Alexei Navalny, líder da oposição ao governo russo, se encontra em um estado de saúde grave. Em 31 de março de 2021, o ativista entrou em greve de fome após se tornar um preso político. Inúmeros episódios anteciparam este protesto, como o envenenamento e privação de sono do opositor por parte do governo, que vem há anos em uma escalada autoritária.
Publicado em abril de 2021, o ranking da Repórteres sem Fronteiras (RSF) mede a liberdade de imprensa em 180 países. O Brasil passou a ser considerado um país “difícil” para o jornalismo, situação intensificada pela crise do novo coronavírus.
Crise do discurso
No início deste ano, Felipe Neto recebeu uma intimação da Polícia Civil, peticionado por Carlos Bolsonaro (Republicanos). O vereador afirma que o pedido ocorreu em função de “ameaça à Segurança Nacional”, depois de Felipe se referir ao presidente como genocida. Em sua defesa, o youtuber afirma haver uma carência de políticas públicas na gestão da pandemia, acarretando diretamente na morte de milhares de brasileiros.
Emília Mendes, doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade de Paris, analisa o episódio como uma manifestação de censura e intolerância:
“Se o direito à fala de uma pessoa não é respeitado e ele é ameaçado com punição ao discurso e ao corpo (a prisão, por exemplo), temos a destruição da democracia e a manifestação de um regime autoritário, caminhando para o totalitarismo. Esse episódio e vários outros que ocorreram – e que se assemelham – estão na lógica do que Foucault denomina vigiar e punir. É um tipo de autoritarismo que controla e pune as ações dos discordantes. Assim, a repressão ao discurso é também a morte da democracia e da liberdade de opinião.”
Emília Mendes
Ela afirma que a atitude de perseguição a Felipe Neto é uma falha de interpretação de texto na qual se percebe a emergência do discurso autoritário. “Essa inversão é a morte da democracia e da possibilidade de vivermos juntos em sociedade. É preciso reconectar a palavra ao real”, declara Emília.
Ameaça ao ser
Enquanto Jair Bolsonaro alega que a proposta para cercear “fake news” fere liberdade de expressão, jornalistas brasileiros seguem sendo vítimas de ataques.
Além de Felipe Neto, inúmeros outros críticos do presidente sofrem repressões – tanto por parte do governo, quanto por seus apoiadores. Paula Fróes é uma dessas pessoas. Repórter fotográfica do Correio da Bahia, a jornalista afirma ter sofrido ameaças e agressões verbais durante manifestação pró-Bolsonaro.
“Fui cercada, xingada e me senti super exposta pelo fato de não estarem usando máscara. Tentava falar o tempo inteiro que estava ali trabalhando e não brincando, mas eles, em grupo, falavam mais alto. Eu não estava sendo ouvida, a verdade é essa. Sinto medo, mas minha vontade de fazer justiça é maior. Não só por mim, mas por todos os colegas agredidos também.”
Paula Fróes
A respeito da forma agressiva como o presidente lida com os críticos do governo, a fotógrafa Paula Fróes desabafa: “Se o presidente trata a imprensa dessa forma, os seguidores dele vão achar natural fazer isso também”.
Para ela, a despreocupação do governo volta-se ainda mais para jornalistas.
Antes de compor a equipe do Correio, Paula trabalhou na Secretaria de Comunicação do Governo Estadual da Bahia. Ela alega se sentir muito mais protegida agora, visto que em seu antigo cargo os cuidados governamentais contra a covid-19 não eram suficientes:
“Viajava muito, dormia em lugares que não sabia como era feita a higienização. Era obrigada a ficar de plantão no gabinete do governador pelo menos uma vez na semana. Lá rola um trânsito enorme de pessoas e isso me dava muito medo de contrair a doença. Juro que me senti muito mais segura dentro de um hospital de campanha contra a covid, porque eu sabia onde estava o foco e por isso me policiava muito mais nos cuidados”, relata.
O relato de Paula é a humanização de um dossiê publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). De acordo com a organização, até o fim de março de 2021, 169 profissionais da área morreram em decorrência do vírus. Com isso, o Brasil se tornou o país com maior número de jornalistas mortos por covid19.
A importância da construção da memória
De acordo com Lúcio Flávio de Almeida, que é doutor em Ciências Sociais pela Université de Paris 8, o bolsonarismo tem características neofascistas. Ele acredita que o movimento é ainda mais grave que a liderança, assim como ocorreu na Alemanha na época do nazismo. “O maior risco do bolsonarismo é a implantação de um regime neofascista no Brasil”, alega. Para ele, o risco está no fato de o panorama político atual ter espectros já vistos anteriormente no Brasil e no mundo.
Tanto no golpe de 64, como no golpe do Chile, da Argentina e na ascensão do nazismo e do fascismo, houve um apoio do conjunto da classe dominante. Durante a ditadura, houve um amparo quase unânime dos empresários brasileiros nos vários setores – como atividade bancária, financeira, industrial, agrária e mercantil. O apoio foi gigantesco ao golpe de 64 no Brasil. Esse apoio também foi enorme ao Bolsonaro e ao bolsonarismo.
Lúcio Flávio Almeida
Sem poder afirmar como se darão os próximos passos da política e da restrição à liberdade no Brasil, Lúcio Almeida aponta diferentes perspectivas possíveis para o enquadramento político no país. Haveria uma tendência de triunfo do bolsonarismo e do fascismo? Retornaremos a uma democracia restrita como a que existia até 2016? Ou é possível atingirmos uma democratização ampla?
Para Emília Mendes, citada no início da matéria, a esperança está no vocabulário: “O pacto para refundar o nosso mundo precisa ser pela palavra e pelas verdades que só existem quando a sociedade tem a liberdade de ser heterogênea e de proporcionar a todos o direito à fala”, defende