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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, de pé, usando terno cor azul marinho e gravata vermelha, em frente a um telão escrito “Trump Will Fix It” (“Trump irá consertar tudo”, traduzido do inglês).
O recém eleito 47° presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump pretende restringir a política migratória e dificultar a entrada de novos imigrantes no país. Reprodução: Instagram

Efeito Trump: os impactos do discurso anti-imigração

Após Donald Trump vencer as eleições estadunidenses, surge onda de falas anti-imigração

“Vamos colocar esses criminosos sanguinários na prisão ou expulsá-los do nosso país”, ressaltou Donald Trump durante discurso da campanha presidencial de 2024 nos Estados Unidos. O presidente eleito no último dia 5 de novembro para cumprir o segundo mandato teve como carro-chefe de campanha o posicionamento anti-imigração, deixando clara a aversão a parcelas dos imigrantes, estrangeiros e refugiados que vivem no país.

Acusando especialmente quem não tem a situação legalizada de prejudicar a economia do país, tirar emprego dos estadunidenses e até mesmo cometer crimes, o discurso xenofóbico de extrema-direita chama a atenção de especialistas para os riscos de se criar uma ambiência propícia a preconceitos, estigmas e até violência. 

Trump promete executar a maior deportação da história dos Estados Unidos no próximo mandato, que se inicia em 20 de janeiro de 2025. Ainda afirma que busca salvar as cidades que, nas palavras dele, foram invadidas por imigrantes, o que destaca seu discurso xenofóbico. 

Migrante, imigrante, emigrante, refugiado, estrangeiro: qual termo usar?

O vocabulário relacionado ao deslocamento humano – como migrante, imigrante, emigrante, refugiado e estrangeiro – reflete as várias facetas desse fenômeno complexo. Embora pareçam semelhantes, todos esses termos têm diferenças, e são utilizados em contextos específicos.

Imigrante e emigrante

O imigrante é aquele que entra em um país para viver, enquanto o emigrante se refere à pessoa que sai de seu país de origem. No Brasil, o termo “imigrante” remonta à chegada de estrangeiros em massa no final do século XIX, como exemplificado pela Hospedaria de Imigrantes, inaugurada em 1887. Por outro lado, a emigração brasileira ganhou força nas décadas de 1980 e 1990, com muitos cidadãos buscando oportunidades em países como Estados Unidos e Japão.

Migrante

O termo migrante é mais abrangente e engloba deslocamentos tanto internacionais quanto internos. Recentemente, ganhou um enfoque humanitário, enfatizando os direitos das pessoas que se movem, independentemente de cruzarem fronteiras nacionais. 

Refugiado

Refugiados são pessoas que deixam seus países devido a perseguições ou ameaças. No Brasil, o status de refugiado permite acesso a direitos garantidos pela Lei de Migração, sendo a proteção internacional central nesse conceito. 

Estrangeiro

O termo estrangeiro, anteriormente associado a uma visão excludente, hoje é usado de forma menos pejorativa. É um termo jurídico e político usado para designar indivíduos que, por sua origem, não pertencem ao território nacional onde se encontram, independentemente de sua condição migratória (legal ou irregular) ou do motivo de sua permanência.

Estados Unidos: um país de imigrantes

Antes de falar do período atual, é necessário lembrar que os Estados Unidos se formaram enquanto um país construído em boa parte por imigrantes ingleses. O território estadunidense começou a ser ocupado em meados do século XVII, quando um grupo de cristãos puritanos desembarcou do navio Mayflower na costa leste do país. Fugindo de perseguições religiosas e até mesmo em busca de trabalho, os primeiros imigrantes se tornaram os “pais fundadores” da nação norte-americana e são celebrados até os dias atuais no feriado de Ação de Graças. Por vezes, a romantização dessa ocupação coloca no esquecimento o etnocídio dos povos nativos.

No século XIX, os Estados Unidos protagonizaram um movimento migratório em massa.
A marcha para o Oeste e a conquista de novos territórios contribuíram para o deslocamento interno do país. Já a situação vivida na Europa à época, marcada por pobreza, guerras e conflitos, fez com que diversos europeus buscassem melhores condições de vida nos EUA. 

Uma das maiores ondas de imigração que aconteceu no país norte-americano foi marcada pela chegada de italianos, alemães, espanhóis, poloneses, entre outros, entre os anos de 1890 e 1930. Na virada do século XIX para o XX, habitantes de países asiáticos e de países nórdicos da Europa chegaram aos Estados Unidos. Devido à Segunda Guerra Mundial, houve uma importante onda migratória, muitos fugitivos da guerra eram qualificados e contribuíram para o mercado de trabalho e economia americana.  

Tais fluxos migratórios contribuíram para que os EUA fossem chamados de um país de imigrantes. Em 2022, os Estados Unidos chegaram a cerca de 47 milhões de imigrantes, segundo uma pesquisa do grupo Center for Immigration Studies (CIS), validando 14,3% da população do país como estrangeira. 

Fonte: Reprodução: BBC
O gráfico exibe a proporção da população dos EUA nascida no exterior de 1900 a 2023. Destaca-se um aumento significativo desde 1965, após a mudança nas leis de imigração que permitiram maior entrada de pessoas de países não europeus.

Para os brasileiros, o desejo de morar na América do Norte ganhou força nos anos 1980, uma época de ascensão econômica nos Estados Unidos e de inflação no Brasil. A quantidade de brasileiros no país chega a mais de 2 milhões, de acordo com dados divulgados pelo Ministério de Relações Exteriores (MRE), em levantamento de Comunidades Brasileiras no Exterior, um documento com estatísticas enviadas de postos Itamaraty no exterior no ano de 2023. 

Por mais que o país norte-americano concentre a maior comunidade brasileira espalhada pelo mundo, a porcentagem maior de imigrantes nos EUA vem da China, Índia e México. 

Buscando sempre se mudar para “a terra das oportunidades”, migrantes de todo o mundo buscam melhorias na qualidade de vida, segurança e estabilidade financeira. Mas, muitos deles não conseguem entrar da maneira legal, resultando em uma das preocupações de Donald Trump. 

Capa da revista digital Vanity Fair, que tem como foco central o rosto de Donald Trump. Ele é um homem branco, idoso, tem cabelos loiros e usa um terno azul marinho com gravata de mesma cor, porém de tonalidade mais clara. O olhar é fixo para frente com semblante de seriedade. À esquerda da imagem a revista traz a cobertura dessas polêmicas, como nos blocos “casos pendentes”, “Impeachments” e “falências”.
Reprodução: Instagram
Donald Trump foi capa da revista Vanity Fair e eleito pessoa do ano de 2024 pela revista Time, após ganhar as eleições americanas, mesmo perante controvérsias de seu último mandato. 

O esquema político de Donald Trump

Em fevereiro deste ano, houve discussões no Congresso dos Estados Unidos sobre uma possível proposta bipartidária em relação à fronteira dos EUA com o México. Na ocasião, Donald Trump solicitou aos republicanos que votassem contra o texto que evitaria a vitória política do até então presidente Joe Biden.

Durante seus discursos, Trump prometeu reintroduzir políticas migratórias que foram implementadas no seu primeiro mandato, incluindo a maior deportação em massa do país e concluir o muro na divisa com o México. Trump justifica a postura anti-imigração com a alegação de que a entrada de imigrantes ilegais nos EUA tem levado a uma onda de crimes, embora não haja dados que sustentem suas falas.

Provando o contrário, um grupo de economistas analisou 150 anos de dados do Censo dos EUA e chegou à conclusão que imigrantes tinham estavelmente menos chances de serem encarcerados do que pessoas nativas dos Estados Unidos. 

Durante o primeiro mandato, Donald Trump focou na construção do muro na fronteira entre Estados Unidos e México, chegando a afirmar que o país vizinho pagaria pela obra. As regras consideradas mais rígidas, impostas por Trump, para a entrada de trabalhadores estrangeiros resultaram em numerosas recusas na emissão ou renovação de visto, afetando especialmente o visto H-1B destinado a empregos mais qualificados. De acordo com a NBC News, tais medidas prejudicaram empresas no setor rural, que perderam mão de obra estrangeira. 

Outras propostas feitas por Trump:

  • Assinatura de ordem executiva via decreto, proibindo a entrada de cidadãos de sete países, incluindo Síria, Iraque, Irã, Líbia, Sudão e Iêmen, de maioria muçulmana em território estadunidense. “Proibição de Viagem”.
  • Implementação da política “Intolerância Zero” na fronteira com o México.
  • Rescisão do programa DACA (Ação Diferida para Chegadas na Infância), criado em 2012 pelo ex-presidente Obama para conceder permissão temporária de moradia e trabalho a imigrantes que entraram nos EUA de maneira ilegal quando eram crianças.
  • Tentativa de encerramento do programa de Visto H-1B.

A economia majoritariamente imigrante dos EUA

Um fato é claro, os Estados Unidos dependem da mão de obra imigrante para manter a economia. A chegada dos imigrantes na América do Norte em busca de oportunidades impulsionou a infraestrutura e a inovação do país, trazendo impactos positivos para a economia.  

Segundo o relatório Efeitos do Aumento da Imigração no Orçamento Federal e na Economia, divulgado pelo Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO, sigla em inglês para Congressional Budget Office), o aumento da imigração no país pode trazer mudanças no Produto Interno Bruto (PIB), na inflação, nos juros e no orçamento dos EUA. Estima-se que poderá acontecer um aumento das receitas federais, com impostos sobre a renda e contribuições para  a seguridade social paga pelos imigrantes, além do aumento da atividade econômica e das receitas tributárias.

Conforme conteúdos divulgados pelo G1 e pela BBC, o CBO elaborou dois cenários diferentes: no primeiro, a imigração se mantém no mesmo ritmo dos anos antepassados, com a chegada média de 200 mil pessoas por ano. No segundo, pressupõe um aumento significativo no número de imigrantes por ano, com cerca de 1,7 milhões de pessoas chegando anualmente.

O gráfico acima mostra a variação percentual da população nascida no exterior dos EUA, em comparação ao total da população americana no período de 1850 a 2017. Observa-se um pico entre os anos de 1870 a 1910, seguido por uma queda abrupta, chegando a seu menor nível em 1970. Desde então o gráfico segue uma crescente constante até chegar nos valores atuais.
Fonte: BBC
 O gráfico exibe a evolução da porcentagem de imigrantes na população dos EUA entre 1850 e 2017. Torna-se evidente períodos de crescimento no século XIX, queda acentuada no século XX e recuperação significativa nas últimas décadas.

Conforme informações apuradas pelo G1, para analisar os impactos econômicos referentes ao aumento na imigração, o estudo do CBO leva em consideração os efeitos dos dois fluxos de entrada de estrangeiros no período de 2024 a 2034,  destacando as influências nas receitas federais, nos gastos obrigatórios e nos juros da dívida. Uma das conclusões do estudo mostra que o aumento da imigração impacta de forma considerável nos itens mencionados acima, resultando em uma redução dos déficits em US$ 900 bilhões de dólares. As receitas federais poderiam crescer em US$ 1,2 trilhão no período de 10 anos, principalmente devido aos impostos sobre a renda e contribuições para a seguridade social pagos pelos imigrantes. 

Ainda de acordo com os estudos feitos pelo CBO, existe uma influência no salário dos nativos com a chegada de imigrantes, contudo, somente nos primeiros anos. Com o decorrer do tempo, os norte-americanos também iriam se beneficiar do aumento geral da produtividade da economia. Isso porque eles continuariam como preferência para cargos mais qualificados. O estudo estima que a taxa de desemprego geral não seria afetada. 

Por outro lado, o aumento da força de trabalho gerada pela chegada de novos imigrantes e a demanda por investimento residencial resultaria em uma elevação da taxa de retorno sobre o capital, o que impõe força sobre as taxas de juros. Esse aumento nas taxas é apontado como um fator importante para o crescimento dos gastos federais.

A mão de obra imigrante é um fator de dependência dos Estados Unidos. Com a escassez de mão de obra qualificada especialmente nas áreas de saúde, tecnologia e construção civil, os imigrantes assumem essas funções, desempenhando papéis fundamentais em diversos setores da economia. A agricultura, por exemplo, necessita de trabalhadores para manter o abastecimento interno e as exportações. Já na área da saúde, os imigrantes ocupam postos de enfermeiros, assistentes domiciliares e médicos. Na tecnologia a contribuição dos imigrantes serve para acelerar o ritmo de inovação e a competitividade em escala global. 

Com os impactos econômicos possíveis, um dos países mais afetados pelas políticas dos EUA seria o México. Considerado um país estratégico, sofrerá o impacto direto, devido à fronteira com os Estados Unidos, por onde milhares de latino-americanos fazem a travessia de forma legal e ilegal. Quase metade da população irregular presente nos Estados Unidos é mexicana, de acordo com dados do Departamento de Estado. Segundo o jornal O Globo, a deportação em massa e a promessa de tarifas aplicadas a produtos vindos do México, contribuirá para agravar a situação do país latino-americano e pode provocar falta de mão de obra nos EUA. 

O que diz a ACNUR sobre os discursos anti-imigração

Conforme Miguel Pachione, oficial de Comunicação da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) no Brasil, o perigo dos discursos anti-imigração e anti-deslocamento se sustenta no fato de que boa parte faz uso de desinformação. E assim tendem a circular mais facilmente e rapidamente levando dados incorretos ou imprecisos que não correspondem à realidade.

“Esses discursos, ainda mais embasados por questões políticas e em momentos de disputa política, em que se tem uma pré-disposição da população em moldar outra forma de realidade, como o discurso de narrativas, tendem a ter e criar estereótipos. E estereótipos construídos com dosagem alta de desinformação ou percepções e opiniões pessoais, que não representam o todo e acabam causando a banalidade das necessidades dessas pessoas”, explica Pachione.

A distinção entre nós e eles, conforme Pachione, cria uma barreira em relação às pessoas que vivem fora de seus países de origem. Olhar a experiência dos fluxos migratórios como ameaça e não como elemento de diversidade que pode somar é um equívoco. Isso cria a ideia de um fado social, que, conforme o oficial de comunicação da Acnur,

Os migrantes que chegam nos Estados Unidos e em outros países, seja de forma ilegal, seja fugindo de guerras civis, conflitos armados e crises econômicas, frequentemente aceitam empregos aquém de suas qualificações, como uma maneira de sustento das famílias e de buscar condição de sobrevivência. Esse cenário é marcado por profissionais  muitas vezes altamente qualificados, como médicos, que acabam atuando em áreas que não exigem formação universitária, como cargos de garçons ou funcionários de limpeza. De acordo com Pachione, essa realidade reflete a subutilização do potencial produtivo e intelectual desses grupos de imigrantes.

Pachione também afirma que imigrantes e refugiados trazem enorme capacidade de empreendedorismo e contribuem significativamente para a diversificação da economia nos locais onde se estabelecem. Com diferentes experiências, eles agregam novos elementos às economias locais, especialmente em regiões com menor dinamismo econômico. Além disso, ao atuarem desde a base, esses grupos conseguem impulsionar a economia e torná-la mais diversa, ativando novos componentes dentro da comunidade e promovendo mudanças significativas no cenário econômico local.

É muito evidente o quanto a economia se torna mais forte e dinamizada com a participação de pessoas refugiadas atuando e tendo oportunidades, evidentemente, para isso. 

Direitos humanos e políticas anti-imigração

A relação entre os direitos humanos propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a política anti-imigração promovida por Donald Trump escancara um confronto entre princípios universais e abordagens políticas nacionalistas e centradas na opinião do presidente. 

Enquanto a ONU defende a dignidade e a igualdade como pilares da convivência global, as ações de Trump evidenciam um foco na soberania nacional, muitas vezes em detrimento dos direitos de populações vulneráveis.  

Os direitos humanos, estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, asseguram que todos os indivíduos possuem direitos inalienáveis, independentemente de nacionalidade, raça ou condição migratória. No entanto, políticas como a separação de famílias na fronteira, a restrição de entrada de cidadãos de determinados países, conhecida como “banimento muçulmano”, e a construção de um muro na fronteira com o México demonstram a priorização de barreiras nacionais e a exclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade.  

O Artigo 14 da DUDH afirma que “todos têm o direito de buscar asilo em outros países para fugir da perseguição”. Apesar disso, o governo Trump implementou medidas que enfraqueceram esse direito, como a política de “Remain in Mexico”, que obrigava solicitantes de asilo a permanecerem no México enquanto aguardavam o processamento de seus pedidos. Essa prática os expunha a condições precárias e perigosas, em contradição com os padrões internacionais de proteção humanitária.  

Outro princípio, o da não discriminação, garantido pelo Artigo 2º da DUDH, é frequentemente ameaçado pelo discurso anti-imigração. Essa retórica não apenas contradiz os valores de igualdade e dignidade humana, mas também alimenta uma cultura de exclusão, preconceitos e xenofobia.  

A ONU, por sua vez, defende a cooperação internacional para enfrentar desafios como migração e crises de refugiados. Contudo, Trump se afastou de pactos globais importantes, como o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, enfraquecendo iniciativas coletivas para gestão migratória. Esse afastamento demonstra um descompasso entre as políticas norte-americanas e os esforços globais de solidariedade.  

As consequências das políticas anti-imigrantes de Trump foram amplamente documentadas. Detenções em massa, deportações arbitrárias e condições degradantes nos centros de detenção violaram direitos fundamentais, como o direito à dignidade (Artigo 1º da DUDH) e à proteção contra tratamento cruel ou degradante (Artigo 5º). Esses episódios reforçam o contraste entre a proteção universal promovida pela ONU e as práticas nacionalistas e restritivas do governo Trump.

A parcela ilegal dos imigrantes 

Donald Trump ainda afirmou que aqueles que cruzaram a fronteira com o México ilegalmente escaparam de manicômios e prisões em seus países e estão causando crimes violentos nos EUA. Com falas como essas, o presidente eleito desrespeita os direitos humanos e também a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em que o artigo 5º diz: “Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo.”

Reprodução: X
TRADUÇÃO: Enquanto nós  resgatamos nossa economia, eu também irei restaurar nossa fronteira. Nos últimos 4 anos, Kamala orquestrou a traição mais escandalosa que qualquer líder da história americana já infligiu ao nosso povo. Ela violou seu juramento, erradicou nossa fronteira soberana, e libertou um exército de gangues e imigrantes criminosos de prisões e cadeias, manicômios e instituições mentais ao redor do mundo, da Venezuela ao Congo – roubando incontáveis vidas americanas. 

Com exagero, Donald Trump espalhou informações falsas relacionadas à gangue venezuelana Tren de Aragua (TdA), acusando integrantes do grupo de terem assumido o controle da cidade de Aurora, no Colorado. Essa informação foi desmentida pelo prefeito da cidade, Mike Coffman, afirmando que os membros da gangue operaram em casos isolados e que Trump utilizava de “um puro teatro político”.

Houve outro exagero de Trump ao dizer que imigrantes haitianos em Ohio comiam animais de estimação. 

 Durante debate, Trump acusa imigrantes de estarem se alimentando dos animais de estimação da população e diz que isso é uma vergonha para as cidades norte americanas.

Sempre comentando casos específicos de crimes realizados por imigrantes nos Estados Unidos, o presidente eleito faz generalizações e culpa a adversária do último pleito, Kamala Harris, de permitir a entrada de estrangeiros. Ao invés de utilizar dados concretos, Trump usa expressões e termos que instigam a população contra os estrangeiros.

Visão de um nativo

O cidadão americano Jeffrey T. Storms, 58 anos, especialista em Segurança Corporativa e Investigador da BMW e ex-policial norte-americano, acredita que desumano é ser sem compaixão ou realizar crueldade, algo que, para ele, a política de Trump e os Estados Unidos não são. Ele ainda afirma sua esperança para aqueles que atravessaram a fronteira em busca de melhores condições, mas deixa claro sua insatisfação e o que acredita ser desumano.

Segundo Storms, os estadunidenses são contra a criminalidade e a ilegalidade, o que levou à vitória de Trump. Storms ainda comenta que os cidadãos americanos possuem “um apetite muito pequeno por criminalidade”, destacando há parcelas ilegais da população que cometem crimes.

Eu não sou um ‘Trumper’, mas sou um estadunidense, e eu acredito que temos que ser solidários com aqueles que precisam de nossa assistência, independente do seu status de imigração. Eu também acredito que temos o direito de proteger nossos cidadãos e aplicar a lei, especialmente contra os elementos criminosos, incluindo cidadãos dos EUA e imigrantes ilegais.

Destacando essa visão norte-americana para os imigrantes e o temor da criminalidade, a professora Rita Louback, formada em Relações Públicas e doutorada em Relações Internacionais: Política Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, afirma que um estadunidense  preza pela sua economia em ordem, o que também corresponde à rigorosidade da fronteira com o México.

Visto que muitos estrangeiros que entraram pela fronteira tomaram posse de lugares originalmente norte-americanos, adquiriram green card ou cidadania, na avaliação de Rita, os nativos olham primeiro para seu próprio bolso, para aqueles que são como eles e vieram de onde eles vieram, descartando a concorrência que possa comprometer sua situação econômica. Desse modo, na cabeça daqueles que vivem nos Estados Unidos, o controle das fronteiras e a deportação em massa acabaria com a criminalidade vigente e com a entrada de mercadorias e pessoas ilegais. 

Então ele quer alguém que mantenha a economia dele forte e que o proteja dentro de seu território. Então, sim, vai ter esse controle mais rigoroso, essa questão de tráfico de pessoas, né? Especialmente das travessias ilegais daquelas pessoas que passam pelo México. Daquela história que vocês conhecem, dos coiotes que cobram para transportar essas pessoas e que, às vezes, quando não dá certo, abandonam as pessoas, inclusive em pleno deserto, causando a morte das mesmas.

Outras visões sobre a imigração

Ainda seguindo essa visão de extrema direita propagada pelo governo Trump, o internacionalista e doutor em Estudos Estratégicos Internacionais, de 32 anos, Matheus Fröhlich acredita que “o discurso do Trump é uma câmara de eco, de grupos extremados contra a imigração, principalmente, grupos da extrema direita dos Estados Unidos e, que vão, colocar no Trump como megafone das ideias deles, mas esse discurso está intrínseco na sociedades Estados Unidos […] que ela é uma sociedade muito segmentada, racializada.” Ele ainda comenta que por ser uma sociedade com uma retórica imensa contra imigrantes, assim que estes atingem uma posição de maior poder aquisitivo ou de destaque os estadunidenses acabam por se sentirem confrontados. Esse posicionamento norte-americano vai contra a busca por pessoas para trabalhar tanto destacada para a economia, que necessita de mais mão de obra, além de acarretar vínculos sociais.  

Essa é a principal consequência desse discurso anti-migrações. E esse discurso, da criminalização da migração, porque, em comparação com o Brasil, aqui, migrar é direito, e não ter seus papéis em dia não é uma questão criminal, mas é uma questão administrativa. Assim, essa vai ser a consequência primordial, que a migração irregular nos Estados Unidos é criminalizada, tanto na esfera legal quanto na na esfera discursiva, e essa retórica acaba por só estigmatizar a população migrante.

Apesar do posicionamento de Donald Trump contra os imigrantes, pesquisas desenvolvidas pela Universidade de Stanford afirmam que a taxa de criminalidade para imigrantes ilegais nos Estados Unidos é menor que a dos cidadãos nativos. O estudo liderado pelo economista Ran Abramitzky, da Universidade de Stanford, ao analisar os dados desde 1960, descobriu que imigrantes têm 60% menos chances de serem encarcerados por eventuais crimes, ao contrário dos nativos. Outro estudo realizado em 2019 pelo Instituto Cato e focado no Texas chegou à conclusão que imigrantes irregulares tinham 37,1% menos probabilidade de serem condenados por crimes. É desmentida também a correlação entre os imigrantes sem documentados e o aumento da criminalidade. 

Desse modo, comunidades imigrantes sofrem da angústia e do medo de serem repreendidas, da deportação e de enfrentar repercussões legais. Muitos também compartilham o sentimento de “por causa de um, todos sofrem”, apontando mais uma vez o discurso generalista de Donald Trump e de diversos norte-americanos. 

A parcela legal dos imigrantes

Em contraponto às falas carregadas de xenofobia e preconceitos contra os imigrantes ilegais, Donald Trump preza por aqueles que estão legalmente no país, reconhecendo suas contribuições financeiras e intelectuais. 

Atualmente, segundo os autores do livro The other one percent: Indians in America (“O outro um por cento: os indianos nos Estados Unidos”, em tradução livre), Sanjoy Chakravorty, Devesh Kapur e Nirvikar Singh, cerca de 70% dos vistos de trabalho concedidos pelos Estados Unidos são destinados a indianos que são engenheiros de software no Vale do Silício. Esses indianos compõem hoje um pequeno grupo considerado o mais rico e bem educado do país. 

Além disso, brasileiros têm preferido entrar no país de forma legal, principalmente através de programas de intercâmbio. Segundo dados da Associação Brasileira de Agencias de Intercambio (Belta), os Estados Unidos é um dos três países mais procurados pela população do Brasil. Em recente entrevista, Donald Trump disse que os estudantes que se formam nos EUA através de programas de intercâmbio deveriam receber Green Card automaticamente, como se fosse parte do diploma, para poderem permanecer no país e se tornarem trabalhadores. 

Ademais, algumas áreas de trabalho têm dependido majoritariamente da mão de obra estrangeira. Cerca de 40% dos enfermeiros que trabalham no país são pessoas vindas de outros países. Outro setor que não funciona mais sem os imigrantes é a agricultura.

Esta reportagem foi produzida por Ana Júlia Paiva, Davi Reis, Maria Luíza Mendes, Pedro Henrique Galvão e Yago Marques sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. O monitor Wallison Leandro contribuiu com a edição digital.

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