Diante da gravidade da situação da pandemia no Brasil, o Colab entrevistou Unaí Tupinambás, infectologista do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 de Belo Horizonte e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
O médico desmente algumas fake news, explora o atual cenário brasileiro em relação à crise da saúde e o fato de o país ter se tornado o epicentro da doença, bem como o que falta para evitar a escalada de transmissão e mortes.
O Brasil enfrenta a pior fase da pandemia da Covid-19, que levou diversos estados e municípios a adotarem medidas mais rígidas para conter a alta média mortes por dia no país, que já ultrapassou o marco de 4 mil óbitos.
Confira a entrevista:
Colab – Diante da ameaça das inúmeras fake news espalhadas no atual período pandêmico, gostaríamos de entender, como funciona a transmissão do vírus e qual o motivo do surgimento dessas novas cepas?
Unaí Tupinambás – Então, o vírus da Covid, o Sars-Cov-2, é transmitido através do ar. Uma pessoa que está falando, tossindo, que está próxima de outra, sem máscara. Então é transmitido pelo ar, através de aerossóis, gotículas e também pode ser transmitida através de contato direto. Então, por exemplo, quando você toca na mão de alguma pessoa que está contaminada, você leva sua mão na boca, no olho, no nariz, por exemplo. Você toca sua mão em uma superfície, uma maçaneta, e essa maçaneta está contaminada por aquele vírus que a pessoa acabou de expelir ali. Então esses são os mecanismos de transmissão. Mas lembrando que a maioria das transmissões ocorrem através do ar. Então, por isso, é importante que as pessoas, mesmo estando assintomáticas, sem sintomas, usem a máscara, porque ela protege o outro, caso alguma pessoa esteja assintomática, e te protege também, caso o seu interlocutor esteja contaminado, né. E manter a distância de dois metros, porque a maioria das infecções ocorre nesse espaço de dois metros. Então o vírus cai no chão e não consegue, depois de dois metros, não consegue infectar alguma pessoa. As variantes ocorrem, é normal, já que o RNA do vírus tem essa taxa de mutação muito comum. Quando vai multiplicar, ele não corrige os erros no genoma dele, então é esperado que isso ocorra. Portanto, quanto mais vírus estão multiplicando, ou seja, quanto mais pessoas são infectadas, maior é a chance da mutação ocorrer.
Colab – Qual o motivo dessa mudança dos grupos mais afetados, saindo de idosos e pessoas mais vulneráveis para adultos, atingindo até jovens?
Unaí Tupinambás – O que nós temos observado nessa nova variante é que ela realmente é transmitida com mais facilidade. Ela passa de uma pessoa para outra com muito mais facilidade. E outra questão que tem nos assustado muito é que os quadros têm sido mais graves, mais rápidos. Por conta disso, ele – o vírus – tem uma taxa de multiplicação no organismo muito elevada, causando mais doença, mesmo em pessoas jovens. Nós temos visto isso, né? A taxa de internação das pessoas de 30, de 50 anos, aumentou muito em comparação com o ano passado, por exemplo. Até parece que é um novo vírus, até parece que é uma nova epidemia. Tanto que a gente está muito assustado com esse descontrole de transmissão aqui em Belo Horizonte. Anteriormente, nas cepas originais do ano passado, com 15 dias de fechamento da cidade, a gente já via uma redução drástica na internação e na taxa de transmissão. Nós não estamos vendo isso agora, está sendo muito mais lento. Por isso, infelizmente, a alta ocupação de leitos hospitalares tem se mantido.
Colab – Além das recomendações de cuidados pessoais já amplamente disseminados, seria viável aplicar medidas ainda mais rígidas para conter a propagação do vírus?
Unaí Tupinambás – Eu acho que neste momento, no Brasil, o que deveria ter sido feito é um lockdown generalizado por pelo menos 21 dias. Não adianta Belo Horizonte fechar e Contagem, Betim, outras cidades estarem abertas, não adianta uma região grande fechar e outra região ficar aberta, por exemplo. Então, assim, uma medida que seria radical é um lockdown generalizado por 21 dias. Já é comprovado que isso funciona, várias cidades, vários países no mundo inteiro fizeram isso. Wuhan [cidade chinesa] é um exemplo, Araraquara aqui na Zona Oeste paulista é um exemplo que deu certo. Então, o que funcionaria, além de vacinação em massa, seria um lockdown por pelo menos 21 dias.
Colab – Diante do cenário que estamos vivendo, qual a projeção para as próximas semanas?
Unaí Tupinambás – O cenário que a gente está vivendo é assustador. Estamos com mais de 100% de leitos na rede SUS e particular. Nós aumentamos leitos na rede SUS de ontem para hoje, caiu um pouco a taxa de ocupação, mas a pressão que está tendo no sistema é uma coisa absurda. As equipes de saúde não têm onde colocar pacientes, há pacientes entubados nas salas de emergências, nas enfermarias, aguardando vagas no CTI. A situação realmente é muito delicada, gravíssima, e a população tem que entender que neste momento a única solução além da vacina em massa que está chegando, felizmente, mas está muito devagar, é as pessoas ficarem quietas em casa, sair só para o extremamente necessário.
Colab – As pessoas com HIV podem receber a vacina contra a Covid-19?
Unaí Tupinambás – As pessoas que vivem com HIV poderão tomar vacina, tanto da AstraZeneca quanto da Coronavac, desde que seu sistema imune esteja adequado. E para que isso aconteça, é fácil: basta tomar o anti-retroviral controlando o sistema imune. Tanto aquelas pessoas com CD4 abaixo de 350 – essas farão parte do grupos prioritários – quanto aquelas pessoas que vivem com CD4 acima de 500 carga viral indetectável – essas com o risco menor de desenvolver uma forma mais grave da doença – serão vacinadas.
Colab – Se uma pessoa grávida for contaminada, há risco de transmissão do vírus da Covid-19 para o feto?
Unaí Tupinambás – A transmissão conhecida com transmissão vertical, ou seja da mãe para a criança felizmente é raríssima, inclusive, mesmo a mãe estando contaminada pelo vírus, estando bem clinicamente a orientação é que mantenha o alojamento conjunto, claro com toda a orientação daquela gestante nutriz, cuidado de lavar as mãos, colocar a máscara ao amamentar. Felizmente, a transmissão é muito rara nesse caso, mas por outro lado a gestante caso seja infectada tem uma chance maior de desenvolver um quadro grave, portanto gestantes são grupos prioritários para o isolamento e o recebimento de vacinas
Colab – As pessoas na capital estão sendo vacinadas e há um número grande de quem já tomou a segunda dose. Quais medidas essas pessoas imunizadas deveriam tomar para ajudar no combate à pandemia? Elas devem continuar usando máscara?
Unaí Tupinambás – É muito importante essa questão a respeito do comportamento das pessoas após o recebimento da vacina. Há dois estudos publicados, um na Inglaterra e um em Israel que mostram que oito dias depois do recebimento da primeira dose aumentaram os números de infecção por Covid-19, pois as pessoas relaxaram, achando que tomada a primeira dose já estavam automaticamente imunizadas, lembrando que é preciso pelo menos três semanas após a segunda dose para ter uma resposta imune mais eficiente. Então, a população que tomar a vacina tem que ficar ainda em casa, aguardar a segunda dose no caso da Coronavac ou então esperar três semanas no caso da Oxford para poder ter uma imunidade mais intensa contra a infecção pelos Sars Cov-2 da Covid.
É extremamente importante conversar e alertar a população quanto a essa necessidade de ficar isolado mesmo após receber a primeira dose da vacina. Lembrando que nesse caso, a imunidade atinge seu pico máximo 15 dias após a segunda dose, no caso da CoronaVac.
Colab – Esse colapso no sistema de saúde se deve totalmente a nova cepa que há dias estava colapsando em Manaus?
Unaí Tupinambás – Veja, acho que não podemos culpar a nova cepa pelo colapso do sistema de saúde no Brasil. Temos que culpar esse colapso é a falta de política centralizada do SUS. Essa cepa não consegue transmitir em pessoas que estão isoladas, que não estão fazendo aglomeração. Que estão usando máscaras, que estão lavando as mãos. Esse colapso claro que foi facilitado pela cepa, mas assim a nova cepa. o colapso é total falta e uma política centralizada do ministério da saúde que mais uma vez continuamos sem ministro no auge da pandemia da pior crise sanitária do momento da pandemia. Ontem (23/4), foram mais de três mil mortes em apenas um dia, não podemos imputar apenas a cepa a esse caos. Temos que imputar sim ao comportamento humano e na falta, como eu disse, de uma política centralizada do Ministério da Saúde que vem se equivocando, cometendo erros desde o início do ano passado.
Entrevista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo: Alice Lobo, Daniel Corrêa Maia, Letícia Mendes do Rosário e Paula Barreto Ribeiro.