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Usina elétrica, Poluição do ar, Central elétrica a carvão.
Usina elétrica, Poluição do ar, Central elétrica a carvão. Foto: Pixabay

Emergência climática 

Especialistas explicam como as ações humanas agravam o aquecimento global e apontam estratégias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas

Há quatro anos Emílio Lèbre já trazia o alerta de que a humanidade estava enfrentando uma ameaça global. Em entrevista ao Colab sobre emergência climática, o coordenador do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudança Climática (Centro Clima) e do Laboratório Interdisciplinar e de Meio Ambiente e Clima, que também é professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), alertava sobre efeitos das mudanças climáticas e razões da ameaça global para a humanidade. De lá para cá, o cenário piorou. Em janeiro de 2025, o relatório global de clima do Copernicus afirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado, e pela primeira vez, a temperatura média global superou 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, um marco alarmante que reforça a necessidade urgente de ações efetivas para conter a crise climática.

Agora, tanto Emílio Lèbre La Rovere quanto a bióloga e engenheira ambiental Fernanda Raggi, que é mestre em Botânica, em Sustentabilidade e doutoranda em Recursos Hídricos pelo Instituto Federal Fluminense (IFF), alertam para os efeitos devastadores da emergência climática. Eles explicam as causas do aquecimento global, as consequências do desequilíbrio ambiental e o papel da ação humana no agravamento do cenário.

A emergência climática é resultado do aumento constante da temperatura do planeta. 

Raggi explica que as temperaturas têm apresentado crescimento alarmante, e a camada de ozônio, essencial para filtrar os raios ultravioletas, está reduzindo, o que eleva os riscos para a saúde humana e os ecossistemas. Já Emílio Lèbre destaca que o desequilíbrio ambiental é agravado pelas emissões de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), intensificando eventos extremos, como ondas de calor, enchentes e alterações nos padrões de precipitação.

Os efeitos das mudanças climáticas já são visíveis em diversas partes do mundo. No Brasil, a seca severa na região amazônica e as chuvas intensas no sul do país, em 2024 e este ano, mostram a urgência do problema. Os especialistas apontam que a solução passa por ações coletivas e mudanças estruturais, entre as iniciativas essenciais para mitigar os impactos do aquecimento global, está a redução das emissões de gases do efeito estufa por meio da transição para fontes de energia limpa e da redução do uso de combustíveis fósseis.

Porto Alegre RS 07/05/2024 Tragédia no rio Grande do Sul a Capital Porto Alegre sofre com enchentes falta de luz e agua potável foto Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Porto Alegre RS 07/05/2024 Tragédia no rio Grande do Sul a Capital Porto Alegre sofre com enchentes falta de luz e agua potável. Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

No setor agropecuário, a adoção de práticas mais sustentáveis pode minimizar as emissões, enquanto a conservação de recursos naturais, como florestas e biomas essenciais, desempenha um papel crucial na absorção de carbono. 

Para quem acha que tais mudanças não afetam este momento e diretamente nossas vidas, a recente alta do café está aí para demonstrar o contrário, visto que parte das razões para a redução da produção e aumento dos preços está relacionada com os eventos climáticos.

Além disso, uma mudança cultural que estimule o consumo consciente e a adoção de políticas públicas voltadas à sustentabilidade se faz necessária, conforme os especialistas. A emergência climática não é uma projeção futura, mas uma realidade que já impacta milhões de pessoas ao redor do mundo. 

Ainda temos tempo para reverter esse cenário, mas é preciso compromisso e urgência.

Segundo Lèbre, a China, que atualmente é o maior emissor anual de gases de efeito estufa, se comprometeu a atingir o pico de emissões até 2030 e, a partir daí, reduzir. Outros países já começaram a diminuir suas emissões, como o Brasil, que teve seu pico em 2005, e a Europa, que tem promovido reduções constantes. 

Já o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, continua questionando se os gases com efeito de estufa causam danos no contexto das alterações climáticas e promete reversão das medidas ambientais antes pactuadas.

O professor da Coppe e coordenador do Centro Clima alerta que é necessário um esforço global conjunto. “Não adianta apenas alguns países reduzirem as emissões, pois os gases de efeito estufa se acumulam na atmosfera, gerando impactos climáticos em escala global. O nível seguro para evitar perdas e danos exponenciais é manter o aumento da temperatura entre 1,5°C e 2°C, conforme definido pelo Acordo de Paris. No entanto, as contribuições atuais para redução de emissões ainda não são suficientes para alcançar essa meta, e o planeta continua aumentando suas emissões, principalmente por países como Índia, África do Sul e Estados Unidos”, explica Lèbre.

Gases de efeito estufa

Os principais gases do efeito estufa, que contribuem para emergência climática, são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). O CO2 provém principalmente da queima de combustíveis fósseis, como carvão mineral e seus derivados. Para substituí-los, é necessário investir em energias renováveis, como eólica, solar e biomassa, além de aumentar a eficiência energética. “Já o metano tem como principal causa a pecuária e o desmatamento. É fundamental intensificar a fiscalização ambiental e criar instrumentos econômicos que incentivem práticas sustentáveis. Um exemplo seria condicionar o crédito rural ao cumprimento da legislação ambiental”, sugere o climatologista. Outra solução é a captura de metano em aterros sanitários para transformá-lo em biometano, utilizado na indústria, além do aproveitamento do biogás em estações de esgoto. O óxido nitroso, por sua vez, pode ser reduzido com a adoção da agricultura de baixo carbono, plantio direto e técnicas que minimizem o uso de fertilizantes nitrogenados.

Relação com arboviroses e câncer

As consequências da ação humana no meio ambiente refletem diretamente na saúde pública. Segundo Fernanda Raggi, o desmatamento eleva as temperaturas nas áreas antes florestadas, favorecendo a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como o Aedes aegypti, responsável pela dengue. “Esse mosquito, que antes habitava áreas quentes e úmidas da floresta, agora está migrando para centros urbanos cada vez mais quentes. O aumento das chuvas gera mais criadouros e favorece a circulação de sorotipos como o DENV-3, que voltou a se espalhar”, alerta a especialista. Além disso, a elevação das temperaturas no Sul do Brasil, causada pelas mudanças climáticas, têm permitido a expansão do mosquito para regiões onde antes não sobreviveria.

Outro impacto preocupante é o aumento de casos de câncer de pele devido à maior exposição aos raios solares. Raggi também aponta que episódios de mortes causadas por ondas de calor, comuns na Europa, podem se tornar realidade no Brasil.

Se o desmatamento e o aquecimento global continuarem, podemos começar a registrar mortes de idosos e crianças devido ao calor excessivo. A cobertura vegetal ajuda a regular o ciclo hidrológico e amenizar temperaturas, mas com a destruição das florestas, essa regulação se torna menos eficaz.

Eventos climáticos extremos

Eventos climáticos extremos, como enchentes, também se intensificam. O Brasil, que tem duas estações predominantes – seca e chuvosa –, pode enfrentar períodos de chuvas cada vez mais intensos. “A elevação da temperatura gera maior evaporação e acúmulo de vapor d’água. Quando massas de ar frio, como as do fenômeno La Niña, encontram essas massas de ar quente estagnadas, há um choque térmico muito maior, como ocorreu recentemente em Porto Alegre. A cidade sofreu com chuvas extremas devido à interação da massa de ar quente com uma frente fria vinda do Atlântico Sul”, explica Raggi.

Além das perdas materiais, as enchentes provocam surtos de doenças, como leptospirose e febre amarela, que voltaram a preocupar o Sul do país. “A leptospirose é transmitida pela urina de ratos contaminados que se espalha em áreas alagadas. Já mosquitos transmissores de vírus e bactérias também têm se proliferado em meio urbano após enchentes, aumentando o risco de epidemias”, acrescenta a especialista.

O papel do agro 

O climatologista Emílio Lèbre contextualiza a situação global do agronegócio em relação às mudanças climáticas. “Em níveis globais, a responsabilidade do setor agropecuário é menor do que a das indústrias de petróleo, carvão mineral e gás natural. No entanto, o Brasil possui uma particularidade: temos mais cabeças de gado do que pessoas, o que resulta em altas emissões de metano. Sendo o maior exportador de carne bovina do mundo, o impacto do agro no Brasil é significativo”, destaca.

Para Lèbre, o desmatamento é um fator crítico nessa equação, mas ele aponta que suas causas são frequentemente ligadas à criminalidade e à grilagem de terras, especialmente na Amazônia. “A necessidade de desmatamento para ampliar a produção agrícola é limitada. Especialistas concordam que o Brasil poderia triplicar sua produção agropecuária sem precisar expandir áreas cultivadas. Há vastas áreas de pastagens degradadas que podem ser recuperadas e utilizadas para produção, reduzindo a pressão sobre as florestas”, afirma.

Por outro lado, Fernanda Raggi destaca que o agronegócio brasileiro tem evoluído para uma postura mais consciente em relação à sustentabilidade. “Hoje já temos um agro muito mais sensível à causa ambiental. Muitos agricultores compreendem a importância de manter os solos recuperados e evitar práticas degradantes, como a sobrecarga de gado em áreas fragilizadas. Além disso, há um esforço crescente na recuperação das áreas de preservação permanente (APPs), essenciais para a manutenção dos recursos hídricos e da biodiversidade.” 

Ela também ressalta a importância da regulamentação ambiental e dos incentivos econômicos para boas práticas, como a compensação por créditos de carbono. “O Código Florestal brasileiro determina que 20% das terras rurais devem ser mantidas com vegetação nativa, mas muitos produtores vão além disso e estão aproveitando oportunidades econômicas, como o mercado de créditos de carbono. Eles calculam a quantidade de carbono absorvida por essas árvores e utilizam esse valor para compensar as emissões de suas atividades”, explica Raggi.

Apesar dos avanços, ainda há desafios, pois há produtores que continuam utilizando práticas insustentáveis, como o uso excessivo de pastagens sem recuperação do solo. “Há fazendas que colocam milhões de cabeças de gado em áreas inadequadas, causando processos erosivos que são caros e difíceis de reverter”, alerta a bióloga e engenheira ambiental.

Conferências Climáticas

As conferências climáticas globais desempenham um papel fundamental na tentativa de frear os avanços das mudanças climáticas. Segundo Raggi, a primeira grande reunião internacional sobre meio ambiente, realizada em 1972, teve pouca efetividade, pois o foco ainda estava voltado ao desenvolvimento humano. Já a ECO 92, sediada no Brasil, foi um marco histórico e contou com a assinatura do Protocolo de Quioto, que propôs redução na emissão de gases de efeito estufa. No entanto, Raggi aponta que muitos dos compromissos firmados não foram cumpridos.

E hoje, tanto tempo depois, a gente já tem uma nova preocupação, porque inclusive a gente teve a COP 29 agora, no Azerbaijão, e a maior cobrança que a gente teve foi para o Brasil, e aí todo mundo me perguntou, mas por que a maior cobrança foi em cima do presidente Lula, em cima do Brasil? Porque a salvaguarda está aqui. O nosso país tem a maior cobertura vegetal, as plantas precisam de carbono, elas crescem absorvendo carbono, então elas absorvem CO2 da atmosfera e liberam oxigênio para a gente.

Para Emílio Lèbre, as conferências climáticas avançam, mas de forma lenta e insuficiente para a urgência do problema. Ele destaca que a COP 29 teve como foco principal o financiamento de projetos para transição energética, especialmente nos países em desenvolvimento. No entanto, entraves como altos riscos cambiais, regulatórios e financeiros dificultam a chegada desses investimentos aos locais que mais necessitam.

O desafio da comunicação climática

Mesmo com a crescente disponibilidade de informação, a emergência climática ainda não é levada a sério por parte da sociedade. Para Raggi, isso se deve a uma falha na comunicação governamental e à falta de divulgação popular das pesquisas científicas. A pandemia evidenciou essa situação, levando cientistas a se aproximarem mais do público por meio das redes sociais e da simplificação da linguagem acadêmica.

Emílio Lèbre, por sua vez, destaca que a mídia teve um papel ambíguo nesse processo. Durante anos, deu espaço para negacionistas climáticos, criando uma falsa equivalência entre estudos científicos sérios e opiniões infundadas. Segundo ele, essa disseminação de desinformação, muitas vezes financiada por setores interessados na manutenção do status quo, retardou a consciência coletiva sobre a gravidade da emergência climática.

Países como Suécia, Austrália e França são referências em políticas ambientais e preservação da biodiversidade. Segundo Raggi, o Brasil também tem potencial para ser um exemplo global, devido à vasta cobertura vegetal e biodiversidade. Contudo, é necessário que haja maior comprometimento na implementação de políticas ambientais eficazes.

Já na Europa, países como Alemanha e Reino Unido demonstram alto grau de engajamento da população contra emergência climática, com legislações rígidas e amplas áreas de conservação. O desafio global, portanto, continua sendo o de equilibrar desenvolvimento econômico e sustentação ambiental, garantindo um futuro mais seguro para as próximas gerações.

A resposta da questão climática não está só na discussão ambiental, está na discussão de como a gente faz o desenvolvimento da economia da sociedade.

Emílio Lèbre defende que a solução para a crise climática passa por uma transformação no modelo de desenvolvimento, especialmente nos países em desenvolvimento, como a Nigéria. Para ele, é necessário que a população tenha acesso a veículos movidos a biocombustíveis renováveis ou elétricos, com energia gerada por fontes como a solar e a eólica. Dessa forma, seria possível promover o consumo e qualidade de vida sem comprometer o meio ambiente.

Ele destaca a importância do protagonismo do Norte Global nesse processo de mudança. A adoção de práticas sustentáveis por países desenvolvidos, como as iniciativas em curso na Europa, ajuda a redefinir o que é considerado moderno. A motocicleta movida a combustíveis fósseis e o carro veloz perdem espaço para a bicicleta elétrica e o automóvel silencioso e limpo. Para Emílio Lèbre essa mudança cultural na percepção de progresso é vista como elemento central na resposta à emergência climática.

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Wallison Leandro

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