Se sempre foi desafiador captar recursos para financiar projetos artísticos, maiores ainda são as dificuldades para músicos iniciantes e desconhecidos. No governo do presidente Jair Bolsonaro, a disponibilidade do recurso das leis de incentivo à cultura diminuiu ainda mais devido ao teto orçamentário. Se antes era possível trabalhar com a captação de R$ 40 milhões por ano, hoje, são R$10 milhões anuais.
Para o produtor musical Eugênio Lemes da Rocha, mais conhecido no meio como Marron, que trabalha principalmente com projetos na Grande BH e no interior de Minas, a dificuldade e a burocracia de conseguir aprovação de um projeto aumentaram – o que, na teoria, prejudica todos os artistas, mas é pior para os que estão começando.
O produtor vê as leis de incentivo como uma grande ajuda, principalmente para os músicos que não têm recursos e nem patrocínio. Isso porque os artistas que estão dando seus primeiros passos ainda não teriam um nome relevante o suficiente para contribuir com as empresas patrocinadoras. Marron vê o recurso como fundamental, já que, assim, é possível conseguir contratos melhores e uma produção mais profissional, com mais qualidade no produto final.
Ele acredita também que, para a cultura em geral, as leis são de suma importância, mas que, no ramo da música, ela se torna preponderante, já que os recursos destinados, na visão do produtor, ficam retidos na mão de poucos, dada a burocracia, a falta de informação e capacitação para que o artista consiga os benefícios. Marron considera que o acesso ao recurso deveria ser facilitado, visto que milhares de pessoas vivem da sua música e, por não terem condição de arcar com as despesas de uma boa produção, desistem.
“Falta a questão de acessibilidade a ela [lei], não vejo que a lei seja completamente democrática, pelo contrário. Falta informação, muitas pessoas não conhecem a lei, as que conhecem se beneficiam. Deveria ter um treinamento de como fazer um edital”, opina o produtor, a respeito da distribuição e da dificuldade que a burocracia traz a quem não entende as leis.
A situação que, segundo ele, piorou na pandemia, quando artistas de menor expressão ficaram desamparados, melhorou um pouco após a lei Aldir Blanc, que disponibilizou recursos para o setor cultural. “Faltou muito recurso das leis municipais, estaduais e etc. Depois que começou essa lei Aldir Blanc, deu uma segurada. Mas eu acho que por gerar uma economia muito grande, deveria ter mais recursos”.
Burocracia afasta músicos do incentivo
O músico Alan Rodrigues, que mora no interior do estado de São Paulo, já enfrentou dificuldades com as leis de incentivo, e por isso, não se envolve mais com esse tipo de auxílio. “Eu tive experiência uma vez com a minha banda. Justamente a lei Aldir Blanc. Mas é uma burocracia. E muitas vezes o músico não tem essa noção. Essa é uma deficiência que eu vivia. É óbvio que tem pessoas, dependendo de qual é o edital, [para quem] essa lei é sensacional”, conta.
Segundo o artista, a responsabilidade foi jogada para os músicos, que devem fazer a maior parte do processo. “As prefeituras e secretarias acabam jogando nas costas dos músicos a produção de tudo, tirando das costas dela a responsabilidade de gerenciar a parte artística da sociedade”, afirma. Alan Rodrigues acredita que essa situação é pior para músicos no começo de carreira, que enfrentam um longo processo para a licitação do seu projeto. Ou seja, as leis de incentivo estariam ficando mais burocráticas, beneficiando eventos mais “corporativos” do que culturais. Por isso, Alan defende que as secretarias deveriam explicar melhor como procurar e usar as verbas de incentivo, e fazer uma seleção mais minuciosa.
Democratização da música pelas leis de incentivo
Por outro lado, há quem argumente que mesmo que precisem de correções, as leis de incentivo devem ser defendidas como um instrumento de garantia da pluralidade da cultura. “Como eu trabalho desde jazz a música afro, do samba ao choro, músicas que não são comerciais, sem essas leis de incentivo, seria muito difícil pra gente lançar nossos projetos”, afirma o músico e produtor Silas Prado. Mestrando em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele acredita que os dispositivos equilibram as oportunidades no meio musical. “Contra esses trabalhos de massa, como sertanejo, a gente não consegue competir”, diz.
Além da variedade de estilos, Prado pensa que os incentivos ajudam a reforçar a diversidade de público e dos próprios artistas. Ele conta que muitos músicos com quem conversa dizem não acreditar que as leis são para eles. “É pra todo mundo, existem critérios que dão uma pontuação extra para essas minorias políticas, então, cada vez mais está tendo participação delas”.
Quem pretende apresentar um projeto deve buscar contemplar diferentes grupos da sociedade, na visão do músico. “Para quem é de Belo Horizonte, pensar num projeto que vai pra periferia, que não fique só na região centro-sul. E também indígenas, mulheres. Afinal de contas, a lei é para todos”, defende.
Silas Prado percebe que nos últimos anos os recursos estão cada vez mais disputados, devido ao interesse dos produtores nessa possibilidade de captação de recursos. Na verdade, ele já vê como uma necessidade para os músicos aprenderem a lidar com os editais. Mesmo que muitos, principalmente do interior, tenham dificuldade com os termos e a escrita dos editais, Prado é otimista, e acredita que isso está mais atrelado a um problema de educação, que deve ser resolvido no longo prazo.
Ao mesmo tempo, Prado acredita que a cultura está sendo atacada, principalmente pelos governos. No caso de Minas Gerais, o fato da secretaria que envolve cultura e turismo ser uma só, já afetaria os editais de lei de incentivo cultural: “Alguns projetos acabam sofrendo um certo direcionamento. Deixa de ser somente artístico, passa a ser mais cultural. Se você quiser fazer um festival de música, hoje, você tem que dar uma direcionada para conseguir aprovar o seu projeto que seja uma mescla com a culinária de tal região. Acaba tirando a liberdade artística”, pontua.
Reportagem desenvolvida por Bernardo Caldeira, Felipe Quintella, Sávio Augusto e Victor Silveira para o trabalho interdisciplinar das disciplinas de Jornalismo Cultural e Produção em Jornalismo Digital, sob a supervisão das professoras Júnia Miranda e Verônica Soares da Costa.