Colab
Fabiana Almeida no estúdio da Globo Minas / Créditos: Bruno Venuto

Fabiana Almeida: quebrando barreiras e construindo pontes no jornalismo

Em uma entrevista marcada repentinamente, devido a uma troca de horários na agenda da jornalista, a repórter e apresentadora da TV Globo Minas Fabiana Almeida nos acolheu de forma receptiva e calorosa, demonstrando estar feliz em participar da história de nossas carreiras ao ser nossa primeira entrevistada. Antes de começarmos a conversa em si, sabendo que havia uma entrevistadora com deficiência visual no grupo, Fabiana se mostrou gentil ao se autodescrever, o que criou um ambiente confortável e inclusivo para toda a equipe. Ela se apresentou como uma mulher negra de pele retinta. “Estou usando óculos agora, meu cabelo está preso e é anelado, está um pouco grisalho. Estou usando uma blusa azul, que eu estava trabalhando com ela.” Essa descrição e a troca de horário proporcionou à equipe de estudantes entrevistadores uma prévia da correria jornalística, e o quão dinâmico um profissional do ramo deve ser.

Infância e adolescência

Nascida em Belo Horizonte em 1973, Fabiana Almeida construiu sua trajetória com coragem e determinação. Seu pai faleceu há cerca de 30 anos e era servidor público. Sua mãe era dona de casa, e hoje possui 94 anos. Sendo a filha caçula de sete irmãos, ela cresceu cercada de desafios, mas a família lutou para que Fabiana trilhasse um caminho acadêmico, tendo o estudo como prioridade. 

Fabiana criança
Fabiana deitada ao lado do pai
previous arrow
next arrow
 

“Nós éramos uma família muito simples, mas meus pais sempre valorizaram a educação. Isso foi o que nos fez acreditar que poderíamos conquistar qualquer coisa”, lembra Fabiana.

A educação não trouxe apenas oportunidades, mas também dificuldades. Após estudar em escolas públicas no primário, Fabiana ingressou na rede particular na quinta série, por meio de um desconto conseguido pela mãe. Na escola, enfrentou o racismo de forma intensa e precoce. “Eu não gostava de lá porque eu sofri muito racismo, então eu tinha pavor daquela escola. Eu era muito nova, era década de 80, eu não sabia como me defender.”

Fabiana ao lado da mãe / Créditos: Arquivo pessoal, Fabiana Almeida

A jornalista destaca a falta de identificação e inclusão naquele ambiente, onde havia poucos alunos negros. No entanto, a resistência àquela situação a fortaleceu. Incomodada com o preconceito enraizado na escola, Fabiana vislumbrou estudar no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). A irmã, que já trabalhava, pagou um curso preparatório e Fabiana foi aprovada. A diversidade daquele ambiente foi um diferencial. “Fiz um curso técnico de eletrônica, que foi muito importante na minha formação enquanto ser humano. E foi uma escola muito inclusiva. Eu cheguei lá e havia pessoas de todas as classes sociais, de todas as cores, enquanto no colégio particular eu era uma das poucas pretas que tinha na escola. Então, lá foi um lugar de muita aceitação, de abrangência para mim.”

Durante o ensino médio, a repórter se viu em um impasse, pois não sabia qual graduação escolher. Mesmo cursando eletrônica, não gostava de matemática, física, e nem de estudar muito. Inspirada pelo pai, que adorava assistir ao programa televisivo semanal Globo Repórter, Fabiana se encontrou no jornalismo. Ela sonhava em contar histórias e conhecer o mundo. Então, prestou vestibular e passou em 14° lugar no curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Mesmo com dificuldades financeiras, concluiu o curso com o apoio da família.

Perguntada se a universidade foi um ambiente inclusivo para ela, Fabiana, que já estava acostumada a lidar com situações de preconceito, viu-se em um ambiente tranquilo na faculdade. Não era um ambiente diverso, porém, diz ter sido sempre respeitada.

“Como eu sofria racismo no ensino fundamental, eu já estava resiliente. Quando entrei na faculdade, não sofri. Eu gostei, porque era muita gente jovem, que não dava muito conta disso, mas eu sabia que tinha poucos pretos lá. Na minha turma, tinha eu e uma colega minha, ela é parda. Eu levei de forma tranquila, eu estava acostumada e sabia enfrentar o inimigo”, conta Fabiana.

O início da carreira

Estudando em uma universidade privada, a apresentadora possuía desconto nas mensalidades por estudar com a irmã, que cursava psicologia. Constantemente, passava por alguns perrengues, como a falta de passagem para ir à faculdade e a falta de dinheiro para o xerox. Com o apoio dos irmãos, dividia as despesas: Um pagava a passagem, outro o xerox ou o lanche, e a mãe ficava com a faculdade. Foi aí que Fabiana resolveu ajudar e decidiu procurar um estágio, sendo o primeiro na Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

Posteriormente, Fabiana conseguiu uma vaga de estágio no Procon, onde pôde atuar mais na área da comunicação. Ela realizava contato com diversas pessoas para entrevistas de televisão, apuração de dados, entre outras funções. Na sequência, estagiou na Assessoria Coletiva do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Legislativa. Segundo ela, o trabalho era complicado, já que tinha dificuldade no âmbito político.

Chegando ao fim da faculdade, a vontade era trabalhar em uma rádio, já que imaginava ser difícil conseguir um emprego na televisão sendo uma mulher preta.

Quando eu estava na faculdade, pensava em fazer rádio, porque, quem iria querer uma mulher preta? De repórter preta, naquela época, só tinha a Glória Maria no Rio de Janeiro. Então eu ficava pensando, ‘quando alguém iria querer me colocar na televisão?’

Surpreendentemente para Fabiana, assim que ela concluiu a faculdade, já conseguiu uma oportunidade em uma TV afiliada da Rede Globo em Montes Claros, onde trabalhou durante dois meses na produção de reportagens.

O Jornalismo no Interior

A rotina de jornalista no interior era puxada. Fabiana ficou apenas dois meses em Montes Claros e um dos desafios mais recorrentes era a falta de fontes confiáveis. Por ser totalmente nova na cidade e não conhecer ninguém, a repórter passava o dia inteiro ligando para as fontes oficiais, como Corpo de Bombeiros, delegacias, ou procurando testemunhas.

Diante de tantos desafios, Fabiana se mostrou uma profissional competente. “Eu tinha um chefe muito legal. Esse chefe um dia falou pra eu ir pra rua fazer uma reportagem, mas eu nunca tinha feito. Porém, ele insistiu que eu fosse, falou pra eu ir, porque ele queria ver como eu me sairia, e eu fui.” Mesmo desacreditada e duvidando que era capaz , ela aceitou o desafio e fez a reportagem.

Vendo o bom desempenho de Fabiana, o chefe só não a promoveu por conta da falta de vagas como repórter de rua. Porém, aquela entrevista ficou guardada em sua memória e em uma fita. Fita essa que mudou a trajetória de vida da jornalista.

Em janeiro de 1999, a repórter se mudou e começou a trabalhar na TV Itabira, onde permaneceu por oito meses. Entretanto, a repórter ainda se sentia muito insegura em fazer cobertura na rua, em fazer passagens, mas ainda assim fazia. Ela relatou a dificuldade em produzir as reportagens, devido à falta de acontecimentos na cidade, então, a criatividade da jornalista era colocada à prova a todo momento. “Às vezes mandavam a gente fazer algumas (matérias) que eu pensava: “Gente, isso aqui não vale nunca”, mas eu fazia. A gente tinha um lema assim: “Matéria boa é matéria que vai ao ar.”

A tecnologia da emissora era atrasada, então uma reportagem gravada em um dia, só era televisionada dias depois. Mesmo aproveitando a experiência, Fabiana teve um choque de realidade que a abalou profundamente.

“Eu tive uma situação muito ruim em uma reportagem que fiz no inverno. Estávamos falando sobre a procura dos postos (de saúde) no mês de frio, e eu estava acompanhando uma criança que a mãe levou (…) e ela morreu na nossa frente.”

Indignada com a situação, que acreditava ser uma negligência médica, Fabiana procurou todas as autoridades cabíveis para a investigar a situação. Após não receber uma resposta, ela se demitiu. Uma experiência que, de acordo com ela, foi traumatizante.

Porque a gente sai da faculdade achando que vai mudar o mundo, e eu queria justiça para aquela mãe. Ela não tinha condição de pagar um advogado e eu e o cinegrafista procuramos a secretaria (de saúde), procuramos tudo e… A gente não teve retorno. Na época eu era muito jovem, muito rebelde, e decidi não ficar ali.

Após se demitir, Fabiana passou um tempo desempregada. Iniciou uma pós-graduação e começou a trabalhar novamente na área, mas em Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas. Ficou sabendo que a vaga era para repórter, mas na verdade atuava como produtora. “É muito cruel você ser produtor, você tem que achar a notícia até mesmo onde não tem.”

Lá ela trabalhou durante quatro anos e chegou a conseguir uma promoção para repórter, mas decidiu trilhar um caminho diferente. Como não recebia bem, dependia da ajuda da mãe para pagar o aluguel e, desejando voltar para Belo Horizonte, buscou novos rumos. Foi quando ficou sabendo de uma vaga para cobrir férias durante três meses na Globo Minas, em Belo Horizonte.

“Eu não esqueço o dia que ele me ligou, era meu antigo chefe, ele não trabalha mais na Globo (em BH). Ele me ligou e falou: ‘Fabiana, você quer vir cobrir férias aqui, durante três meses?’ E eu fiquei tão feliz, falei que queria muito, que era tudo  que eu queria na vida. Isso foi em Junho de 2004 e daí eu tô até hoje na Globo. Já vão fazer mais de 20 anos trabalhando aqui.”

E foi aí que o pensamento de ‘quem iria querer uma mulher preta?’ se tornou ‘quer saber, sou preta, mas eles vão ter que me engolir’.

A ascensão de Fabiana

Fabiana Almeida nos estúdios da Globo Minas / Créditos: Bruno Venuto

Se sentindo realizada por estar perto de sua família novamente, Fabiana começou seu emprego na TV Globo. Lá, ela tinha que lidar com um recorrente questionamento sobre sua capacidade profissional, por ter atuado somente no interior. Era um ambiente pouco diverso, majoritariamente masculino e a dúvida era sempre a mesma:

Será que essa menina preta, vinda do interior, vai dar conta? É, eu acho que dei conta’

Trabalhando em uma grande emissora, Fabiana aos poucos foi conquistando o seu lugar, e ao longo dos anos, começou a produzir matérias para alguns jornais da rede, como o MGTV, Bom Dia Minas, Jornal Hoje, Fantástico e Jornal Nacional. A jornalista já apresentou o MG1 e MG2 diversas vezes e, atualmente, atua como apresentadora substituta. Em abril de 2024, a repórter assumiu o Terra de Minas, se tornando a apresentadora do programa. Esse passo foi um marco na carreira de Fabiana, que ela descreve como a realização de um sonho.

“É possível sonhar. Eu nunca imaginei que ia ser uma apresentadora, nem nos meus maiores sonhos. Eu consegui ser apresentadora e nem foi um pedido meu, foi o meu chefe que me convidou.”

O papel da representatividade em sua vida

Sabemos que as coisas não foram fáceis para Fabiana, principalmente por causa da falta de representatividade de mulheres negras no ambiente jornalístico. A carência de profissionais pretos na área a fez questionar diversas vezes sobre o quão longe ela chegaria dentro da profissão.

A única jornalista negra de destaque era Glória Maria, que para Fabiana parecia estar em um nível inalcançável. Essa representatividade fez falta no processo para se tornar uma jornalista de sucesso, mas ela seguiu e se tornou uma figura de resistência. A entrevistada lembra do choque que teve ao ver pela primeira vez uma profissional preta apresentar um programa em Belo Horizonte. A jornalista em questão era Ethel Corrêa. “Meu deus, tem uma menina preta em Belo Horizonte, que trabalha na Alterosa!”

Fabiana só começou a se dar conta da representatividade que carregava, durante um trabalho em uma periferia, quando estava conversando com o cinegrafista Saulo Luis. Saulo mostrou o impacto que ela estava tendo na vida das crianças dentro daquele lugar, que pareciam impressionadas ao ver uma jornalista negra.

Ele falava “‘Você tem noção do que está acontecendo? Você está abrindo o olho dessas meninas, abrindo o horizonte pra todas elas”

Um relato que impactou Fabiana, e foi postado até mesmo em suas redes sociais, foi do nosso ex-professor e fotógrafo Vitor Bedeti. No relato, Vitor contou que foi entrevistado pela jornalista quando tinha apenas 17 anos, ao ficar preso em uma montanha russa no Minas Shopping. Ele destacou a importância da representatividade ao ter visto uma mulher preta na área da comunicação e o quanto isso afetou a carreira profissional dele.

“Se eu estou na comunicação hoje, foi porque eu te admirei quando tinha 17 anos.Eu vim de um quilombo da Zona da Mata, era meu primeiro mês em BH. Te ver na TV me fez acreditar que era possível!!! Você muda vidas!!”

Atuando hoje como apresentadora do Terra de Minas, ela se sente honrada por estar em um lugar nunca ocupado por uma pessoa preta antes.

Este programa é de muita referência, tem uma história muito bonita e nunca teve uma apresentadora preta. O cargo que ocupo é de muita relevância, então, ocupar esse lugar é motivador.

E a apresentadora não luta somente pelo espaço dela, mas também pelo espaço de outros comunicadores pretos. Ela encontrou no Coletivo Lena Santos uma forma de promover a representatividade que tanto faltava quando iniciou sua carreira. O grupo, formado por jornalistas negros de diferentes meios de comunicação, oferece um espaço de apoio e fortalecimento. “O coletivo é um quilombo virtual onde dividimos nossas experiências e nos apoiamos mutuamente. Isso é fundamental, pois ainda há muito o que conquistar.”

Fabiana Almeida e outros integrantes do Coletivo Lena Santos em inauguração das esculturas de Carolina de Jesus e Lélia Gonzalez, no Parque Municipal de Belo Horizonte / Créditos: Reprodução Instagram / Coletivo Lena Santos

As dificuldades da profissão

A trajetória de Fabiana é marcada por momentos difíceis e emocionantes. A cobertura dos rompimentos das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) foram, sem dúvidas, as mais desafiadoras da carreira, na avaliação dela.

Em Mariana, Fabiana chegou ao local poucas horas após o desastre, em meio ao caos e à dor das vítimas. “Quando cheguei, as pessoas ainda estavam sendo resgatadas. Ver aquelas famílias sujas de lama, machucadas, sem saber o que seria de suas vidas, foi devastador.” E a cobertura de Brumadinho, em 2019, trouxe à tona sentimentos similares.

“Foi um momento muito triste. Eu me lembro de uma mulher que veio até mim dizendo que conseguia ver a localização do celular do irmão no meio da lama.” Em busca de ajuda, Fabiana procurou o tenente Aihara que estava fazendo a inspeção do local, porém a resposta a destruiu. “A gente vai chegar nesse local, mas não significa que o irmão dela está vivo. Isso é só um aparelho celular.”

Em ambas as coberturas, Fabiana não só presenciou o sofrimento humano na forma mais crua, como também enfrentou o esgotamento emocional de cobrir tragédias de tanta magnitude.

Havia dias em que eu não conseguia segurar as lágrimas. Mas sabia que precisava continuar, que era meu dever contar aquelas histórias. Falar com aquelas famílias e não poder fazer nada para ajudá-las foi uma das experiências mais dolorosas da minha vida.

Para lidar com o impacto emocional dessas tragédias, a TV Globo disponibilizou psicólogos para os jornalistas envolvidos nas coberturas. “Foi um suporte essencial, porque, no fim do dia, somos humanos também. Ver tantas mortes, tanta destruição, mexe profundamente com você.”

Fabiana conta sobre o contato próximo que teve com as vítimas e com a morte. Para ela, o mais difícil foi se manter forte em meio a tanta tristeza.

Teve um dia que eu chorei, eu não aguentei. Eu ia entrar ao vivo e comecei a chorar, porque eu já não aguentava mais ver aquilo. Diziam ‘Não, você vai entrar, você vai entrar. Calma’. Aí eu respirei, engoli o choro e entrei ao vivo. Foi muito triste, muito marcante. Aquele local nunca mais saiu da minha cabeça.

Referência como profissional

Fabiana Almeida no estúdio da Globo Minas / Créditos: Fabiana Almeida, arquivo pessoal

Perguntada sobre quais os principais conselhos que a apresentadora poderia proporcionar para os novos jornalistas em formação, ela deu foco ao trabalho na prática. Para Fabiana, os estágios são muito importantes e foram eles que a capacitaram e a tornaram a profissional que é hoje.

A repórter também frisou a prática da leitura, a busca pela informação e a atenção no processo de informação. “Jornalista tem que ler, jornalista tem que ser atualizado, jornalista tem que assistir jornal, jornalista tem que apurar. Não dá pra acreditar na primeira fonte, não dá pra acreditar apenas em um veículo, você tem que ler todos os veículos de comunicação, seja ele parcial ou imparcial. Você tem que estar por dentro da notícia. Tem que ser questionador, não dá pra aceitar a notícia e ficar calado, tem que questionar, tem que perguntar.”

Hoje, Fabiana se orgulha do caminho que percorreu e da importância de ser referência para jovens jornalistas. “Se eu cheguei até aqui, qualquer um pode. É possível ocupar esses espaços e é isso que tento mostrar todos os dias, seja no jornalismo ou no coletivo Lena Santos.”

Fabiana Almeida demonstra ser mais do que uma jornalista. É uma força de representatividade e resiliência. Sua história inspira não apenas por seu talento, mas por sua capacidade de superar barreiras e abrir caminho para que outros também possam brilhar.

Leia Também:

Aline Aguiar: da resistência à bancada do MGTV

Ethel Corrêa: ícone do jornalismo policial

Este perfil foi produzido por Aline Lima, Amanda Araújo, Arthur Tadeu, Luisa Cambraia, Mateus França e Vinicius Bussoloti, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. A monitora Danielly Camargos colaborou com a edição digital.

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário