Marco na literatura de ficção científica, a história do monstro criado pelo cientista Victor Frankenstein foi criada pela escritora inglesa Mary Shelley, em janeiro de 1818. O romance é um terror gótico e considerado por muitos como o primeiro livro de ficção científica da história. O livro passou por diversas adaptações, e a história foi contada em mais de 10 filmes diferentes, sendo o primeiro deles lançado em 1910 e produzido por Thomas Edinson.
Com investimento estimado em 120 milhões de dólares, o Frankenstein de del Toro foi lançado no catálogo da Netflix em 7 de novembro de 2025 e alcançou rapidamente a posição de filme mais assistido da plataforma, onde ficou por duas semanas. Frankenstein figurou em primeiro no ranking em 80 países, e obteve 86% de aprovação no Rotten Tomatoes, considerado um dos maiores sites de crítica de cinema do mundo. Estrelado por Jacob Elordi e Oscar Isaac, foi considerado um fenômeno na plataforma e alcançou patamares de prestígio difíceis de alcançar no catálogo atual da empresa.
As adaptações
Ao longo do século XX, o romance foi contado diversas vezes nos cinemas. A adaptação mais famosa foi dirigida por James Whale em 1931. Com o título Frankenstein, a obra trazia Boris Karloff como a criatura. Com a cabeça chata e eletrodos no pescoço, essa se tornou a imagem mais famosa quando se fala da criatura.

O filme de James Whale foi a grande motivação do diretor Guillermo del Toro para seguir a carreira no cinema e finalizá-la depois de tanto sucesso dirigindo uma releitura do filme que mudou sua vida: “Quando vi Boris Karloff, compreendi a religião naquele momento. Percebi que tinha encontrado o meu Messias”. Foi com essas palavras que del Toro homenageou a obra na 17ª edição do Festival de Cinema Lumière, em Lyon, antes da estreia do seu filme.
“Frankenstein não é apenas meu último filme. É o culminar do trabalho de uma vida” – Guillermo del Toro no Festival de Cinema Lumière
Além do clássico de 1931, o romance ganhou diversas adaptações nos anos seguintes. Em 1943, o Monstro foi vivido pelo húngaro Bela Lugosi em Frankenstein Encontra o Lobisomem, e em 1969 foi a vez de Peter Cushing estrelar em Frankenstein tem que ser Destruído, que foi dirigido por Terence Fisher. Na década de 1980, o personagem voltaria em dois filmes: Frankenstein do diretor James Ormerod e Gothic, de Ken Russell.
Em 1974, Mel Brooks, lançou O Jovem Frankenstein, filme de comédia que faz paródia com a história. Em 1994 foi lançada a adaptação Mary Shelley’s Frankenstein, dirigida por Kenneth Branagh, com o próprio diretor no papel de Victor Frankenstein, Robert De Niro como a criatura e Helena Bonham Carter como Elizabeth. É considerada uma das releituras mais fiéis ao romance original, embora contenha algumas diferenças e adições.

Em 2004, a criatura apareceu no filme Van Helsing, dirigido por Stephen Sommers. Além das adaptações mais fiéis, Frankenstein ainda serviu como inspiração para o filme Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton, o qual inclui a participação de Johnny Depp como Edward. Em novembro de 2015, uma nova versão foi lançada intitulada como Victor Frankenstein, com James McAvoy e Daniel Radcliffe como protagonistas.
O Frankenstein de del Toro
Levando em consideração seu padrão estético, sua imaginação e criatividade e sua capacidade de extrair beleza da monstruosidade, Frankenstein talvez seja o filme que o diretor Guillermo del Toro nasceu para fazer. Era o caminho natural, algo que combinava tão bem com tudo o que ele já produziu. Criador de tantos monstros e criaturas, o mexicano chegou finalmente ao ápice de sua carreira como diretor, o sonho de toda uma exisntência e inspiração de uma carreira brilhante. E o Frankenstein de Del Toro é inconfundivelmente dele. É um filme não apenas sobre monstros, mas feito por alguém que os ama profundamente.
Baseado na dualidade e na incerteza sobre quem é o herói e o vilão, contrastando entre o vibrante e o sombrio e trazendo um simbolismo constante com o “brincar de Deus”, reforçado a todo tempo durante a trama. O monstro de Jacob Elordi foi criado pelo cientista Victor Frankenstein (Oscar Isaac), um cientista brilhante, porém egocêntrico e obcecado com a ideia de dar a vida a um ser que já morreu. Dessa obsessão, nasce o monstro. Fruto da insanidade e da ira de seu criador, é rejeitado e condenado desde seu nascimento.

Criada com ódio e desprezo, a criatura vive uma relação conturbada com seu criador, assim como ocorreu com Victor Frankenstein e seu pai (Charles Dance) no começo do filme. Del Toro explora, dessa forma, um eterno conflito de pai e filho, mostrando que a relação do cientista com o monstro é um reflexo trágico do mesmo amor distorcido que o criou.
O filme começa pelo final, em uma cena na região polar do extremo norte, que se passa no ano de 1857. Nela, o navio norueguês comandado pelo capitão Anderson (Lars Mikkelsen) está preso no gelo. Sua tripulação trabalha para soltá-lo e seguir seu caminho em direção ao Polo Norte. Uma grande explosão a cerca de 3km do navio interrompe o trabalho e os homens saem em busca da causa da explosão, encontrando um Victor Frankenstein ferido e moribundo.
Os tripulantes do navio ajudam o homem e o levam para o barco, mas logo descobrem que ele está sendo perseguido por uma criatura gigante e indestrutível. Os tiros e investidas do grupo contra o Monstro não são suficientes para matá-lo, e após matar seis tripulantes do navio, a criatura desaparece e alerta: “Entreguem esse homem para mim!” Após um breve diálogo, Victor Frankenstein confessa ter sido o criador do Monstro, e começa a contar a sua história para o capitão, em busca de explicar o porquê. Começa então a primeira das duas grandes partes do filme, contada em flashbacks.
Parte I: A história de Victor
Com Christian Convery brilhantemente interpretando Victor Frankenstein na adolescência, a história do cientista começa mostrando a relação de amor profundo que ele tinha por sua mãe, Claire, que morreu no parto de William, seu irmão mais novo. Seu pai, Alphonse Frankenstein, era um renomado cirurgião no país, e raramente estava presente em sua vida. Quando estava, ensinava a Victor o ofício de cirurgião, e o punia com violência quando errava algo.

Apesar do renome na profissão, Alphonse não conseguiu salvar sua esposa, fazendo com que o jovem Frankenstein criasse um sentimento de ódio pelo pai. O tratamento carinhoso aplicado na criação de William contrastava com o desprezo que sempre foi destinado para Victor. Solitário e abalado pela morte da mãe, ele desenvolveu um fascínio e uma obsessão em tentar vencer a morte. Em seus sonhos, recebia a visita de um Anjo Vermelho e tinha visões de que sua obsessão se tornaria realidade.
Alguns anos depois do nascimento de William, a família perdeu grande parte da fortuna. Com a morte de Alphonse Frankenstein, a história dá um salto para o ano de 1855. Perante o Tribunal do Colégio Real de Medicina, Victor está apresentando sua pesquisa que busca desafiar a morte. Ele apresenta um ser composto pelos músculos, nervos e cérebro de dois homens diferentes. A criação está ligada à uma corrente elétrica e ele prova que o ser é vivo, consciente e capaz de tomar decisões. A cena impressiona os presentes, mas revolta os juízes. Victor é chamado de farsante, e sua criação é chamada de blasfêmia. Revoltado com a rejeição dos juízes, Victor desliga a invenção, mata a criatura e sai ovacionado do tribunal.
Em casa, Victor recebe a visita de Heinrich Harlander, que estava presente no tribunal e se impressionou com a criação. O visitante traz consigo uma carta de William, dizendo que ele fará uma visita em alguns dias para apresentar sua noiva Elizabeth Harlander, sua sobrinha. Além de ajudar o cientista a avançar em sua pesquisa, Heinrich Harlander promete financiar a pesquisa com recursos ilimitados. Em troca, um favor será pedido no futuro.

Victor recebe, então, a visita de seu irmão William, acompanhado de Elizabeth, por quem ficou encantado. O cientista aceita a proposta de Heinrich e começa a trabalhar em sua pesquisa, coletando cadáveres entre os mortos da guerra para auxiliá-lo. Ao mesmo tempo, aproxima-se secretamente de Elizabeth. Com sua beleza e pureza, a noiva de seu irmão fez com que ele pela primeira vez se interessasse mais pela vida.
O conflito entre a paixão proibida e a evolução da pesquisa permeia a trama enquanto essas cenas vão se revezando entre si. Heinrich percebe e cobra para que Victor demonstre de alguma forma que a pesquisa está avançando, e caso isso não acontecesse os investimentos seriam cortados. Na mesma noite, Victor faz avanços e se prepara para dar vida à sua criação. Alguns conflitos antecedem o momento da concepção, mas finalmente o cientista estava pronto para concluir o grande propósito de sua vida.
Em um momento crucial, um raio atinge a torre e a energia é direcionada para o monstro, que não acorda. Em seu quarto, o cientista recebe a visita do Anjo Vermelho e, ao acordar, se depara com a criatura. Victor ensina seu nome e, durante dias, essa será a única palavra que ela conhecerá. O criador do monstro prende ele no interior da torre, acorrentado no escuro, desprezado e esquecido. A relação entre os dois é confusa e trágica, assim como a de Victor com seu pai. O cientista era obcecado com a criação, mas não sabia o que fazer depois disso.

Voltando ao simbolismo e ao “brincar de Deus”, a imagem da concepção do Monstro no formato da cruz é uma referência clara à imagem de Jesus Cristo, colocando Victor Frankenstein como o criador, o Deus, porém, um criador imperfeito. Concebida e criada com raiva, rejeição e desprezo, a criatura vivida por Jacob Elordi traz a tristeza de alma e melancolia que o ator tem como característica.
O ódio e a loucura dominam o cientista, e enquanto a criatura ganha força o criador perde vitalidade. Apesar dos ganhos de força, a criatura não demonstra nenhum avanço de linguagem. A única palavra que ele fala segue sendo o nome de seu criador. Em uma nova visita de William e sua noiva, Victor tenta esconder a criatura. Elizabeth a encontra e ela aprende a falar seu nome, demonstrando que possui inteligência. A relação dela com a criatura é secreta e, ao perceber no monstro a pureza de sua alma, passa a amá-la e defendê-la.
Revoltado, Victor incendeia a torre com a intenção de matar a criatura. Após a explosão, o filme volta para a cena do navio, com Victor deitado na cama contando a história para o capitão. Neste momento, a criatura entra na sala e resolve contar para o capitão a sua versão da história: “Meu criador contou a história dele. Agora, eu contarei a minha.”
Parte II: a História da Criatura
A história da criatura começa na torre pegando fogo. O monstro grita o nome de Victor incansavelmente, até entender que estava sozinho. A explosão arremessa a criatura para perto do lago, onde ele é perseguido por caçadores. Ferido, ele escapa e vai parar na casa onde mora uma família. Um velho ensinava sua neta a ler, e emocionou a criatura. O Monstro passou então a observar a família, ajudá-los em segredo e aprendeu a ler e falar junto com Anna-Maria, a neta.
Sem saber, o velho alfabetizou a criatura, que o considerava como um amigo. Com o sonho de fazer parte da família, o monstro tornou-se seu benfeitor. Ajudando a cortar galhos, caçar e sobreviver, foi apelidado de “Espírito da Floresta”, já que a família não sabia quem estava por trás de tudo aquilo. Após um ataque de lobos, a família vai passar o inverno fora, deixando o velho sozinho na casa. A criatura se revela como um viajante e é acolhida. O velho, cego, não enxergou a criatura como diferente e o abrigou como um amigo. O senhor percebe que era ele quem estava ajudando a família, e o convida para ficar: “Faça desta casa o seu lar.” E, de mim, o seu amigo.”

Durante todo o inverno, a criatura aprende a ler, se comunicar, lê histórias famosas e ajuda seu novo amigo. O velho o convence a voltar para a torre e encontrar seu criador, mas quando ele volta para sua casa para compartilhar suas descobertas, o velho havia sido devorado pelos lobos. Os dois homens que haviam viajado retornam e, achando que a criatura havia feito aquilo, tentam matá-la. O monstro foge e vai em busca do seu criador para pedir que ele lhe faça uma companheira. O pedido foi recusado por Victor, e a criatura jura se entregar à fúria.
O reencontro de Victor Frankenstein com sua criação nas cenas finais trazem um fechamento para a história e para os personagens, culminando no conflito entre pai e filho que os envolveu durante toda a trama. O filme chega ao fim no mesmo cenário que vimos na primeira cena, com o monstro explicando como tudo aconteceu até que eles chegassem ao barco. O arco de Frankenstein se encerra de maneira humana, emocionando o telespectador.

O filme dos sonhos de Guillermo del Toro fechou com chave de ouro sua carreira brilhante. Em um filme que mistura o grotesco com o belo, a história macabra de obsessões e mortes a um enredo sensível e comovente e reúne atuações brilhantes de Oscar Isaac e Jacob Elorde, o diretor mexicano finalmente deu vida ao monstro que o inspirou e obteve sucesso absoluto no maior projeto de sua carreira.
Leia mais:
Pobres Criaturas: Mais que uma releitura de Frankenstein




Adicionar comentário