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Um drone branco de grande porte com hastes pretas e detalhes em vermelho sobrevoando uma plantação enquanto aplica defensivos agrícolas. É dia com o céu azul e muitas nuvens espalhadas, ao fundo é possível ver galpões brancos e árvores.
Drone sobrevoando plantação e aplicando defensivos agrícolas / Foto: Rafael Soares

Drones e agrotóxicos: Como a democratização da tecnologia pode ser perigosa

O uso de drones para pulverização de agrotóxicos tem crescido significativamente nos últimos anos. Dados compartilhados pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sidag) mostram que essa prática cresce 30% ao ano e pode movimentar US$6 bilhões até 2030. Segundo pesquisa realizada pela Embrapa Soja, o drone passou a ser utilizado como principal ferramenta de pulverização em propriedades com mais de mil hectares.  

Essas tecnologias integram a chamada agricultura de precisão, que inclui mais tecnologia na gestão agrícola, reunindo dados de análise de solo, fertilização, plantio e colheita até a transformação dos produtos para a comercialização. Um dos destaques da área é o uso de drones, que, equipados com câmeras de sensores multiespectrais, sobrevoam lavouras identificando áreas com deficiência nutricional ou outros problemas, como possíveis pragas. 

O monitoramento é feito em tempo real, capturado pelos veículos aéreos em novas perspectivas. “É muito mais rápido, o produto é mais bem aplicado, desperdiça menos e acaba ficando mais barato por causa disso. Depois que eu comecei a usar o drone, não volto a fazer pulverização com bomba”, afirma Jurandir Oliveira, produtor de café de Durandé, região sudeste de Minas Gerais. Ele também diz que a presença dos drones possibilita maior participação de pequenos agricultores no mercado, democratizando o atual espaço agrícola elitizado por grandes produtores.

Quando a eficiência vira ameaça

Por outro lado, especialistas apontam para riscos ambientais e de saúde impulsionados por essa tecnologia. A aplicação de agrotóxicos sempre gerou debates éticos e econômicos, e os drones introduziram um capítulo novo nessa discussão. Fenômenos como a “deriva”, quando os agroquímicos aplicados por drones são levados pelo vento, são alguns dos principais elementos que preocupam ambientalistas e especialistas da área da saúde.

Em setembro deste ano, produtores rurais de regiões dos Vales do Mucuri e do Rio Doce denunciaram à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que estão sendo prejudicados pela contaminação indireta provocada pelos drones. De acordo com eles, a pulverização atinge lavouras orgânicas, comunidades rurais e até áreas de Mata Atlântica, causando danos econômicos, ambientais e riscos à saúde.

Um drone branco com hastes pretas faz um voo de demonstração em frente à uma tenda da Embrapa. A tenda tem um tecido azul com o logo da Embrapa em branco. Dentro dela há cinco homens vestindo coletes verdes para identificação. Eles estão sob campos verdes e, ao fundo, é possível ver áreas de plantio e palmeiras enfileiradas. Mais ao fundo é possível ver uma cidade.
 Exibição de drone em frente à uma tenda da Embrapa / Foto: Rafael Soares

Uma pesquisa da Kynetec Brasil, encomendada pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg), aponta que áreas agrícolas tratadas com agrotóxicos cresceram 9,2% em 2024, e o volume aplicado subiu 8,5%. Além disso, de acordo com outro levantamento do mesmo sindicato, a área tratada cresceu 3,1% em relação ao mesmo período do ano anterior somente no primeiro semestre de 2025. 

Apesar desse fato, parte dos produtores rurais vive a falsa sensação de segurança. Eles acreditam que o uso de drones em aplicação de defensivos agrícolas que não envolve a proximidade imediata entre o aplicador e o produto é mais segura, o que é um equívoco.

Clodoaldo Teixeira, produtor de café da cidade de Durandé MG, explica a sua perspectiva. “Eu estava fazendo a aplicação do produto na minha lavoura com a bomba, a de colocar nas costas, sabe? O produto deve ter vazado e então entrou em contato com a minha pele. O drone não tem disso, de longe você faz a aplicação e não tem que ficar carregando o produto. É mais seguro, o piloto não precisa andar com o produto para aplicar, tem menos contato com os químicos.”

Já Bruno Gischewski Oliveira, dono de uma firma de pulverização por drones, afirma não ter dados sobre contaminação ou risco à saúde. “Graças a Deus a gente nunca ouviu relatos ou teve algum cliente que teve algum problema com isso (intoxicação por agrotóxicos). Nesse período que a gente tá trabalhando com drone, a gente nunca passou por isso.” 

Desafios na fiscalização do uso de drones agrícolas

Presidente da Comissão do Trabalho da ALMG, o deputado estadual Betão (PT), chama a atenção para o que ele considera como ataque direto à saúde pública, ao meio ambiente e à agricultura familiar, o indiscriminado uso de agrotóxicos por meio de drones. Leleco Pimentel (PT) também complementa que “a pulverização aérea por drone hoje é ameaça de morte”.

O deputado federal Padre João (PT-MG) contesta a precisão do uso de drones agrícolas para a aplicação de defensivos e afirma que, por serem facilmente alugados, até por pequenos produtores, acaba por amplificar a utilização de agrotóxicos.

Fiscalização

Sobre a fiscalização do uso dos drones, Gischewski explica que “tem o compromisso de informar pro cliente, no momento que ele compra o drone, sobre a legislação que ele tem que seguir, mas é muito difícil a gente ter controle sobre o que ele está fazendo, e nem é de responsabilidade nossa.”

Já Pedro Augusto Marazzo de Sousa, engenheiro agrônomo e estudante de mestrado em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), denuncia que a fiscalização em relação aos drones é precária. “Você não vê [a fiscalização], eu pelo menos nunca vi. E os agentes administrativos, eu acho que eles não têm treinamento, pelo menos noção de legislação para aplicar esse tipo de fiscalização. E, eu acho, que não existe hoje uma equipe da ANAC ou do Ministério da Agricultura que seja voltada para esse tipo de fiscalização. É uma bagunça, é uma bagunça”.

A Lei nº 14.785 de 27 de dezembro de 2023, que entrou em vigor a partir de 2024, atualizou o processo do registro de pesticidas utilizados. A nova norma também agilizou a liberação de substâncias classificadas como de menor risco e incorporou a lógica de avaliação baseada no risco envolvido, com a Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda sendo a responsável pelo monitoramento e cumprimento dos limites permitidos.

Contaminação além do agricultor

Quando questionada sobre as perspectivas de contaminação por agrotóxicos, Fernanda Savicki de Almeida, doutoranda em Recursos Genéticos e Vegetais e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma: “temos uma perspectiva de que os agricultores que mexem com agrotóxicos são os mais impactados, mas isso não é uma verdade. Os agrotóxicos são pulverizados no ambiente e não ficam localizados, eles se espalham. Dessa forma, uma grande variedade de comunidades é afetada.”

A pesquisadora também comenta sobre o uso de agroquímicos como armas para afastar comunidades de áreas agrícolas. “Mato Grosso do Sul é um exemplo muito concreto disso. As populações, especialmente as indígenas da região, como as Guarani-Kaiowá, principalmente, têm sido atingidas diretamente com os agrotóxicos. Esse tipo de situação se repete em vários lugares do Brasil, não se restringe ao Mato Grosso do Sul.”

Foram registradas mais de 90 pulverizações ilegais de químicos agrícolas sobre comunidades quilombolas, indígenas e tradicionais no Maranhão. Todas por meio de drones.

Alan Tygel, que compõe a coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, relata preocupação de que, com a democratização ao acesso aos drones, possa ocorrer uma “guerra química” em disputas de terras, dos produtores rurais contra populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos e comunidades tradicionais.

A média anual do brasileiro é de sete litros ingeridos de agrotóxicos por pessoa em um ano, segundo levantamento com dados divulgados pela Anvisa. A longo prazo, esse consumo pode levar a alergias, coceiras, e em casos mais graves, ao câncer.

Alternativa não contaminante

O cerne do problema não são os drones em si. Também utilizados por bombeiros, os drones têm capacidade de fazer o monitoramento e a identificação de focos de incêndios florestais. Geralmente iniciadas como alternativa para desmatar grandes áreas, as queimadas frequentemente saem do controle, assim atingindo reservas naturais e áreas residenciais. Os drones bombeiros exercem o monitoramento dos focos de incêndio assim como o combate direto ao fogo, despejando água e retardantes em pontos estratégicos.

O problema está na facilidade que os drones proporcionaram à aplicação de agroquímicos. As recentes aprovações de novos defensivos agrícolas em 2024, somada à crescente presença dos drones em espaços de cultivo  são potencializadores do aumento do número de contaminações por agroquímicos no Brasil. De acordo com o levantamento realizado pelo G1, a contaminação no país aumentou mais de 850% no ano de 2024.

Protagonizando cada vez mais a produção de alimentos livres de agrotóxicos, organizações comunitárias e associações de produtores, em diferentes regiões do Brasil, assumem um papel para além de levar uma alimentação mais saudável ao brasileiro, também promover práticas sustentáveis.

Um drone de grande porte sobrevoando uma plantação. É dia com o céu azul e as nuvens estão espalhadas, todo o chão é coberto por plantações até o horizonte e é possível ver algumas palmeiras enfileiradas ao fundo.
 Drone sobrevoando plantação / Foto: Rafael Soares

Diante dessa situação, a agricultura familiar se apresenta como alternativa ao uso excessivo de agrotóxicos e à produção latifundiária. Esse tipo de cultivo é praticado por pequenos produtores e é marcado pela diversificação de culturas e promoção de práticas sustentáveis de plantio. A defesa é de que isso garanta  menor degradação e contaminação do solo, bem como maior qualidade dos produtos e, consequentemente, menos riscos à saúde, tanto do consumidor, quanto do produtor. 

Segundo dados do IBGE, 76,8% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros são destinados a esse tipo de prática. No entanto, eles representam apenas 23% de todo o território dedicado à agropecuária no Brasil. Ainda assim, a agricultura familiar é responsável pela maior parte dos empregos gerados em áreas rurais.

O combate aos agrotóxicos

Em ação favorável ao controle do uso de agrotóxicos, foi instituído por meio do Decreto Federal nº 12.538, de 30 de julho de 2025, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). O programa visa uma redução progressiva do uso de agrotóxicos na produção agrícola nacional, com foco naqueles que possuem maior risco de dano ao meio ambiente e à saúde das pessoas. Uma conquista histórica depois de mais de dez anos de luta por parte de organizações ambientais, de saúde e da sociedade civil para uma produção mais justa e respeitosa no campo.

O programa conta com ações intersetoriais dentro do governo, com ações como: monitoramento de resíduos em alimentos, incentivos fiscais para produção de base ecológica, ações de formação e comunicação, fomento à pesquisa e produção de bioinsumos

Essas ações visam fomentar o setor de produção de alimentos orgânicos e sistemas de produção agroecológicos, além de incentivar pesquisa e tecnologia nacional numa área em que o Brasil é referência em produção internacional.

Denúncia

Como e onde denunciar o uso de drones usados como armas químicas? Qualquer pessoa pode fazer a denúncia, e o primeiro passo é identificar as áreas afetadas, se houve mortes de plantas, animais ou intoxicação humana, se houve contaminação do solo, poços e rios. Depois, coletar dados sobre quando, onde e quem foram as pessoas intoxicadas, idade, os sintomas e se foi contato direto ou indireto com os drones. Se for possível, reúna fotos, vídeos, exames médicos, depoimentos, reportagens e posts em redes sociais que ajudem a comprovar a denúncia e encaminhe para os órgãos responsáveis.

Conteúdo produzido por Amanda Pimenta, Charles Morais, Diogo Barbosa, Gabriel Ramos, Lucas Leal, Renan Reis e Síntia Varges na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. 

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