Quem é velho?
Segundo a lei brasileira, uma pessoa é considerada idosa a partir de seus 60 anos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o critério é de 60 anos de idade para os países em desenvolvimento e de 65 anos para os países considerados desenvolvidos, onde o envelhecimento teria melhores condições. Desde 2020, corre no Brasil um projeto de lei para alterar a legislação, de modo que se adote também os 65 anos como critério.
Definir a velhice e o envelhecimento, no entanto, é mais complexo do que definir uma faixa etária na legislação. Os conceitos e compreensões sobre a velhice sequer são universais, assim como as formas de encará-la e de se preparar, ou não, para essa fase da vida.
Essa amplitude de visões revela-se até mesmo nos termos que utilizamos para nos referir a esse período e àqueles que chegam à idade. Os variados termos que usamos podem se originar de diferentes aspectos, mais ou menos específicos, representando, então, mais ou menos pessoas.
Idoso
No Brasil, o termo ‘idoso’ tem caráter oficial, uma vez que foi a escolha para documentos oficiais do país, como a Constituição Federal de 1988. Mais tarde, ele é reforçado pela Política Nacional do Idoso, de 1994, e pelo Estatuto do Idoso, de 2003. Por isso, o termo é, também, comumente repetido pela mídia tradicional. Consequentemente, ele é repercutido também pela população, especialmente quando o objetivo é se dirigir a esse grupo em um tom mais respeitoso ou formal.
Terceira idade
Nesse mesmo sentido, utiliza-se também a expressão ‘terceira idade’. No entanto, a origem do termo é mais específica, ultrapassando o critério etário. Ela surgiu para designar os aposentados por idade, ou seja, aqueles que já não mais trabalham e passariam a priorizar seu bem-estar. Um artigo de Lizete de Souza Rodrigues e Geraldo Antonio Soares, publicado na revista Ágora, destaca a origem da classificação, que se deu na França, nos anos 60. A introdução de uma política de integração social da velhice cunha o termo em uma época em que “nas relações do processo de produção, a força de trabalho era o bem que o indivíduo das classes menos favorecidas tinha para vender”.
Apesar de tratar de um aspecto muito associado à velhice e que reflete uma visão cultural sobre esse processo, a expressão traz uma carga de associação ao trabalho. Mais especificamente, com quando se deixa de trabalhar.
Assim, falar em terceira idade pode não representar parte do grupo delimitado pelo termo ‘idosos’. Exclui-se trajetórias de vida que não levam à possibilidade de vivenciar uma fase de descanso e de investimento em bem-estar. Há ainda trajetórias que não passaram por um vínculo formal com o mundo do trabalho.
A derivação ‘melhor idade’ é ainda mais excludente. A expressão reforça a concepção de que a velhice é necessariamente um período em que se pode desfrutar de maior qualidade de vida, embora isso nem sempre seja uma realidade.
Ancião
Um termo menos popular – mas relevante por ser utilizado pela OMS para classificar o envelhecimento – é o de ‘ancião’. O dicionário Priberam define ancião como “que ou quem tem idade avançada e é geralmente merecedor de respeito” ou “que existe há muito tempo”. O termo é utilizado também no contexto do Cristianismo, no Novo Testamento da Bíblia, que traz ‘ancião’ como sinônimo de líder de uma igreja local. Para a OMS, no entanto, ser ‘ancião’ nada tem a ver com religião ou respeito, nem é genericamente relativo ao tempo de existência. O termo é uma classificação bem específica: ‘ancião’ compreende a faixa etária de 75 a 90 anos. Os demais estágios do envelhecimento são a meia-idade (45 a 59 anos), o idoso (60 a 74) e a velhice extrema (90 anos ou mais).
Envelhecimento e previdência
A previdência é um dos temas mais discutidos quando se fala do envelhecimento e, nos últimos anos, sua discussão tem tomado o debate público ao redor do mundo. A justificativa de que o sistema previdenciário está em colapso por não se autossustentar diante do aumento da expectativa de vida da população foi amplamente usada no Brasil, em 2017, durante a campanha para aprovação da reforma da previdência. Agora, ela é também utilizada na França, em um processo que enfrenta massiva rejeição popular por parte dos jovens e dos mais velhos.
Nesse cenário de tensões políticas e instabilidade quanto ao futuro, tanto do ponto de vista financeiro quanto do social, é necessário se ter em mente que o conceito de previdência social é relativamente recente. Regulações deste tipo vêm do início da Era Contemporânea, especialmente em consequência da Revolução Industrial.
Histórico da previdência no Brasil
No Brasil, a possibilidade de assistência a trabalhadores por tempo de trabalho ou invalidez foi, durante muito tempo, insuficiente. As primeiras medidas de auxílio nesse sentido foram adotadas no país no século XVI, com a vinda do nobre português Brás Cubas para terras brasileiras. Aqui, ele fundou a vila que se tornaria a cidade de Santos, em São Paulo, e nela construiu, em 1543, uma das primeiras Santas Casas de Misericórdias da colônia. Essas instituições, frutos de irmandades católicas, realizavam trabalhos filantrópicos de auxílio a enfermos e necessitados. Como resultado, algumas unidades evoluíram para instituições hospitalares.
Mas um resquício de esforço para estabelecer medidas previdenciárias no país viria apenas com a Constituição de 1824, que trazia o direito à ‘jubilação’ – como era chamado o benefício da aposentadoria – para professores com 30 anos de exercício ou fisicamente impossibilitados de trabalhar.
Anos depois, em 1888, se deu a reforma dos Correios do Império, com o Decreto N° 9.912-A. O marco histórico regulamentou a aposentadoria de funcionários dos Correios no Art. 195, que estipulava condições indispensáveis para se aposentar: ter completado 60 anos de idade e 30 de serviço efetivo ou estar em incapacidade física ou moral de exercer o serviço. Cabe salientar que a regra não condizia com a realidade da época, já que dados do IBGE apontam que a expectativa de vida no final do séc. XIX era de 33,7 anos. O decreto também foi responsável por multiplicar os fundos de pensão privados brasileiros, os maiores do mundo até hoje, geridos pelo Banco do Brasil.
Lei Eloy Chaves
Ao longo das décadas seguintes, novamente, o que se viu foram esforços para regulamentar categorias específicas. Em 2023, uma dessas iniciativas completa 100 anos e, ainda hoje, é considerada a origem da Previdência Social no país. Sancionou-se, em janeiro de 1923, pelo presidente Arthur Bernardes, a Lei Eloy Chaves – batizada com o nome do deputado criador do projeto.
A medida estabeleceu um regime de previdência para os empregados de empresas de estradas de ferro, gerido pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), às quais se solicitaria o benefício quando o trabalhador ferroviário completasse 50 anos de idade e 30 de contribuição. A Agência Senado aponta que, ao propor a lei, o deputado Eloy Chaves afirmava ter o objetivo de acabar com a “áspera luta de classes”. No entanto, é evidente que essa luta não teria fim com o decreto e a massa assalariada continuava desassistida.
Era Vargas
Foi na era Vargas, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que o Brasil passou a contar com um sistema previdenciário mais robusto, ainda que só incluísse trabalhadores com carteira assinada – à época, concentrados nas áreas urbanas. O Decreto N° 20.465, de outubro de 1931, permitiu a criação de organizações como o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETEC). Organizações como essas se multiplicaram pelo país para atender diferentes categorias de maneira específica. Porém, por mais que constituísse um avanço, o sistema previdenciário varguista era excessivamente segmentado e cooptado pelos lobbies e grupos políticos. Além disso, houve grande pressão dos trabalhadores exigindo benefícios mais justos.
Constituição de 1988
Vem então a Constituição Federal de 1988, que, no Art. 194, estabelece o sistema previdenciário que conhecemos atualmente. Mesmo passando por reformas, persiste a estrutura de contribuição com contrapartida do trabalhador, do patrão e do Estado. A constituinte também estendeu os direitos aos trabalhadores do campo.
Como uma tentativa de desburocratizar os institutos criados por Vargas e pela ditadura militar, surge o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), uma fusão entre o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). No ano seguinte, ficou estabelecido o Regime Geral de Previdência Social, gerido pela União e compulsório aos empregados vinculados à CLT; o Regime Próprio de Previdência Social, de uso exclusivo dos servidores públicos; e o Regime de Previdência Complementar, de adesão voluntária e administrado pelo setor privado.
Reforma da previdência
A mais recente mudança no que diz respeito às regras para a aposentadoria foi a Reforma da Previdência de 2019. A discussão da lei iniciou-se em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer, mas enfrentou forte oposição política popular e teve a tramitação suspensa devido ao receio dos parlamentares em relação ao período eleitoral de 2018. Com a eleição de Jair Bolsonaro, enviou-se novamente a proposta para análise no Congresso Nacional. Após nove meses de uma penosa tramitação, a lei foi aprovada em novembro de 2019.
São também instituídas mudanças nos percentuais de contribuição para o INSS. Novas alíquotas de contribuição à Previdência, pagas por trabalhadores da iniciativa privada e por servidores públicos, entraram em vigor a partir de março de 2020. No site da Agência Senado é possível consultar as taxas. Além disso, durante a regra de transição há um novo sistema de pontos para aposentadoria.
O mercado de trabalho e a economia prateada
Em uma realidade de aumento das incertezas sobre a garantia previdenciária e de redução do poder de compra, mas diante da possibilidade de um envelhecimento ativo, o mercado de trabalho tem registrado cada vez mais a presença das pessoas idosas, ainda que enfrentem preconceito para conseguir um emprego.
O direito ao trabalho na terceira idade é, inclusive, resguardado pelo Capítulo VI, Art. 26, do Estatuto do Idoso, que determina um ambiente de trabalho seguro e com atenção direcionada às necessidades físicas, intelectuais e psíquicas dessa faixa etária.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, demonstram que aumentou o percentual de idosos compondo a força de trabalho brasileira, embora eles ainda configurem-se minoria no mercado de trabalho.
A pesquisa também demonstra um ‘paradoxo social’: mesmo com esse aumento, o desemprego nessa faixa etária saltou de 18,5%, em 2013, para 40,3%, em 2018. Uma das possíveis causas disso é o etarismo – termo utilizado para descrever atitudes negativas da sociedade contra pessoas mais velhas, em função de suas idades.
Além disso, diante do cenário de precarização, a Pnad de 2018 indicou que, dos 45% de idosos que atuavam por conta própria, 17% estava no comércio, 15% na agricultura e 10% no setor de serviços, principalmente nas áreas de educação e de saúde.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) preveem que seguiremos registrando aumentos quanto ao número de pessoas mais velhas trabalhando. As projeções indicam que, em 2040, a força de trabalho do Brasil contará com 56% de pessoas acima dos 45 anos.
Esse cenário revela que o mercado de trabalho precisará atuar para a criação de ambientes mais diversos, que incorporem a experiência e as diferentes vivências da velhice.
Pessoas acima dos 40 já enfrentam desafios
No contexto atual, a faixa etária de pessoas com mais de 40 anos já enfrenta dificuldades para conseguir uma colocação profissional. É o que aponta a pesquisa Contrações 40+, publicada em 2021. Dentre a amostragem de entrevistados, evidenciaram-se os entraves que essas pessoas encaram no meio corporativo: 61% dos participantes relatam que o principal desafio é encontrar empresas que contratem idosos. Para 78%, o mercado de trabalho não oferece as mesmas oportunidades para pessoas mais velhas. Além disso, 70,4% diz ter sofrido com o etarismo em processos seletivos.
Assim, com a perspectiva de vida maior e mais tempo no mercado de trabalho, cabe perguntar: como atender a demanda de consumo dos 50, 60+? Em busca de uma resposta, o mercado vêm precisando repensar seus produtos e serviços para suprir as necessidades dessa parcela que, em breve, será a maior parte da população. Com isso, nasce a ‘Silver Economy’ ou Economia Prateada.
Novas profissões
Pensando nesse futuro próximo, a fundação Dom Cabral, no estudo Longevidade Negócios, mapeou as 10 profissões que mais vão crescer dentro da lógica da economia prateada e do envelhecimento da população brasileira. São elas:
- Cuidador de idosos
- Geriatra
- Gerontólogo
- Terapeuta ocupacional
- Cuidador remoto
- Bioinformacionista
- Consultor de bem estar
- Conselheiro de aposentadoria
- Curador de memórias pessoais
- Especialista em adaptação de casa
No entanto, embora parte das tendências apontem para as áreas ligadas à saúde e cuidado, é preciso se ter em mente que a economia prateada é um mercado emergente. Sendo assim, ela terá de se integrar com outros mercados em desenvolvimento, como a economia verde e a economia digital.
Considerando, também, o cenário de substituição de parte da mão de obra por máquinas, essa pode ser uma opção para a juventude que vai começar a trabalhar. É o que aponta o estudo Futuro do Mundo do Trabalho para as Juventudes Brasileiras.
Antigas profissões
Profissões desempenhadas ao longo de toda a vida permanecem, também, sendo exercidas durante a velhice. Em BH, o Mercado Central é um local onde se vê, em grande número, pessoas de mais de 60 anos trabalhando nas lojas, visitando o lugar à passeio, fazendo compras ou frequentando os bares e restaurantes. Ao ser perguntada se gostaria de ser fotografada para ilustrar a reportagem, Maria Senhora Prates, de 71 anos, conhecida pelo apelido Pretinha, diz que os idosos compõe boa parte do público atendido na sua banca de verduras. Esclarecida a intenção de abordar o envelhecimento e o trabalho na cidade, ela exclama “Você veio ao lugar certo!”. Contando sua histórias, Pretinha e outros comerciantes foram personagens de uma série de posts em comemoração do aniversário de 87 anos do Mercado Central, em 2016.
Envelhecimento na perspectiva de gênero e raça
As desigualdades causadas pela misoginia e o racismo fragilizam ainda mais um processo já delicado como o envelhecimento. No caso das mulheres, a tábua de mortalidade do IBGE – projeções realizadas a partir de dados censitários, registros de óbitos e transição demográfica e epidemiológica da população ao longo do tempo – mostra que, em 2018, elas tinham uma expectativa de vida estimada em 79,9 anos, enquanto eles viviam por volta de 72,8. Isso contribui para que elas sejam a maioria da população brasileira: 51,1% são mulheres e 48,9% são homens, segundo os dados da Pnad Contínua de 2021. Fatores assim contribuem para o que pesquisadores da gerontologia e das ciências sociais têm chamado de feminização do envelhecimento.
Feminização do envelhecimento
Para Simone Mafra, professora da pós-graduação em Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa (UFV), a feminização do envelhecimento se dá de forma mais concreta no âmbito social. Isso acontece pois o cuidado com a família fica sob responsabilidade das mulheres, mesmo que elas já sejam idosas e necessitem de assistência de terceiros.
Simone explica: “O que mais agrava esse sentimento da velhice feminina é que muitas mulheres se ocupam de um cuidado que elas não gostariam de ocupar. […] Parece que a mulher nasce com esse dom de cuidar de alguém. Mesmo que ela não se sinta nesse lugar, ela não tem direito de dizer que não está disponível”.
Envelhecimento e a população negra
A pesquisadora também destaca que a velhice de mulheres negras tem ainda mais agravantes que a de mulheres brancas. Isso porque elas figuram entre as que estão mais sujeitas ao abandono, à falta de condições financeiras e a dificuldades no acesso à saúde. O estudo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, feito pelo IBGE em 2022, reforça esse apontamento revelando que pessoas pretas e pardas de ambos os gêneros ainda são o grupo com menos acesso à educação e que compõe a maior parte da força de trabalho informal do país. Essa realidade demonstra que, além de ser dificultado o acesso ao conhecimento, inclusive de direitos, garantias como a de um salário mínimo e de aposentadoria também podem ser inacessíveis.
Vivenciar a velhice nessas condições sociais já caracteriza uma profunda falha no cumprimento do que a legislação prevê. O Estatuto da Pessoa idosa, por exemplo, define: “A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Mas, para os homens negros, as circunstâncias também já são graves desde a juventude. Ainda segundo o IBGE, a taxa de homicídio entre jovens pretos com idade de 15 a 29 anos é de 94,4 a cada 100 mil. A conjuntura é de que eles são mortos 2,3 vezes mais do que os não brancos.
Fica evidente que viver a velhice – ou mesmo chegar a ela – acaba sendo um privilégio de apenas alguns recorte raciais e de gênero, não um direito universal.
Reportagem produzida por Anna Nunes, Helena Tomaz, Júlia Costa, Ketrey Aquino e Maria Eduarda Gonzaga, na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre de 2023/1, sob a a supervisão da professora Verônica Soares da Costa.