Diferente do que se possa pensar, a participação do cidadão na política não termina quando este escolhe e registra o número de um potencial candidato nas urnas. Idealmente, o conceito de política e governo se baseava na noção de que o governante ou líder deveria agir sempre procurando o apoio político por parte do povo.
Um governante só se sustenta, na teoria e após eleito democraticamente, se o povo estiver satisfeito com as medidas implementadas por ele e os representantes que compõem os demais poderes – judiciário, legislativo e executivo.
De acordo com Helton Vieira Júnior, candidato a vereador em Belo Horizonte em 2020 e graduando em Gestão Pública na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é bastante comum que a maioria dos cidadãos não pense ou não tenha conhecimento a respeito de medidas de participação para se engajar com a política local ou até mesmo federal.
“A maneira como tudo é exposto não colabora muito para que as pessoas participem disso [fiscalização]. Não é chamativo, nem atraente. O próprio Diário Oficial que, em tese, é o que divulga todas as ações do poder público no Brasil, seja o do Município, do Estado ou da União, é feito em “juridiquês”, em um formato até antiquado. Até nas mídias, pelo vocabulário que é usado, as pessoas não entendem.”
Por que se interessar por política?
Participar ativamente do cenário político de um país exige que o cidadão demonstre um mínimo de interesse diante do que é proposto e executado pelos que estão no poder. Por se tratar de um tema muitas vezes polêmico, que demanda tempo, além de ser cheio de vertentes a serem estudadas, assuntos sobre política governamental são atrelados a um sentimento de desesperança, principalmente no Brasil.
De acordo com Bruno Morassutti, advogado, especialista e mestre em Direito, além de cofundador da Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), existe uma falta de interesse do cidadão em fiscalizar e se informar sobre as políticas públicas, até o receio de se sentir exposto demais ao tomar partido de um assunto “exclusivo” a estudiosos do assunto, por exemplo.
“Na minha opinião, o porquê dos cidadãos não investirem na fiscalização de políticos ocorre por vários motivos. Primeiro motivo: a falta de conhecimento sobre como fazer isso. Segundo motivo: falta de tempo. Terceiro motivo: receio ou medo de sofrer algum tipo de represália. Por isso é sempre interessante que os cidadãos consigam se organizar e realizar esse tipo de fiscalização de forma conjunta e não sozinhos.”
Ao persistir na renúncia de seus direitos, as pessoas abdicam da chance de se tornarem participantes ativos da sociedade em que estão inseridas, se expondo às decisões tomadas pelos demais poderes, que podem ou não ser benéficas.
Formas de engajamento político
A participação do cidadão na política vai além do próprio voto e, mesmo sem o incentivo formal do governo, existem diversas maneiras de se manter ativo e engajado na política. Uma delas é a Lei de Acesso à Informação (LAI), que tem como objetivo garantir que todos os cidadãos recebam informações que julgar interessante para todo e qualquer fim, dos órgãos públicos, que serão computadas e disponibilizadas no prazo da lei. Por se tratar de uma lei que oferece transparência àquele que a solicita, é comum que as informações prestadas pela LAI demorem para ser liberadas, variando de pedido a pedido.
De acordo com o co-fundador da Fiquem Sabendo Bruno Morassutti, a LAI desempenha um papel fundamental para que cidadãos consigam se envolver politicamente, mas, assim como ela, outras formas de fiscalização podem ser tão eficientes e promover interações entre os políticos eleitos e as pessoas.
“Tem algumas informações que são, realmente, mais fáceis de acompanhar pela internet, por exemplo, se eu quiser fiscalizar o Governo Federal ou o Governo Estadual. Mas no caso do Governo Local, o que funciona é acompanhar a prestação do serviço público, registrar as coisas que estão acontecendo de forma regular, apresentar um requerimento presencialmente, levar uma cópia para que você possa ter um comprovante de protocolo, então solicitar uma resposta no prazo e ir cobrando diariamente.
Ele ainda completa: “O poder Legislativo se beneficia bastante quando o cidadão consegue encaminhar demandas, para vereadores, por exemplo, e relatar problemas ou questões que precisam melhorar. Tudo isso facilita na fiscalização diária da administração pública quando se consegue achar um agente do Legislativo que seja interessado em fazer a função dele. Com certeza ele vai se interessar em receber demandas e informações que esses cidadãos tem pra passar, porque isso vai ajudá-lo a exercer o trabalho. Essa é a função principal de um vereador, de um deputado, de um senador, ele poder intermediar e realizar de forma mais qualificada a interação que qualquer cidadão pode fazer.”
O poder público municipal
Como definido pela Constituição Federal brasileira, cada município elege representantes para compor os poderes executivo, legislativo e judiciário, por exemplo, Prefeitos, Vereadores e Secretários municipais, que têm o dever de agir em nome dos interesses da comunidade de cada cidade, respeitando a própria constituição, estudando os problemas dos cidadãos e propondo projetos de lei para aprimorar o funcionamento geral.
A administração municipal, encabeçada pelo prefeito (poder executivo) e seus secretários escolhidos (parte composta por funcionários concursados e parte indicada pelo prefeito) pode propor novas leis, que serão analisadas pelos vereadores (poder legislativo), podendo ser aprovadas ou não.
O papel do cidadão, nesses casos, é de extrema importância, pois o poder municipal é o que se tem de mais próximo das vivências do cotidiano de uma cidade. A função de fiscalizar as ações tomadas pelos representantes eleitos interfere diretamente em como eles vão conservar o bem-estar social de todos.
De acordo com o ex-vereador de Belo Horizonte Arnaldo Godoy (PT), o papel de um representante eleito é medido e avaliado constantemente e, caso este não cumpra com as medidas governamentais, estará sujeito a multas.
“No caso de vereador, por exemplo, são dez dias de sessão ordinária, que começa às 10h e pode ir até às 20h da noite. Você precisa estar presente, porque se não, recebe falta e isso desconta no salário, a não ser que tenha alguma justificativa, por exemplo, se foi representar a Câmara [dos Vereadores] em algum lugar.”
Ele completa dizendo: “A Câmara tem várias comissões permanentes: educação, saúde, direitos humanos, etc. São cinco vereadores que formam cada comissão, sendo que cada um deve estar presente também. Essas comissões são semanais, por exemplo, toda semana tem a reunião da comissão de educação e, nessa reunião a gente discute os projetos de lei, respondendo perguntas que os próprios cidadãos propuseram.”
As redes sociais como ferramentas políticas
As eleições municipais de 2020 marcaram o início de uma nova etapa no modo como os cidadãos se relacionam com a política. Com a chegada da pandemia, as campanhas eleitorais foram limitadas a interações online com os eleitores, o que ocasionou uma adaptação por parte dos candidatos na forma como iriam se dirigir ao seu público.
De acordo com um levantamento feito pelo portal de estatística Date Reportal em fevereiro de 2021, existem 160 milhões de usuários de Internet no país, número que aumentou 9,6 milhões (+ 6,4%) entre 2020 e 2021, desde o início da pandemia. Com esse crescimento expressivo de usuários de internet, as mídias sociais como Instagram, Facebook e Twitter passaram a ser ferramentas de trabalho, além de ferramentas de entretenimento.
Segundo o ex-candidato a vereador Helton Júnior, as redes sociais ocuparam um grande papel antes, durante e depois das eleições municipais do ano passado, já que possibilitaram o debate com várias pessoas simultaneamente, de forma acessível e segura, sem que precisassem sair de casa e se arriscar a contaminação pelo vírus.
“Eu sou muito favorável ao uso das redes sociais, porque eu acho que elas quebraram uma barreira muito grande de comunicação. Hoje, tudo é muito mais rápido, muito mais fluido e isso colabora muito para que as pessoas participem da política. Mas toda ferramenta tem seu lado ruim. Nas redes sociais eu vejo um problema muito grave, que acontece quando são formados grupos políticos que se dividem nas redes.”
Completa: “Uma pessoa mais conservadora vai só consumir conteúdo de fontes conservadoras; alguém que é mais progressista, só vai consumir conteúdo de fontes progressistas, aí já entra o personalismo brasileiro, que é essa coisa da figura do representante ser maior do que as instituições ou os partidos. Isso é muito prejudicial, porque todo fato tem versões: a de quem tá contando e a de quem vive do outro lado, por exemplo. Se eu só consumo de um lado, eu não pego as várias versões do fato.”
Exercendo a cidadania
Uma sociedade é definida pelas interações promovidas pelas pessoas, no caso, os cidadãos, a fim de conservar o bem comum. Cada cidadão possui direitos e deveres e parte essencial de uma convivência harmoniosa e justa é o exercício individual de cada um desses elementos. Em uma sociedade democrática, o voto foi um direito conquistado e passou a ser um dever para que todos os cidadãos possam participar ativamente de decisões que afetam o conjunto, bem como a vida pessoal.
No entanto, agir apenas por meio do voto não contempla todo o poder efetivo dos cidadãos, que têm o direito de se integrarem e tomarem providências caso os representantes eleitos não estejam cumprindo com suas palavras.
As eleições municipais representam um período em que é dada a chance de cada pessoa desfrutar da liberdade de expressão e, com respeito, divulgar suas ideias, participar de debates políticos, estudar as medidas governamentais e escolher aquele candidato que melhor representa os interesses da sociedade.
“A comunidade precisa ter um papel questionador quanto aos representantes no período eleitoral. Hoje em dia, a gente tem uma cultura de votar muito por indicação, por conveniência do grupo que a gente faz parque, que não é errado totalmente, mas se a gente não questionar bem o candidato que está pleiteando aquele cargo para representação, podemos cair justamente naquele que só tem uma proposta muito bonita, que é muito agradável, mas que não é aplicável”, conclui Helton Júnior.