O céu ameaça despencar em Belo Horizonte. É horário de almoço, o bairro Savassi está movimentado. O caminho que leva ao Minas Tênis Clube fica escuro a cada passo, e ali, no bairro Lourdes, se localiza o polo em que treinam os times mais relevantes de Minas Gerais. O Gerdau Minas é um dos times de vôlei mais tradicionais do país. “Irei atrasar um pouco, está chovendo muito”. Jenna Gray, culturalmente pontual, informa em mensagem única. Não é difícil enxergar Gray chegando, com 1,86m de altura e características únicas. A atleta se destaca!
Jenna Gray aparenta ter um penteado favorito. Seu cabelo está sempre amarrado com o mesmo estilo de trança única, em todos os jogos. Seus olhos azuis estão sempre direcionados a um alvo. Jenna atua na posição de levantadora. É atenta. Em sua personalidade, existe foco. O barulho único das chuteiras em atrito ao chão da quadra – ali treina um time de futebol de salão – não dispersa a atleta da entrevista. Tão jovem, com 26 anos, já coleciona seis prêmios de melhor levantadora. Surpreendeu o Minas e foi a principal cotada para substituir a atleta Priscila Heldes.
Gray chama atenção por ser ágil em quadra e é carinhosamente chamada pelas colegas de Relâmpago Mcqueen, fazendo referência à animação Carros, da Pixar. Ela foi bem recebida pelos torcedores, que sabiam que Jenna supriria suas expectativas. Seu estilo de jogo surpreende, embora, para a atleta, sempre exista algo a melhorar. Na faculdade, acreditava que o seu auge atuando era aquele, mas, com o passar dos anos, percebeu que taticamente nunca esteve estagnada.
Aprendendo português
“Do you understand ‘meio’?”, questiona a jogadora Kisy a Jenna após um lance ser interrompido. “No”. A resposta de Gray é simples e até mesmo cômica. Mesmo que a atleta não seja fluente em português, isso não a impediu de criar laços com as colegas que a acolheram muito bem no time. Nas redes sociais do Gerdau, Jenna se torna entretenimento ao se divertir quando arrisca se comunicar em português e já escolheu sua palavra favorita do vocabulário: pão de queijo. Ela própria se define com três adjetivos: “positiva, determinada e boba”, reafirmando suas qualidades e seu bom humor.
Jenna nasceu na pequena cidade de Shawnee, no Kansas, Estados Unidos, e cresceu dentro dos esportes. Ela que, desde que se lembra, vivia nadando, dançando, jogando futebol, basquete e softbol. A mãe era corredora e o pai jogava basquete. Jenna seguiu a irmã mais velha, Rachel, no vôlei. “Eu odiava correr. Vôlei é legal. Minha irmã mais velha, na verdade, jogava vôlei. Ela é sete anos mais velha e era levantadora. Então, desde os seis ou sete anos, eu a estava assistindo e pensava: é isso que eu quero!”. Desde então, o destino de Jenna no esporte já estava traçado.
A jogadora sempre continuou dentro das quadras e, quando foi para Stanford, ganhou cada vez mais destaque, fato inesperado para a atleta, que não tinha muitas informações sobre a carreira de vôlei profissional antes de entrar nela. Após esta época da faculdade, Jenna está vivendo no exterior há algum tempo e pretende continuar seus estudos na área da biologia, depois que já estiver bem consolidada no esporte.
Jenna fala um pouco sobre como vem sendo a adaptação ao time, e afirma que o avanço tem acontecido rapidamente. O grupo passou por uma fase de ajustes, tendo uma maior liberdade para errar inicialmente, o que representou uma montanha russa na trajetória do time, nas próprias palavras de Jenna. Entretanto, essa fase serviu para fortalecer e preparar as jogadoras para a final: “Acho que, no final da temporada, quando tudo está fluindo bem, é realmente lindo”. A jogadora demonstra uma verdadeira paixão pelo esporte, e se lembra bem como foi ganhar o primeiro título de melhor levantadora pela NCAA (Associação Atlética Universitária Nacional, em inglês) : “Lembro-me da primeira vez ainda. Não éramos os favoritos para ganhar. E eu cresci sonhando em jogar vôlei universitário e nunca imaginei ganhar. Então, eu apenas lembro, imediatamente, chorando de alegria, oh meu Deus”, diz ela, com emoção.
Diferenças de lá e cá
Recém recuperada de uma lesão no tornozelo esquerdo, ela diz que se sentiu cuidada principalmente quando se lesionou, apesar do medo de estar passando por isso em um país diferente, com pessoas de diversos lugares. Conta que o clube se importou de maneira geral com o seu bem estar, não apenas por querer ela de volta na quadra, mas demonstrando carinho e cuidado. Ela e o time são como se fossem um só: parece que sempre esteve ali e nunca em qualquer outro lugar.
Jenna nos fala como a torcida brasileira é diferente de qualquer outro lugar que ela já jogou, seja nos Estados Unidos ou na Europa: “A torcida brasileira é única”. Nós, brasileiros, somos animados e apaixonados pelo esporte, de maneira que ela nunca tinha visto em toda sua carreira. Ela diz que há sempre uma grande pressão dentro dos estádios. Jenna se anima com a presença do torcedor brasileiro, até mesmo em jogos regulares na temporada, o que não costuma ser tão comum lá fora. Outro ponto que chama a atenção da jogadora é a forma como nós jogamos, mais agressiva e com mais contato, o que não a incomoda. Além disso, Jenna comenta a diferença do clima do país, apontando um excesso de calor e a dificuldade de se manter hidratada.
Apesar de estar gostando muito do Brasil, Gray também valoriza a companhia de sua família que, recentemente, a visitou por aqui em Belo Horizonte, também se encantando com a cidade: a comida e os clubes chamaram sua atenção. A atleta pretende passar de oito a nove meses na cidade e enfatiza a importância que as colegas têm tido em sua vida, tanto pessoalmente, citando outras duas jogadoras, Annie Mitchem e Carol Gattaz, que são sua companhia também nos dias de folga da equipe, como profissionalmente, reafirmando que suas parceiras de time, como a própria Priscila Helge e Thaísa Daher, são uma fonte de inspiração, ao destacar que já as conhecia como estrelas internacionais muito antes de jogar no time.
Com o uniforme do clube, sempre a mesma regata azul clara e o short preto, Gray se ajeita na arquibancada, comenta que não pode colocar o tênis antes do fisioterapeuta ajustar sua bandagem no local da lesão. Era hora do treino começar, as outras atletas chegam, vão para a quadra e começam a se alongar. O técnico, Nicola Negro, quer as meninas em prontidão. Em um treino pegado, cheio de ajustes, com o intuito de serem campeões da Superliga Feminina de Vôlei, toda a equipe está atenta aos mínimos detalhes.
Em um domingo de outono (21/04), em partida única pela Superliga Feminina de Vôlei, Praia Clube e Minas, que travam a maior rivalidade do vôlei feminino, se encontram na final do campeonato. Sair com a vitória é importante, a disputa é acirrada, as jogadoras do Minas são confiantes, todas querem sair com mais um prêmio. Jenna tem um olhar de curiosidade, a atleta já disputou diversos campeonatos, sabe como as coisas funcionam, mas ali é possível notar em sua expressão o sentimento de novidade. O Ginásio Geraldão, localizado em Recife, Pernambuco, está lotado. O Praia Clube é mandante, entretanto, isso não parece abalar o time do Minas.
O Ginásio ferve. Dois grandes clubes se enfrentam, em embate que vai além da disputa pelo prêmio. De fato, Gray é veloz, sua rotação na quadra proporciona jogadas ágeis e com personalidade. Em um conjunto de saques e bloqueios, o Minas finalmente encerra o dia com mais um campeonato conquistado. Jenna Gray agora pode comemorar seu desempenho atuando no Brasil, já se pode dizer que a jogadora é, de fato, vencedora da Superliga Feminina de Vôlei.
A atleta realmente é muito querida pelos torcedores do Minas, “Nosso chiclete de Tutti Frutti” é carinhosamente chamada, os questionamentos sobre a renovação de contrato rolam na internet. Jenna Gray é rápida, mas agora, mais do que nunca, a torcida não quer que a atuação da jogadora no Brasil acabe por aqui. Desta vez, ironicamente, a demora seria muito bem vinda para prolongar essa grande fase no time.
Perfil escrito por Beatriz Penna, Maria Fernanda Navarro, Oade Ferreira e Stella Maya, sob a supervisão do professor Vinícius Borges, para a disciplina Apuração, Redação e Entrevista.
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