus próprios consultores alertarem que a solução “não coloca a barragem em condições satisfatórias de segurança a curto prazo.” Em junho de 2018 houve uma falha no método e paralisação nos serviços, nenhuma outra solução efetiva foi executada. A barragem foi deixada em uma condição de risco extremo, até seu rompimento.
Desde o rompimento até 2023, a mineradora lucrou quase US$ 48 bilhões (cerca de R$ 235 bilhões na cotação atual). O faturamento total da empresa ultrapassou US$ 204 bilhões (aproximadamente R$ 1 trilhão).
A saúde financeira da Vale permaneceu robusta, a ponto de, em 2021, a empresa registrar um lucro de US$ 22 bilhões (mais de R$ 110 bilhões), marcando o segundo maior ganho já registrado na história por uma empresa nacional. Este lucro acumulado considera inclusive um prejuízo de US$ 1,6 bilhão registrado em 2019, ano da tragédia.
O valor total desembolsado pela Vale com despesas relacionadas a Brumadinho, entre 2019 e setembro de 2023, foi de US$ 17,703 bilhões (R$ 83 bilhões), não necessariamente relacionado apenas à reparação de danos, podendo incluir impostos, investimentos em capital, despesas financeiras e capital de giro.O valor que a empresa gastou até agora em reparação é quase dez vezes menor do que o lucro que ela obteve no mesmo período.
Agronegócio
O segundo setor com mais emissão de gases do efeito estufa no Brasil é o agronegócio, emitindo cerca de 20.484 milhões de toneladas em 2023, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Isso ocorre por causa do metano emitido pelos bois quando fazem a digestão e pelo uso de fertilizantes sintéticos que emitem nitrogênio.
O setor que mais emite gases de efeito estufa no brasil é o desmatamento, que muitas vezes está ligado à retirada de árvores para dar espaço à plantação de monocultura ou pecuária. Segundo o MapBiomas, que monitora a cobertura vegetal do território brasileiro, a agropecuária é a principal causa do desmatamento. Juntos, o desmatamento e o agronegócio emitem juntos 72,98% de todo gás de efeito estufa do Brasil, ainda de acordo com SEEG.
Entre os cinco países que lideram a produção agrícola no mundo (Brasil, China, Estados Unidos, Índia e Rússia), o Brasil é o que usa a maior quantidade de agrotóxicos por hectare plantado, ou 12,6 quilos, de acordo com a Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO).
O valor total das isenções de impostos que beneficiam diretamente o agronegócio atingiu 158,17 bilhões de reais em 2024, de acordo com um levantamento da Sumauma com dados da Receita Federal. Esse valor funciona como um subsídio público que beneficia principalmente a pecuária e as monoculturas voltadas para a exportação. Grande parte desse incentivo financeiro cobre o uso de agrotóxicos (R$ 22,42 bilhões em 2024) e fertilizantes sintéticos (R$ 29,27 bilhões em 2024).
Esse paradoxo foi citado por Rafael Oliveira, jornalista da Agência Pública e autor da matéria “Os Donos da Água”, e cita que isso mostra que o governo subsidia, através das isenções, as atividades poluidoras que impulsionam a crise climática. Ele ainda ressalta que o agronegócio é o setor que mais capta água do meio ambiente, por meio de outorgas.

O agronegócio é um setor politicamente muito forte no Brasil, tem a bancada ruralista no congresso nacional e em outras instâncias estaduais e toda essa força contribui para que tenha um uso extensivo de água e dificulte as discussões sobre isso”.
Rafael Oliveira, jornalista
Ele ressalta que existem comunidades indígenas, quilombolas e em situações de vulnerabilidade que disputam pelo uso da água e “perdem” para o agronegócio. “Na prática, a gente vê muitas vezes prevalecer o interesse das grandes empresas do outro agronegócio. […] principalmente nos momentos em que há uma escassez que a gente vê que os grupos historicamente marginalizados saem perdendo”, conta.
Outorgas de água ao agro
A outorga é uma autorização concedida pelo Estado para o uso ou intervenção em recursos hídricos. Enquanto o licenciamento ambiental busca avaliar os possíveis impactos da atividade e fixar medidas de mitigação e controle, a outorga lida especificamente com a permissão para utilizar a água.
Rafael Oliveira ressalta que os 50 grupos empresariais que que mais podem captar água no Brasil, captam água capazes de abastecer metade da população brasileira.
A escala dessas concessões de uso de água é notavelmente grande. As outorgas concedidas às diversas empresas, que representam esses usos e concessões, poderiam abastecer cidades inteiras, como observa Pedro Moreira, advogado e professor de direito ambiental e indigenista.
Pela sua experiência, Pedro conta que, muitas vezes, existe uma lacuna na postura do órgão ambiental quanto à fixação das medidas de controle. “Muitas vezes a gente olha para o empreendimento e fala: ‘Poxa, mas são só essas medidas de controle que o que o empreendedor vai executar? Será que é isso mesmo?’ E às vezes é isso mesmo, às vezes o empreendedor não está irregular, as regras são frágeis mesmo.”
Para Pedro, o Estado, alinhado à lógica do capitalismo utilitarista, opera com uma “engrenagem tecnicista”. Isso resulta em autorizações que são concedidas pela “mera técnica”, sem o balizamento adequado dos interesses políticos, sociais ou dos impactos reais e na vida das pessoas.
Onde o indivíduo entra
Gabriel Ferri, influenciador digital, é especialista em ESG e sustentabilidade corporativa e CEO do Planeta Pós Pandemia, concorda com que os pesquisadores entrevistados falam. Os verdadeiros culpados são os com maior poder aquisitivo. Entretanto, para ele, nenhum indivíduo deve se abster das pautas individuais, como reciclagem e utilização de objetos biodegradáveis. “Não é o copo plástico que você está evitando que vai salvar o mundo, nem o minuto que está diminuindo no banho. Mas isso é muito importante para termos consciência dos nossos hábitos e influenciar o coletivo a mudar.”
Francisco Figueiredo, também influenciador na internet e colunista do O Eco, acredita que as ações individuais são importantes, mas não representam nem um décimo da importância das ações estruturais. “Os esforços de comunicação na sustentabilidade estão dez vezes maiores nas ações individuais do que nas ações estruturais. Agora isso está mudando um pouco, mas há um tempo atrás o que importava era o copinho de silicone, o canudo de metal, a escova de bambu e etc. É evidente que isso não vai resolver o problema. Então a gente colocou muita energia de comunicação para falar de ações individuais e pouca energia de comunicação para falar de questões estruturais”.
Para ele, mais importante do que a escova de bambu, é falar das políticas públicas realmente eficazes. Gabriel também cita políticas públicas que contribuem para sustentabilidade, como diminuição de impostos e instituição de logística reversa.
Yan Victor Leal da Silva, graduado em Ciências Biológicas e doutor em Desenvolvimento Social, cita o conceito de ambientalismo ingênuo, do geógrafo Carlos Walter. “Esse termo expressa o pensamento de que a crise ambiental é um problema do indivíduo. É querer achar saídas individuais para um problema sistêmico”. Ele não considera que posturas éticas, como não jogar o lixo no chão, sejam menos importantes e que não se deva trabalhar a educação ambiental.
Carlos Walter argumenta que a aceitação de conceitos como “qualidade de vida” ou “desenvolvimento sustentável” tem o potencial de preparar a “frustração de amanhã”. Essa ingenuidade reside no contraste entre a gravidade dos riscos que o planeta enfrenta e as propostas tímidas oferecidas para solucioná-los.

A sustentabilidade ingênua se manifesta em uma série de soluções pontuais que se esquivam da abordagem crítica fundamental às estruturas de poder. Tais armadilhas de noções fáceis incluem práticas como “plantar uma árvore”, promover a coleta seletiva de lixo, ou a busca por um “selo verde”. Essas soluções, para Carlos e Yan, falham ao não atacar a raiz do problema: o sistema-mundo moderno-colonial. Ao focar na mercantilização da natureza e em ações cosméticas, o conceito de sustentabilidade ingênua ignora que o desafio ambiental está inserido no cerne do processo de globalização e da necessidade de confrontar as desigualdades globais e a apropriação dos recursos, perpetuando o problema.
Para Yan, essas soluções individuais podem cair num moralismo ou ética, que são como uma impotência que não dá conta do problema estrutural.
Hoje, os principais emissores de gases do efeito estufa, por exemplo, são os setores industriais, agrícola e o desmatamento, que, como observa Camila, independe da ação individual. “Se a gente não olhar para os setores que realmente contribuem para a crise climática, não vamos muito longe na solução do problema.
Capitalismo como raiz do problema
Segundo Yan Victor Leal, em seu artigo ‘Marx e a questão ambiental: caminhos e fronteiras’, o capitalismo é identificado como a causa fundamental da crise climática e ambiental devido à sua própria lógica estrutural e ao modo como organiza a produção da vida material. A argumentação central reside no fato de que o modo de produção capitalista promove uma ruptura no metabolismo entre o ser humano e a natureza.
Diferentemente de formações sociais anteriores, onde a natureza fornecia os pressupostos da produção, o capitalismo gera suas condições materiais baseando-se na alienação do ser humano em relação à natureza. Essa separação tem raízes históricas no processo de “acumulação primitiva”, marcado pela expropriação dos camponeses e trabalhadores rurais, que foram separados violentamente de seus meios de vida e da terra. Ao transformar a natureza e o trabalho em mercadorias e propriedade privada, o sistema rompe a unidade essencial e o equilíbrio das trocas materiais entre sociedade e ambiente.
Além disso, os autores argumentam que a finalidade da produção capitalista não é a satisfação das necessidades humanas, mas sim a valorização do valor de forma permanente. Isso gera uma dinâmica de crescimento irracional que resulta necessariamente em uma crise ambiental. Nesse sistema, o desenvolvimento das forças produtivas (como a tecnologia e a indústria), em vez de promover o bem-estar social, converte-se em “forças de destruição”.
Ele utiliza uma análise de Marx para demonstrar que o progresso na agricultura e na indústria capitalista atua de forma conjunta para depredar as fontes de riqueza: a terra e o trabalhador. A agricultura capitalista, por exemplo, é descrita não apenas como uma técnica de produção, mas como um progresso na “arte de saquear” o solo, esgotando suas fontes duradouras de fertilidade.
Portanto, a crise climática não é vista como um acidente ou uma falha corrigível apenas com mudanças de comportamento individual ou “adestramento ambiental”. Ela é o resultado de uma equação inerente ao capitalismo que une a crise estrutural (lógica interna do capital) à crise ambiental, transformando a produção material em um processo destrutivo que ameaça a vida no planeta.

O autor do livro “Outra Economia Possível: A Proposta de Francisco”, professor da PUC Minas Eduardo Brasileiro, a ideia de uma “outra economia possível” nasceu dos movimentos sociais no contexto do Fórum Social Mundial, entre os anos 90 e 2000, após o fim da Guerra Fria e a consolidação global do neoliberalismo . Para Eduardo Brasileiro, esta proposta é um chamado para retomar um modelo de sociedade que vai além do capitalismo, pois este é parcialmente gerador de desigualdade e violência , tanto estrutural contra o povo quanto sistêmico contra o ecossistema.
O capitalismo, segundo Brasileiro, é tão agressivo que está provocando mudanças estruturais na geologia do planeta , um período que ele denomina Capitaloceno, seguindo a reflexão de cientistas como Jason Moore, termo proposto como alternativa ao Antropoceno, que defende que a principal força transformadora do planeta não é a humanidade como um todo, mas sim o sistema capitalista.
Essa percepção do impacto do sistema na natureza torna a busca por uma nova economia não apenas possível, mas urgente e necessária .
A transformação exige que se pense a vida em duas escalas: começando pela vida nas comunidades e territórios , repensando a arquitetura econômica local (produção, consumo) e, simultaneamente, atuando no motor do capitalismo, que se baseia na produção de energia, alimentos e no mundo urbano.
Será que o seu banho tem o mesmo impacto do que o uso de água pelo agronegócio? Calcule:
Análise dos dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Copasa e Matéria da Agência Pública ‘Donos da água’
Equipe
Produção e apuração: Mariana Brandão, Ana Clara Cardoso,Karenn Rodrigues e D’arc Hapuque
Texto da reportagem: Mariana Brandão e Ana Clara Cardoso
Edição e orientação: Professora Verônica Soares
Análise de dados: Mariana Brandão
Diagramação:Mariana Brandão
Gráficos: Mariana Brandão
Artes: D’arc Hapuque, Karenn Rodrigues, Ana Clara Cardoso e Mariana Brandão
Calculadora: Gabriel Tran e Karenn Rodrigues
Conheça os entrevistados
- Alecir Moreira: Geógrafo especialista em climatologia.
- Camila Moreno: Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
- Carolina Alves: Graduada em relações internacionais pela PUC-Rio, mestra em Ciências políticas pela Unirio, e assessora política do Inesc .
- Eduardo Brasileiro: Professor da PUC Minas, sociólogo e doutorando em ciências sociais, e autor do livro “Outra Economia Possível: A Proposta de Francisco”.
- Francisco Figueiredo: Influenciador digital, colunista do O Eco e graduando em economia.
- Gabriel Ferri: Criador de conteúdo de sustentabilidade na internet com foco em ESG, e CEO do Planeta Pós Pandemia.
- Gabriela Brasiliae: Ativista Socioambiental e Climática, estudante de Direito e Ciências Biológicas e influenciadora digital.
- Julia Guerra: Frente de Massificação da Agroecologia MST zona da mata.
- Milena Wilazigton: Pós-graduada em ESG e Reputação, e autora do artigo “Comparação entre capitalismo tradicional e emergente: análise sobre os impactos da crise ambiental às novas medidas no sistema econômico brasileiro”.
- Paulo Artaxo: Cientista brasileiro, mestre em Física Nuclear, doutor em Física Atmosférica e professor da USP.
- Pedro Moreira: Advogado e professor de direito ambiental e indigenista.
- Rafael Oliveira: Jornalista da Agência Pública, autor da reportagem “Os Donos da Água”.
- Reinaldo Dias: Doutor em Ciências Sociais e especialista em ciências ambientais, autor do artigo “A transição verde como caminho para justiça social e ambiental”.
- Suane Barreirinhas: Ativista e uma das lideranças da comunidade Vila da Barca
- Yan Victor Leal da Silva: Biólogo e doutor em Desenvolvimento Social, e autor do artigo “Marx e a questão ambiental”.








































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