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Etarismo: “Olhar para a finitude é difícil”

Frequentemente utilizada como alívio cômico, a discriminação aos idosos é tema ainda pouco discutido no Brasil. Fábio Porchat, sócio fundador e roteirista do canal de Youtube “Porta dos Fundos”, estrelou um vídeo mergulhado em estereótipos e intolerância contra pessoas de idade. O que muitas pessoas não sabem, é que essa implicância canalizada tem nome e se chama “etarismo”. Associado a diversos outros fenômenos – como o culto à juventude – esse tipo de preconceito é grave e precisa ser combatido.

A raiz dessa problemática é extensa e complexa. Entretanto, a terapeuta Chelida Machado de Luz, psicóloga pela Universidade Luterana do Brasil e extensionista na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica o etarismo na visão do fenômeno da psicologia chamado de “negação”. Funciona como um mecanismo de defesa da mente humana, uma forma de autoproteção para tentar se afastar da realidade. “Enxergar a velhice no outro é se dar conta da nossa própria, o que, para algumas pessoas, pode gerar sofrimento”, afirma a psicóloga.

O que é etarismo?

O etarismo ou ageísmo referem-se ao preconceito contra os idosos. São termos que descrevem atitudes negativas da sociedade contra pessoas mais velhas em função da idade. “De acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em  57 países, mais de 60% dos idosos disseram ter sido vítimas do ageísmo. No Brasil, a cada dez pessoas, nove acreditam existir este preconceito.” – Liga Solidária

A juventude como padrão único de beleza

De Luz exemplifica a questão etarista com os episódios de preconceito sofridos pela cantora Madonna. No ano de 2015, aos 57 anos, a artista já lidava com ataques nas mídias sociais. Internautas a criticavam por postar fotos sensuais em sua própria conta de Instagram. “Ela é muito velha para ser sexy”, diziam os usuários.

“Madonna – 50” by Robson 72 is licensed under CC BY-NC-SA 2.0
Foto da cantora Madonna encostada em uma parede. A artista tem um olhar intenso e posa com os braços abertos, inclinando o tronco para frente. Ela veste uma roupa preta e curta, que se ajusta em seu corpo.

Em resposta às ofensas, a cantora alegou à mídia americana Access Hollywood: “Sinto como se fosse uma forma de discriminação que ainda não foi lidada como deve ser. Eu acho que devia ser tão proibido quanto fazer comentários racistas ou homofóbicos, julgar alguém por sua idade. É sexista e ageísta, e é uma besteira.”

O etarismo na linguística

Em entrevista ao Colab, Cris Guerra, autora, ativista da longevidade e produtora de conteúdo nas mídias sociais, avalia que o preconceito etarista está arraigado na cultura brasileira. Ela crê que uma forma de lutar contra o  “ageísmo” está na língua portuguesa.

Questionada a respeito de seu próprio processo de envelhecimento, Cris Guerra relata: “Eu sempre fui e acho que eu sou uma pessoa muito jovial. Mas eu acredito que esse termo é etarista. A gente tem que se caracterizar jovens para considerar que a gente está bem. Eu prefiro trocar esse termo por vitalidade. Eu acho que eu sou uma pessoa muito viva, muito vital! Estou tentando fazer essa educação comigo mesma, porque acho que nós somos etaristas, né? Todos nós. A gente tem uma educação – principalmente do lado de cá do Ocidente – muito etarista.”

“Cris Guerra” by TEDxPUCMinas is licensed under CC BY 2.0
Foto da ativista Cris Guerra palestrando em um evento do TEDx PUCMinas. Ela tem cabelos curtos, algumas tatuagens e usa uma blusa branca sem mangas.

 Ambições e desejos

“Vó Izaura”, como é conhecida a paranaense Izaura Demari, tem 80 anos e se tornou digital influencer e fashionista aos 78. Viu sua carreira deslanchar nas mídias sociais e marca presença em eventos importantes na cena da moda, como o São Paulo Fashion Week. Em entrevista ao G1, afirma que “Nunca é tarde”.

Além dela, Zé Alexandre (63), vencedor da primeira temporada do programa de talentos musicais da Rede Globo de Televisão The Voice +, também quebra barreiras do etarismo. Desde o lançamento do programa com foco em pessoas idosas, em janeiro de 2021, o reality inspirou indivíduos de todas as gerações, especialmente os mais velhos. No primeiro episódio, o cantor que levou o prêmio confessou: “Eu queria muito que as pessoas conhecessem meu trabalho.  Não me considero com 60 anos! Às vezes, penso que tenho 15, então, passo batido com esse negócio da idade. Me sinto como se fosse um garotão.” 

Existe uma saída para a idade?

Cris Guerra avalia não haver grandes escapatórias do culto à juventude e a pressão das mídias. Segundo a percepção da autora, sempre existirão dois caminhos. Um deles, a vida como ela é, a aceitação da humanidade de forma natural. E o outro, de busca da perfeição e do padrão.

Para os admiradores da utopia, Guerra acredita haver uma questão maior a se examinar: “Existe uma grande quantidade de pessoas que são infelizes e não estão dispostas a trabalhar nelas as questões mais difíceis, pessoas que não querem sofrer. Mas não estou criticando as pessoas. Acho que procedimentos estéticos, por exemplo, existem para nos ajudar”.

Ela comenta que, talvez, haja um julgamento em relação aos padrões: “Tem gente que também quer ser como manda o figurino, e as pessoas também têm esse direito. O que a gente não pode é se deixar dominar por algo de maneira que nos faça infeliz”. Para ela, cada vez mais vão aparecer pessoas questionando os padrões. Desse modo, o movimento contra o etarismo vai ganhar mais adeptos.

Por fim, ela conclui:

“Olhar para a gente mesmo, olhar para o envelhecimento, olhar para a finitude, encarar as nossas dificuldades, é difícil mesmo! Encarar o lado obscuro da vida, a sombra, é difícil… Agora eu posso te dizer, que quando a gente encara isso, quando a gente consegue estar frente a frente, falar disso com mais tranquilidade, a gente consegue passar pela vida de uma maneira mais genuína e crescer”.

Cris Guerra

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