Colab
Jovem é agredido por militares / Foto: Wikimodia Common. Imagem do Fundo Correio da Manhã

Entenda os precedentes das Diretas Já

Para entender as motivações do movimento das Diretas Já é preciso retomar antes o período da ditadura militar, quando as eleições diretas foram suspensas, direitos políticos cassados, opositores perseguidos, presos, torturados e até assassinados.

No dia 31 de março de 1964, os militares, com apoio de lideranças civis, aplicaram um golpe de Estado para assumir o poder no Brasil. João Goulart –  que ocupava o cargo de presidente à época –  foi deposto, e assim, deu-se início ao período histórico chamado de ditadura militar. Desde então, os presidentes ditadores que se revezaram no poder passaram a baixar decretos, chamados de Atos Institucionais, com a finalidade de legalizar as ações e arbitrariedades praticadas por eles, consideradas até então ilegais ou abusivas. Os militares também colocaram em vigor uma nova constituição, em 1967.

Durante o regime autoritário, as eleições para presidente eram indiretas, ou seja, o candidato era escolhido por um Colégio Eleitoral, composto por membros do Congresso Nacional e representantes das Assembleias Legislativas dos Estados, e não pelo povo. Após 20 anos de regime, as Diretas Já tentavam justamente retomar o direito ao voto direto e livre.

Antes disso, o período entre os anos 1969 e 1978 foi considerado o mais severo da ditadura. Com o decreto do AI-5 (último ato institucional), tido como o mais repressor, o presidente podia retirar os direitos políticos de qualquer pessoa, e a tortura como prática dos agentes de Estado passou a ser algo sistemático. Alexandre Eustáquio, professor de antropologia e comunicação da Puc Minas, explica que o AI-5 atuou como uma virada de chave e fez com que parte da população e da imprensa olhasse para o regime com outros olhos. 

Foi instituída a censura prévia e a suspensão de habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Até o Congresso Nacional chegou a ficar fechado por mais de dez meses. Manifestar opiniões contra o governo nessa época poderia ser fatal. ‘‘Você só tinha segurança se você ficasse caladinho e apoiasse tudo’’, conta a cientista política e professora Helena da Motta Salles, que participou do movimento Diretas Já.

Homem sofrendo repressão pelo militares. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto de Otávio Magalhães, do atentado terrorista no Riocentro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Os militares batiam mesmo na população, sem dó nem piedade, arrastavam pelo chão. Se a pessoa reagisse, enfiava no camburão, levava e a gente não sabia para onde iam essas pessoas. Então isso criou um clima de indignação em relação aos abusos de poder”, lembra Helena da Motta Salles.

Em 1974, Geisel propôs a abertura “Lenta, Gradual e Segura”, que ocorreu durante a sua gestão, até o ano 1979, que teve como marco a anistia. Com a transição para o governo de João Figueiredo (1979-1985), foi proposta a reabertura para a volta do governo civil. Como a abertura política demorava, provocava também frustração coletiva. 

Entre 1978 a 1985, o governo militar tinha “mãos de ferro”, mas menos apoio popular, resultado da crise econômica. Segundo Alexandre Eustáquio, aumentou a inflação e a repressão, o que levou diferentes setores da sociedade a se mobilizarem, incluindo sindicatos, movimentos estudantis, eclesiásticos, partidos políticos e associações como a OAB e a UNE

Helena Motta conta que os sobreviventes da tortura e aqueles opositores que conseguiram fugir da repressão contavam as atrocidades cometidas para os conhecidos à sua volta, provocando indignação. “[Em Minas Gerais], os presos políticos deram um jeito de burlar a vigilância e redigiram o documento que ficou conhecido como Carta de Linhares. Esse documento foi um artifício que eles conseguiram fazer para levar a denúncia para fora do país. Então, foi a primeira vez que os absurdos que estavam se passando no país foram revelados lá fora, e isso teve repercussão na mídia internacional, teve repercussão em organizações de defesa dos direitos humanos e chegou até na ONU’’, explica.

Começaram, então, a surgir movimentos em prol da anistia – conquistada em 79 – e pela mudança do regime. O Estado já tinha cedido e autorizado eleições diretas para governadores e prefeitos. Segundo a cientista política Isabele Mitozo, nem os militares estavam suportando mais aquela situação. ‘‘A própria hierarquia militar é incompatível com o sistema de governo, porque começaram a haver disputas internas entre generais. Havia um revezamento de quem ia ser presidente, e quem era presidente sempre eram os generais, e isso era algo incompatível, porque em outros cargos, outras pessoas tomavam esses cargos por proximidade desses generais, e nem sempre pela [hierarquia da] patente. Então essa hierarquia às vezes era quebrada, e isso acabava sendo pesado também para os militares.’’ 

O mês de abril do ano de 1984, exatamente 20 anos após a deposição de João Goulart e da implantação do regime autoritário no Brasil, pode ser considerado como ápice de manifestações, nas quais a sociedade se unia em escala nacional e gritava: “Diretas já”. 

Comício das Diretas Já em frente ao estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo, em 27 de novembro de 1983. Foto: Tribunal Federal Regional SP

Ao contrário do que aconteceu em outros momentos do regime, não havia mais ambiente para a  forte repressão aos protestos. Mitozo explica que isso aconteceu porque ocorreu uma negociação nos bastidores do campo político, para garantir a segurança da população. ‘‘Então as pessoas se sentem mais confiantes, digamos assim, para ir para as ruas. E lógico, você sempre chama num momento desse a juventude, que é muito mais corajosa que todo mundo, que sempre esteve ali nas trincheiras da ditadura.’’ Ainda assim, Helena Motta afirma que a possibilidade de repressão ainda existia. Foi justamente nos anos 1980 que proliferaram os atentados à bomba como forma de intimidação. ‘‘Eram usados cassetetes. Batiam mesmo na população, sem dó nem piedade’’.

Milhares de pessoas, em todos os estados e de diversos setores da sociedade, uniram-se nas ruas. ‘‘E aí vemos alguns artistas que voltaram do exílio, foram figuras muito importantes, pois já tinham o seu público e puderam convocar essas pessoas”, contextualiza Mitozo. 

Comício em prol das Diretas Já. Foto: Agência Senado

Vários artistas participaram, como os atores Juca de Oliveira, Fernanda Montenegro, Raul Cortez, Regina Duarte e Ruth Escobar, e cantores, como Gilberto Gil, Belchior, Olivia Byington, Alceu Valença, Fafá de Belém, Chico Buarque e Milton Nascimento. Além de muitos outros, a lista é grande. Os brasileiros não suportavam mais ficar de fora das decisões políticas do país. ‘‘A gente se emocionava. Foi um momento muito forte na vida de todos nós, né? Eu lembro dos artistas cantando, os palanques cheios de autoridades e todo mundo falando. E a população muito eufórica, animada. Ficou na história da minha geração. É muito marcante “, conta Helena Motta.

Conteúdo produzido por Millena Alves, Rafael Fiorini, Hannah Andrade e Letícia Nogueira  e Rinaldo Robson sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. Colaborou o monitor Felipe de Paula. 

Leia Mais:

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário