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Imagem de Akemy Mory via Unsplash.

Em BH, bairro Santa Tereza se transforma e atrai novos públicos

Passado, presente, gentrificação e arte em um dos bairros mais tradicionais de BH

Quando Gabriel Coelho (20) e sua família se mudaram para Santa Tereza, ele tinha apenas 6 anos. A mudança foi motivada pela centralidade do bairro, que tornaria a vida da família mais prática. Naquela época, já nos anos 2000, apesar de ter feito amizade com um vizinho, os dois não frequentavam a pracinha do bairro – a Praça Duque de Caxias – “ponto turístico” de Santa Tereza, porque já não era segura o bastante para que as crianças pudessem frequentá-la sem supervisão. 

Dona Sônia Ribeiro (80) nasceu na região, onde morou em diferentes períodos de sua vida. Suas lembranças do bairro durante a infância são bem diferentes das de Gabriel: “Aqui não tinha bonde, não tinha condução, não tinha nada.” Ela conta que frequentava o Cine Santa Tereza (que, atualmente, tem programação gratuita de quarta-feira a domingo, das 16h às 21h) , as barraquinhas da quermesse da Igreja e as festas juninas do Oásis Clube, e relata, ainda, que seus avós se mudaram para a região pois seu avô veio do Rio de Janeiro trabalhar na construção da Estação Central e a residência da família precisava ficar próxima do trabalho. Anos depois, seu pai abriu o primeiro bar do Horto (bairro vizinho a Santa Tereza), quando ela ainda era criança.

Cine Santa Tereza. Imagem: Ricardo Laf/FMCBH via PBH

Dona Sônia conta ainda que quando criança tinha o costume de subir com os irmãos e amigos a rua em que ficava o bar de seu pai. Juntos, eles observavam a construção da Arena Independência, inaugurada em junho de 1950. Para o campeonato mineiro de 2012, a arena foi reformada. Sônia conta que, da janela de seu apartamento, seu pai, atleticano, aos 109 anos acompanhou as obras, mais de sessenta anos depois.

Boemia marca a história do bairro

Pode-se dizer que o legado da família de Dona Sônia teve continuidade: o bairro cresceu e a boemia passou a ser uma das principais características da região. A Rua Mármore, uma das principais de Santê, por ter cerca de 16 bares em seus 900 metros de comprimento – aproximadamente um a cada 56 metros – se tornou a rua com mais bares de toda Belo Horizonte. O bairro, que, apesar do histórico boêmio, mantinha um caráter residencial, viu aumentar a quantidade de bares, restaurantes e casas de shows nos últimos anos. “Bar sempre teve muito, mas hoje em todo quarteirão tem no mínimo uns três. Com certeza esse número cresceu”, atesta Gabriel.

Hernany Mendes de Faria Pinto, presidente da associação dos moradores, diz que vê com muito cuidado esse crescimento: “Santa Tereza se mostra um atrativo turístico de entretenimento noturno com grande potencial. Diante da crise econômica, após esse período de gravidade da pandemia, as pessoas veem uma oportunidade de fazer empreendimentos aqui. Isso traz um trânsito grande de veículos, música ao vivo para o entretenimento, e tudo isso causa impactos, então, nós vemos isso com muito cuidado.” Em abril de 2022 foi noticiada uma briga ocorrida do lado de fora da casa de shows Planeta Gol BH. Moradores chamaram a polícia e foi criada uma página no Instagram  pedindo o fim do estabelecimento.

Hernany conta, ainda, que, atualmente, a maior queixa dos moradores à associação é de poluição sonora, muitas vezes causada pelas atrações de música ao vivo e pelo alto fluxo de consumidores nos bares e restaurantes. Ele explica que, nesse caso, o papel da associação é trabalhar para que os órgãos competentes exerçam suas funções – como realizar medições de volume e penalizar infratores – e seja cumprida a lei.  

O fenômeno de chegada de novos estabelecimentos com tamanha intensidade a Santa Tereza pode ser classificado como gentrificação. A professora da PUC Minas, Luciana Andrade Teixeira, explica o termo: “O elemento central do conceito é um movimento de um grupo de classe média que adentra um território que era ocupado por um grupo de menor status, de menor condição econômica, de uma classe inferior e leva à expulsão desse grupo”.

A professora, que dedicou parte de sua pesquisa a estudar a gentrificação nos bairros Santa Tereza e Anchieta, detalha que essa expulsão pode se iniciar pelas pessoas que se mudam para determinada área ou pode ser conduzida pelo próprio mercado imobiliário, que investe na região. “[Então] entra o grupo com mais capital social, capital econômico, vai criando um comércio mais sofisticado, mas as pessoas que estavam lá não conseguem mais viver ali, os aluguéis aumentam de preço. Pode até beneficiar alguns – os donos dos imóveis – mas ela tem consequências negativas para as pessoas de mais baixo status, que não vão conseguir ficar nesse lugar.” Ela ressalta, ainda, que, para as cidades brasileiras, que já têm a desigualdade socioespacial como característica, a gentrificação pode ser um intensificador desse processo.

Apesar das memórias de um bairro mais vazio e familiar, Dona Sônia reconhece as mudanças trazidas pelo tempo: “foi se tornando um bairro boêmio, com muitos bares […] e depois com o carnaval, cada ano aumenta, a ponto de você ficar em casa: é idoso, não vai sair!”


Arte e integração

Com a preocupação de que o TAU, Território Arte Urbana, não fosse um promotor desse tipo de desigualdade e sim um fator colaborador para combatê-la a, a terceira edição do evento vai acontecer também na Vila Dias, comunidade que faz parte de Santa Tereza. 

O Festival acontecerá pela terceira vez este ano e terá como foco as intervenções de arte urbana em vitrines e fachadas de comércios locais e em um muro da Vila Dias. As intervenções serão feitas por sete artistas: seis da Grande BH e um representante do restante do Brasil.  As obras serão realizadas entre 22 e 31 de julho e o público poderá visitá-las até 9 de setembro.

Gisele Milagres, idealizadora do evento e ex-moradora do Santa Tereza, acredita que essa espécie de reascensão do bairro foi espontânea: “Quem faz a escolha dos lugares é o próprio público, eles elegem alguns lugares. O bairro é muito aconchegante, que traz uma Belo Horizonte que a gente perdeu, é um bairro de casas, não de prédios.”

Para ela, no entanto, a Vila Dias não está integrada a este movimento de reascensão e, justamente com o objetivo de integrá-la, a edição de 2021 do TAU incluiu um dos pontos de intervenção artística na comunidade. “Há uma linha imaginária que divide o bairro da Vila Dias”, ela denuncia. “É isso que a gente quer: em alguma instância, ressignificar o espaço, trabalhar junto com essa comunidade”. Ela conta, ainda, que o projeto acabou servindo como uma ponte entre o poder público e a população da Vila, já que a Prefeitura vai consertar o muro e revitalizar a praça onde serão feitas as intervenções, atendendo a demandas antigas dos moradores.

Visitantes interagem com painel feito para o TAU em 2019. Duas mulheres estão de mãos dadas, de costas. Uma delas encosta a mão na pintura, que é branca e vermelha.
Visitantes interagem com o mural do TAU 2019. Imagem: Luiza Palhares.

“É muito comum que os grupos de classe média atuem contra os grupos de mais baixa renda e Santa Tereza é um exemplo distinto, interessante por causa disso.” ressalta a professora Luciana Andrade. Hernany, presidente da associação dos moradores do bairro, conta que estão em diálogo frequente com os líderes das comunidades (além da Vila Dias, há também a Vila São Vicente) e trabalham juntos para a implementação de projetos na área. “A gente procura se aproximar e oferecer oportunidades. Temos um projeto chamado Redes Criativas, de formação de audiovisual para jovens que encaminhamos para lá e fazemos a interface com alguns projetos que tem lá.” 

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Helena Fernandes Tomaz

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