Em março de 2021, Filipe Martins, assessor internacional do governo federal, fez um símbolo atribuído a supremacistas brancos durante uma aparição na TV Senado. O acontecimento gerou revolta internacional, com a Embaixada da China pressionando o Itamaraty a demiti-lo.
Também este ano, um vídeo de uma apoiadora de um movimento anti-lockdown se espalhou pelo Whatsapp, reproduzindo a fala Arbeit macht frei (o trabalho liberta, em alemão), colocada na porta de Auschwitz e de outros campos de concentração nazistas.
A ideologia do fascismo tem ganhado força e seus símbolos têm sido espalhados, principalmente pela internet. É necessário entender o que é esse movimento e como se espalha.
Definindo o fascismo
“O fascismo é uma ideologia política que luta por uma ditadura mobilizadora de partido único ultranacionalista” define o professor de história da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Odilon Neto. De acordo com o pesquisador, embora a criação oficial do partido fascista na Itália tenha se dado no início do século XX, a origem dos ideais classificados como fascistas datam do fim do século XIX por toda a Europa. Seus exemplos mais marcantes na história foram na ditadura de Mussolini, na Itália, com o partido fascista, e Hitler, na Alemanha, com o partido nazista.
O discurso desses movimentos é baseado em uma lógica de “nós” contra “eles”, como colocado na teoria do ultranacionalismo palingenésico, do cientista político Roger Griffin. Segundo o autor, fascistas falam sobre um “nós”, que seria um povo que já foi grandioso, mas que perdeu seu poder por causa do “eles”, colocados como raiz de todo o mal no mundo. Variações de quem são “nós” e “eles” dependem do local e da época do movimento. Essa retórica tem tendência a se popularizar em momentos de crise, apontando soluções simples e culpados estereotipados, ao mesmo tempo em que busca empoderar um povo em momento de fragilidade.
Como se dá seu crescimento no século XXI
Matthew Lyons, pesquisador estadunidense , escritor do livro Ctrl-Alt-Delete: An Antifascist Report on the Alternative Right e ex-colunista do The Guardian da Inglaterra, estuda movimentos de extrema direita há mais de 30 anos e aponta que, atualmente, essa ideologia vem quebrada em diferentes versões.
De acordo com Lyons, o neonazismo existe em vários grupos políticos, que trazem em si elementos e tendências que os puxam para este lado da extrema política. A ideologia desses grupos normalmente está ligada a pensamentos reacionários, contra minorias sociais, mas é difícil classificar todos devido a quão dividido está o fascismo atualmente.
Grupos fascistas sempre souberam usar das inovações dos meios de comunicação muito efetivamente .
Matthew Lyons
O uso da internet para espalhar ideias é essencial na política e isso se ressalta ainda mais com fascismo, com seu histórico de uso de tecnologias para sua difusão: “Grupos fascistas sempre souberam usar das inovações dos meios de comunicação muito efetivamente. Usavam muito o rádio e filmes durante a Segunda Guerra, foram pioneiros em rede de networking de computadores nos anos 80 e 90, e, atualmente, têm como seu meio principal a internet e sabem usar linguagens inseridas nela”, aponta Matthew Lyons.
Por diferentes redes sociais e fóruns anônimos, como o 4chan, grupos neonazistas buscam propagação de suas ideias, organização de seus grupos e também planejamento de ataques de ódio.
4chan é uma rede social criada em 2003 pelo programador americano Christopher Poole. A rede consiste em vários fóruns divididos por interesse no qual nenhum usuário precisa criar conta para publicar, sendo assim, anônimo. A partir de 2011, neonazistas passaram a ocupar o fórum político do site, chamado de /pol/, passando a ser considerado como um espaço hostil por algumas organizações de defesa a direitos humanos, como a Southern Poverty Law Center.
A divulgação do fascismo
Uma das formas de divulgação está ligada a espalhar símbolos de seus movimentos escondidos pela internet. A ideia é espalhar sinais de grupos fascistas que não sejam altamente reconhecíveis por todos e possam, assim, atingir meios de mídia tradicionais.
“Símbolos são vindos de uma convenção social que determina o seu sentido, apenas entende o símbolo aquele que entende a convenção social” aponta Conrado Mendes, professor de semiótica da PUC Minas. Um termo que ilustra bem isso é Dog Whistle ou apito de cão, cunhado pelo jornalista americano William Safire, que significa: símbolos que escondem em si significados que apenas um grupo específico de pessoas entenderia. Da mesma forma como apenas um cachorro escutaria o som de um apito de cães, apenas um fascista entenderia o sentido real de um símbolo fascista.
Outra forma de divulgação do fascismo e muitas vezes de ataque a minorias é o uso de memes. De acordo com Lyons, foi possível testemunhar este uso durante as eleições de 2016 nos EUA. Memes que traziam mensagens racistas, supremacistas, misóginas e transfóbicas, compartilhados por grupos neonazistas, pró-Trump, mascararam o discurso de ódio com humor ácido. Quem aponta a nocividade do que foi publicado é visto como o culpado da situação, por não entender a “piada”.
Movimentos e símbolos neonazistas muito compartilhados
White Power(símbolo do OK)
O símbolo de “OK” com a mão é o que mais recentemente viralizou, com o assessor do governo reproduzindo em transmissão ao vivo, conforme citado na abertura da reportagem.
O gesto não foi criado por neonazistas. Seu significado original é atribuído àa palavra “ok” e é utilizado comumente por várias pessoas, de diversos países do mundo. Além disso, passou a circular entre jovens na internet desde 2014, como o jogo do círculo, em que deveria ser postada uma foto com esse gesto escondido, sem que fosse percebido.
Com o amplo uso do gesto, um grupo de pessoas no 4chan decidiu fazer uma pegadinha: espalhar por outras redes sociais que o símbolo significa supremacia branca, mesmo antes do significado estar compartilhado entre neonazistas. A ideia seria que isso chegasse na mídia tradicional, assustasse as pessoas, manchasse a imagem de jornais e fizesse pessoas de esquerda parecerem conspiracionistas.
O que aconteceu, porém, foi uma apropriação do símbolo por neonazistas, que passaram a utilizá-lo como “white power”(poder branco, em inglês) utilizando da lógica de “apito de cão”. Por ser muito utilizado, foi possível “disfarçar” seu uso, de forma que só eram identificados por outros neonazistas. Um exemplo disso foi o terrorista anti-islâmico Brenton Tarrant que atacou uma mesquita na Nova Zelândia em março de 2019 e matou 51 fiéis. No seu julgamento, posou para uma foto fazendo o símbolo de ok com a mão.
300 do Brasil
Ganhando atenção da mídia em maio de 2020 com sua passeata e acampamentos na frente do congresso, os “300 do Brasil” são um grupo de extrema direita que alega lutar contra a corrupção. O movimento também fala sobre uma possível “ucranização” do Brasil, fazendo referência aos protestos na Ucrânia de 2014, que levaram à deposição do presidente da época. Embora não tenham sido liderados pela extrema-direita, foram apoiados por esta, que criaram a milícia neonazista Azov, hoje incorporada nas forças armadas do país.
O nome 300 é uma menção ao filme “300”, de Zach Snyder, que conta a história de soldados espartanos que lutaram contra a invasão do exército persa. Baseado em fatos reais, a obra foi criticada por ser similar a filmes nazistas na Alemanha, glorificando a guerra pela defesa de um povo espartano honroso e puro e pintando os persas como selvagens.
Trazendo em si um discurso de nacionalismo e de luta contra a esquerda, seus membros já simularam ataques antidemocráticos contra o STF e ameaçaram ministros da Justiça. Algo também preocupante do movimento é seu caráter paramilitar, prometendo treinamento a seus membros e protestos com participantes carregando armas.
Pepe, o sapo
Criado em 2005 pelo desenhista Matt Furie, Pepe, o sapo era um personagem de seu quadrinho Boy’s Club. A partir de 2010, a imagem do personagem falando “feels good man” ou “me sinto bem, cara” virou meme em diversas redes sociais, sendo usado como imagem de reação.
A partir do ano de 2016, começou a circular no 4chan uma imagem de autoria desconhecida de Pepe vestido de Hitler proferindo discurso antissemita, que passou a ser utilizado por neonazistas também em outras mídias sociais. Isso fez com que, no mesmo ano, a Anti-Defamation League (ADL) ,ONG que luta contra o antissemitismo, reconhecesse o meme como símbolo de ódio. Desde então, o autor do personagem tem criado movimentos na internet para “salvá-lo” de neonazistas, atribuindo novos significados e tornando-o símbolo do movimento anti-autoritário em Hong Kong.
Super Straight
Criado no tiktok, o Super Straight foi um movimento transfóbico que falava sobre a criação de uma nova sexualidade, que excluía a atração por pessoas trans. Embora não tenha sido criada por neonazistas, estes se uniram ao Super Straight por concordar com sua transfobia e passaram a espalhar símbolos fascistas por meio do movimento.
Fascistas do 4chan associaram “SS” de Super Straight com a “SS”, exército do partido nazista na Alemanha. Passaram, então, a divulgar o símbolo deste exército como se fosse a bandeira do Super Straight por diversas redes sociais, principalmente o Tik Tok. Além dos neonazistas, várias pessoas que apoiavam o Super Straight divulgaram bandeira, não imaginando que teriam ligação ao fascismo.
Como parar o neonazismo
Tanto o professor brasileiro Odilon Neto, quanto o pesquisador estadunidense Matthew Lyons, tiveram um ponto em comum: a educação. O primeiro comentou sobre o processo de criação de mecanismos que promovam o ensino de uma cultura política democrática e antifascista. O segundo mencionou a importância de ensinar meios para se combater os problemas da sociedade com base na igualdade, evitando que indivíduos vejam propostas baseadas em opressão como válidas.
É preciso que exista um esforço para bloquear espaços em que neonazistas possam espalhar suas ideias
Matthew Lyons
Lyons acrescentou, ainda, que é importante fomentar o combate popular direto a grupos de ódio: “É preciso que exista um esforço para bloquear espaços em que neonazistas possam espalhar suas ideias, e expor aqueles que disseminam esses ideais anonimamente. E isso tem que vir do povo, não do Estado, para evitar um excesso de poder deste”, conclui.