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Por que a vacinação dos povos indígenas precisa ser priorizada?

A vacinação dos povos indígenas brasileiros contra a Covid-19 teve início no dia 19 de janeiro deste ano. Seguindo o Plano Nacional de Imunização, essa parcela da população é incluída como grupo prioritário. O Brasil possui aproximadamente 755 mil indígenas cadastrados no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Cerca de 410 mil deles têm mais de 18 anos, ou seja, são considerados aptos a receber os imunizantes contra a Covid-19 no país.

O Ministério da Saúde já enviou 907.200 doses da vacina para as unidades responsáveis pela vacinação dos povos indígenas. Segundo os dados, mais de 500 mil doses já foram aplicadas, o que significa que 73% da população indígena recebeu a primeira dose e 55% está imunizada.

Boletim Epidemiológico Indígena do Colab – Dados do dia 05 de abril

A Sesai realiza a campanha de vacinação em aproximadamente seis mil aldeias, e, de acordo com os profissionais de saúde, as equipes enfrentam dificuldades de acesso às regiões. Os responsáveis pela imunização podem chegar às aldeias por meio de transporte aéreo ou fluvial, além do rodoviário tradicional. Apesar dos percalços, de acordo com a secretaria, a vacinação segue em ritmo favorável. Todavia, para conseguirem o direito de acesso ao grupo prioritário, os indígenas precisaram se mobilizar.

Profissionais da saúde adentrando floresta para imunizar povos indígenas – Foto: SESAI / Reprodução

A importância de garantir a vacinação dos povos indígenas

Ronilson Guajajara, 33 anos, da aldeia Jenipapo Norte, na Terra Indígena Araribóia, Maranhão, relata que foi essencial o apoio de instituições indígenas na garantia à vacinação. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) são órgãos citados por Ronilson na luta pela prioridade de imunização, pois “dentro do planejamento do governo, não houve essa iniciativa”.

Conforme o Guajajara, para compreender a importância da vacinação do seu povo é preciso contextualização histórica, o que remete ao desembarque dos portugueses no território brasileiro. Ele esclarece que mesmo 521 anos após a chegada dos brancos em seu território, os indígenas continuam frágeis e correndo riscos ao contrair doenças como a Covid-19, se não receberem a devida imunização. “Nós indígenas temos um sistema imunológico muito baixo e fragilidade na resistência contra vírus e bactérias”, explica Ronilson. 

Vice cacique da Sede Guarani e vereador, Alexandre Borges de Jesus, sendo vacinado – Foto: Sheila Hãgnahay

O cacique Arakuã Pataxó, 32 anos, da aldeia Naô Xohã e Hã Hã Hãe, em São Joaquim de Bicas, cita que a proteção prevista aos povos indígenas consta na Constituição brasileira. Arakuã reforça que a vacinação contra a Covid-19 é um direito, citando partes do Estatuto do Índio.

“Antes do nosso país ser invadido, não precisávamos tomar vacina, pois não tinha uma doença de fora do nosso meio. Por isso, a Lei nº 6.001 permite que a população indígena seja imunizada contra as doenças que o homem branco traz”, diz  Arakuã Pataxó.

A Lei citada por Arakuã é de novembro de 1973, e o artigo 24 garante que regimes de seguridade social deverão ser estendidos aos povos indígenas interessados e aplicados sem discriminação alguma. Já a Lei nº 14.021, de 7 de julho de 2020, foi criada para a prevenção do contágio e da disseminação do novo coronavírus entre indígenas. Esse decreto cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, atendendo ao apelo das lideranças quanto à prioridade de imunização.

Vacinação dos povos indígenas no Distrito Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima – Foto: SESAI / Reprodução

Jacirene Ribeiro Guajajara, 41 anos, indígena também da aldeia Jenipapo Norte, foi a primeira pessoa do município de Bom Jesus das Selvas a ser vacinada. A técnica de enfermagem, que acompanhou a vacinação em sua aldeia, relatou que foi emocionante ver seus pais e os idosos tomando a vacina. 

“Essa vacina é esperança de vida para todos. Perdemos muitos parentes, derramamos muitas lágrimas, sentimos as dores da perda, se tivesse chegado antes, talvez não teríamos perdido tantos parentes da comunidade indígena” Jacirene Guajajara, da aldeia Jenipapo do Norte.

Contexto histórico da chegada do “homem branco” e de suas doenças

Sheila Hãgnahay, aldeia Sede Guarani MG – Foto: Arquivo pessoal

Quando os portugueses chegaram ao território brasileiro nos anos 1500,  devido às condições insalubres da navegação, segundo relatos históricos, muitos carregavam consigo doenças como varíola, sarampo e febre amarela. Assim, grande parte da população nativa foi contaminada e dizimada, pois não possuía imunidade contra os vírus transmissores.

“Após perceber isso, de forma proposital, os europeus começaram uma guerra bacteriológica para dominar os nativos. Assim, iniciando a contaminação da população nativa americana, causando sofrimento e exterminação de tribos indígenas brasileiras”, relata o professor e historiador David Militão.

A estudante de nutrição Sheila Hãgnahay, indígena da aldeia Sede Guarani em Carmésia, Minas Gerais, acredita que se não houvesse vacinação nas aldeias, provavelmente o genocídio ocorrido no período das grandes navegações se repetiria.

Tratamento contra a Covid nas aldeias

Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Leste de Roraima – Foto: SESAI / Reprodução

A técnica em enfermagem, Jacirene Guajajara, percebe que a maior dificuldade da imunização tem sido convencer as pessoas a se vacinarem. Pois a desinformação acerca do imunizante promove desconfiança nos indígenas. Ela conta que duas aldeias não aceitaram ser vacinadas, alegando receio e também a não obrigatoriedade do imunizante: “Em uma aldeia disseram que não era obrigatória e na outra que a vacina era para matar os indígenas.”

Já Ronilson alega que houve certo descaso da Sesai com indígena contaminado. “O meu primo quebrou a perna e foi encaminhado para a cidade. No hospital, fizeram teste para Covid-19 e deu positivo, por isso ainda não foi operado. E, sem ter lugar para ficar na cidade, os pacientes indígenas têm que alugar casa para se tratar e recuperar a saúde” declarou ele. Ronilson pontuou que seu primo já se encontrava há seis dias nessa situação, durante entrevista feita no dia 11 de março. O Colab contatou a Sesai sobre o assunto, mas a instituição ainda não se manifestou.

Na intenção de estimular a aceitação dos imunizantes, instituições indígenas criaram a a campanha Vacina Parente. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apic), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), entre outros, são responsáveis pela ação. O intuito é incentivar todos os indígenas a procurarem os postos de vacinação em suas aldeias e tomarem as doses do imunizante contra o coronavírus.

Pepyaká Krikati, 29 anos, da aldeia São José no Maranhão, é jovem comunicador do Povos Indígenas da Amazônia Contra Covid-19 (Piacc) e auxilia na divulgação da Vacina Parente. Uma das suas funções de Pepyaká é coletar dados da vacinação dos povos indígenas na sua aldeia e encaminhar para a instituição. Essas informações podem ser usadas também nas redes sociais do Coiab e em campanhas relacionadas ao andamento da imunização dos povos indígenas.

Povo Krikati da aldeia São José – Foto: Pepyaká Krikati / Divulgação

A percepção de Pepyaká é de que muitos ainda não se vacinaram devido às informações falsas em relação à vacina divulgadas na internet. Ele também foi informado de uma aldeia que recusou a entrada dos profissionais de saúde.

Brincando em tom crítico sobre declaração feita pelo presidente Jair Bolsonaro, Pepyaká diz não ter tido reações ao tomar a vacina. “Eu já fui vacinado e estou me sentindo ótimo, até agora não virei um jacaré. Espero que todos se vacinem logo, independentemente de serem indígenas ou não, até porque eu acredito na ciência. Minhas expectativas não estão muito altas em relação ao andamento da vacinação, mas torço para que todos fiquem imunizados contra essa doença”.

Por Anna Bracarence e Isabella Alvim, monitoras de jornalismo do Colab.
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