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Eduardo Suplicy. Foto: Flickr

Eduardo Suplicy: o velho menino 

Aos 83 anos, o deputado engaja-se na carreira política e em pautas sociais que o guiaram por toda a vida

Hoje, dia 21 de junho, o registro nascimento passa a constar 83 anos de idade, mas o modo de existir no mundo faz vislumbrar um menino de 10 anos, que sonha e acredita que tudo é possível. Velha criança que, ao falar de seus maiores sonhos, transparece um brilho ofuscante no olhar. A disposição invejável, de quem não desistiu do sonho, é movida por algo que vai além de si. Estamos falando de Eduardo Suplicy. O deputado estadual, eleito pelo PT em São Paulo nas eleições de 2022, teve a sorte de uma vida abastada e confortável, mas nunca se prendeu à própria realidade. Ao enxergar o mundo fora de sua bolha, inconformou-se com o funcionamento da sociedade. Sentia que algo não apenas poderia ser feito, mas que o mundo urgia por uma mudança.

Ainda menino, sensibilizou-se pela fala e pelo personagem de Nicolau Copérnico, grande astrônomo que revela a necessidade da natureza humana de buscar pela verdade. Também inspirado pela invenção de Galileu Galilei, que viu a urgência de uma nova percepção do mundo através de seu telescópio, Eduardo Suplicy, decidiu a partir da influência desses dois personagens que gostaria de colaborar para instituir um Brasil.

Desde menino, desde a juventude sempre me preocupei com as grandes diferenças na sociedade brasileira”

Eduardo Suplicy

A infância de Eduardo

Oitavo de onze filhos, Eduardo cresceu em uma casa grande, com jardim e uma piscina ao fundo. Brincava de jogar futebol, nadava e passeava de bicicleta pelo bairro com os amigos. Em um dia qualquer, enquanto pedalava, ao virar uma curva, caiu e ficou com as pernas presas entre os canos da bicicleta, quebrou o fêmur, sendo essa a sua pior lembrança da infância.   

Vivendo uma vida abastada, a criança, aos 10 anos, lembra de acordar durante algumas noites, com gritos de mulheres na rua, sendo levadas por policiais e tomando “borrachadas”. Elas ficavam detidas e dias depois voltavam ao trabalho de profissionais do sexo. Cenas como essa o faziam questionar se não seria possível uma diferente forma de organizar o mundo ao redor, se não seria viável um mundo mais equilibrado.

Com fala séria e paciente, com a garganta seca, interrompe de vez em quando sua história para beber um gole de água e, enquanto o faz, dá impressão de que busca, nos arquivos da sua memória, datas e encontros importantes, histórias que colecionou e parecem não descolar da sua mente. Ao passo que fala, vai relembrando momentos marcantes de sua trajetória. Nos anos 1960 a 1964, estudou administração na tradicional Faculdade Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Durante os anos de graduação, passou um semestre conhecendo os países do Oeste e Leste europeu, como conta em seu livro Renda Básica de Cidadania: a saída é pela porta, publicado em 1978: “Fui testemunhar as conquistas advindas do socialismo”, conta.

Após ficar um ano trabalhando com seu pai depois se decidiu que queria lecionar na antiga faculdade. O pai ofereceu apoio, mas alertou: “Olha Eduardo, veja bem se é o que você quer, porque ser professor não vai lhe dar o padrão de vida com que está acostumado, mas se é o que lhe deixará feliz, vou procurar te apoiar”. A partir daquele momento, sua vida começaria a tomar um percurso diferente.

Sendo professor na FGV, viu também a possibilidade de fazer especialização no exterior. Foi nos Estados Unidos, na Michigan State University, onde realizou o mestrado. Voltou ao Brasil e ficou por dois anos. Ao retornar, realizou seu PhD em Stanford. Quando finalizou, foi convidado a ministrar aulas de economia brasileira na própria Stanford.

Em 1970, voltou definitivamente ao Brasil e, entre as aulas que ministrava, passou a escrever artigos para o jornal. Ao final de 1975, Claudio Abraão, editor na Folha de S.Paulo, convidou Eduardo para escrever artigos de política econômica que logo passaram a causar burburinho e interesse nos jovens.

Agosto de 1976 foi quando Suplicy conheceu Luiz Inácio Lula da Silva, aquele que viria a se tornar seu companheiro de partido, amigo e presidente do país. Ao final de uma palestra, foi indagado por Lula, mas o então líder sindical foi interrompido pelo diretor da faculdade. Lula era considerado perigoso. Envergonhado pela situação, Lula retirou-se da sala. Ao final da aula, Suplicy foi ao pátio e o encontrou, trocaram algumas palavras, e Lula o convidou a visitar o sindicato – assim o fez.

A persona política emplaca

No pequeno escritório em que concedeu a entrevista por videoconferência, atrás de sua mesa, é possível identificar uma estante. Ali, Eduardo guarda fotografias suas, de seus pais e de seus filhos, mas, dentre o emaranhado de objetos no móvel, os dois livros que escreveu se destacam: Renda Básica de Cidadania: a saída é pela porta e Um Jeito de Fazer Política. É minucioso nas palavras, pega seus livros, lê os trechos que sente serem importantes para o desenvolvimento da conversa.

Com mais de 72 mil votos, o estado de São Paulo, em 1978, elegeu Eduardo pela primeira vez como deputado estadual pelo MDB. Dois anos mais tarde, ele seria um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Sua afinidade com a luta dos metalúrgicos, lixeiros, professores, e a preocupação com a defesa dos direitos humanos o fez tomar mais um passo rumo à luta pelo bem comum.

Eduardo Suplicy. Foto: Flickr

“Quem deseja uma cidade humana, Elege um prefeito humano, Experimente Suplicy! É diferente de tudo que tá aí”.

Esse foi o jingle de candidatura a prefeito de São Paulo, em 1985, quando concorreu com Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros. O ritmo da música de campanha pode ter ficado preso na boca de muita gente, mas não foi o suficiente para elegê-lo como prefeito: terminou em terceiro lugar no pleito vencido pelo ex-presidente Jânio Quadros.

Eduardo lembra em detalhes cada passo de sua carreira, cada ano, cada candidatura, as porcentagens, com quem concorreu, a quem apoiava, quais objetivos buscava alcançar a partir de cada passo dado. Uma trajetória longa, repleta de momentos marcantes, e de uma luta sem igual.

Em 1990, Suplicy foi candidato ao senado pelo Partido dos Trabalhadores, cargo que exerceu durante 24 anos. Naquele período, acompanhou a eleição de Fernando Collor de Mello e a CPI de 1992, que resultaria em seu impeachment.

Estava sempre estudando e dedicando-se mais ao tema da renda básica, queria encontrar formas de criar um brasil mais justo. Em 1991, apresentou seu primeiro trabalho ao senado, que consistia em colocar o imposto de renda negativo para garantir a renda básica – projeto aprovado em 16 de dezembro de 1991.

O dia em que tivermos uma renda básica universal desde o Alasca até a Argentina, nós não estaremos mais precisando de quaisquer muros que venham a separar as nossas fronteiras”

Eduardo Suplicy

A Renda Básica de Cidadania tornou-se sua marca registrada, sua luta e o seu maior sonho. Suplicy não mede esforços para lutar pelo acredita. Buscou e busca a todo vapor, e com qualquer energia que tenha, a garantia de uma renda mínima. Em 2004, teve aprovada a sua lei de número 10.835 que visa instituir a renda básica de cidadania, sancionada pelo então presidente Lula. Suplicy relembra que a comemorou em “uma belíssima cerimônia”.

A vida, os exemplos e o combustível

Eduardo sentiu os reflexos da idade no seu preparo físico, quando, ao fim de 2022, diagnosticado com um leve Parkinson, passou a fazer tratamento que traz alívio nos sintomas. Transparece, de fato, uma boa saúde, e sonha tê-la ainda mais para ver aplicado no Brasil a renda básica universal.

Suplicy aprendeu com os pais que defender a verdade é fundamental. Viver o que diz e acredita de forma fidedigna faz parte de quem é de tudo que veio antes em sua vida. Defende norma e transparência em tempo real para prevenir irregularidades.

Uma coisa muito boa foi sempre o relacionamento tão carinhoso com meus pais. Que procuravam dizer para nós: “procurem sempre estar muito unidos, fraternos, solidários.” E também com seus exemplos eles diziam que isso era importante, que também existisse para além dos muros da nossa casa e isso me fez muito estar batalhando por todas essas coisas”

Eduardo Suplicy

A boa relação que nutriu com os pais ele leva hoje no relacionamento com os filhos, João Suplicy, André Suplicy e Eduardo Suplicy – mais conhecido como Supla. Eduardo conta que aos domingos gosta de levá-los para almoçar. Para ele, ter uma família unida é uma coisa fundamental. Além disso, o carinho, o afeto e o respeito das pessoas por onde vai parecem dar gás para não desistir da sua luta e objetivos, seguindo sempre em frente.

No livro que marca sua história, Renda de cidadania: a saída é pela porta, apresenta um diálogo com o presidente Lula, em que este faz referência ao currículo imensurável de Eduardo, de quem teve tantos acessos, uma educação de privilégio e, ainda assim, luta por tantos que nem sempre podem lutar por si.

O velho menino que sempre viu à sua volta cenas de injustiça e passou a buscar maneiras de tornar o mundo um lugar melhor, apresenta disposição para apreciar a cultura no seu país, para aplaudir os artistas, para dar espaço a vozes não ouvidas, para dar lugar aos “invisíveis”. Mesmo tendo crescido numa linda casa, cercado de privilégios, Eduardo enxergou lá fora, e inconformou-se com o que viu.

Eu quero paz na família, paz entre os povos e paz na relação do povo brasileiro”

Eduardo Suplicy

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Gabriela Reis

Estudante de Relações Internacionais e Jornalismo na PUC Minas. Amo prosa, café, arte, cultura e passar tempo com quem eu amo.

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