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No Dia Nacional do Livro, conheça a Biblioteca Pública Estadual

Tombada em 1977, a Biblioteca é patrimônio cultural estadual e municipal / Foto: Marcelo Palhares Santiago / ARQBH

Com a proposta de um espaço cultural multifuncional, em junho de 1954, o então governador JK assinava a lei de criação da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais. Sete décadas depois, com um acervo de quase 600 mil exemplares, o desafio de preservar o patrimônio e democratizar o acesso à cultura continua vivo nas estantes da Biblioteca, que se mantém como um dos principais pontos turísticos da capital mineira.

Para além da ocupação de um prédio histórico, emoldurada pelas palmeiras da Liberdade, a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais abriga um acervo com mais de 570 mil exemplares. Com a ideia de que para cada tipo de leitor há um tipo livro, o prédio Professor Francisco Iglésias, mais conhecido como Prédio Anexo, localizado ao lado do edifício principal, acumula cerca de 50 mil livros disponíveis ao público para pesquisa. 

Considerada ainda um ponto turístico de Belo Horizonte, as duas dependências estaduais somam cerca de 300 mil visitantes ao ano, segundo a Secretaria de Estado, Cultura e Turismo. 

Nesta reportagem, em homenagem ao Dia Nacional do Livro, celebrado em 29 de outubro, o Colab aproveita a data para entender a importância da biblioteca e descobrir o potencial do espaço, tombado como patrimônio estadual e municipal.

O que antes no número 21 da Praça da Liberdade, era chamado de Prédio Luiz de Bessa, passou a ser conhecido por meios oficiais a partir de 4 de maio de 2017 como: Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, para reafirmar a identidade mineira. Integrante do Circuito Liberdade, é nele que encontramos o Teatro José Aparecido de Oliveira, o setor infanto-juvenil e a galeria Paulo Campos Guimarães. Já o anexo, na Rua da Bahia, recebe o nome de Professor Francisco Iglésias e abriga os setores de estudos e empréstimos, entre outros.

Histórico

A história começa quando o então governador Juscelino Kubitschek traçou planos para a modernização da capital mineira em um projeto iniciado com a construção do Conjunto da Pampulha, pensado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, também responsável pelo projeto do prédio principal da biblioteca. Outro motivo para a criação foi a substituição da biblioteca municipal da época, que não era tão acessada pela população e seguia perdendo prestígio e apoio da Prefeitura, até ser extinta em 1960. Em 1954 o governador assinava a lei de criação. Em 21 de dezembro de 1960, todo o seu conteúdo é transferido para a Praça da Liberdade, e em 61 é inaugurada como centro cultural e referência.

Marcado por uma estética própria de Niemeyer, o prédio principal traduz bem o que o arquiteto quis expressar ao dizer que “se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito”. A pedido de JK, Niemeyer imita os livros e reescreve em linhas horizontais o novo prédio que um dia já foi serpentário. A estrutura que sustenta as vidraças da frente podem, inclusive, aludir a uma estante de livros.


Uma vista lateral da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, com sua fachada curva e horizontal de cor branca, que se estende sob um céu parcialmente nublado e azul. A parte superior do edifício exibe longas faixas de janelas azuis refletivas, enquanto o andar térreo possui pilares finos. A base da construção é cercada por um muro rústico feito de pedras claras e irregulares. Em primeiro plano, uma rua asfaltada escura e, à direita, uma calçada arborizada onde se vê um ponto de ônibus com uma pessoa sentada na área de espera, e duas pessoas caminhando mais ao fundo. Postes de iluminação e copas de árvores grandes e verdes emolduram a cena nos cantos esquerdo e direito.
Tombada em 1977, a Biblioteca é patrimônio cultural estadual e municipal / Foto: Marcelo Palhares Santiago / ARQBH

Guardiã das mineiridades

Entre as edições especiais há também livros que ficavam no Palácio das Mangabeiras, mas foram realocados neste novo espaço em 2019. As obras ocupantes do Palácio da Liberdade, que só os governadores tinham acesso, nos anos 2000 também foram transferidas. 

Tem uma coleção que se chama Rita Adelaide, porque era o nome da mãe do colecionador, o Tancredo Martins, um jurista e intelectual de Minas Gerais. Ele gostava de colecionar livros

Meire Ramos, bibliotecária

A coordenadora de Coleções Especiais relata que os pesquisadores são os mais interessados no setor. “O público aqui geralmente é (voltado a) uma pesquisa mais elaborada, quando (a pessoa) vem consultar essa coleção é porque quer alguma coisa diferente, então, é mais específico.” 

Para além dos pesquisadores, a biblioteca realiza eventualmente visitas guiadas a demais interessados em áreas restritas apenas aos funcionários, como aconteceu no dia dos namorados, na 11ª Noite Mineira dos Museus e Bibliotecas

A servidora apresenta uma alternativa adicional para facilitar o acesso a essas exclusividades por meio do Pergamum: nele é possível consultar todos os livros, pelo mesmo sistema usado por algumas universidades, e assim, ao buscar pelo autor, pelo título ou pelo assunto, o usuário encontra uma diversidade de obras da coleção. 

Obras que antes pertenciam à antiga coleção privada de Alcino Bicalho, por meio de um investimento do Estado, também agregam as Coleções Especiais. Outra obra, que Meire acredita ser o maior livro da coleção, é uma edição do grande fotógrafo Sebastião Salgado, doação feita pela empresa Vale. Além dessas relíquias, obras de Mário Casassanta, Cigano Santo, Eduardo Frieiro também abarcam o acervo. Uma edição em destaque na coleção Mineiriana, ou Autores Mineiros, é um exemplar de Corpo de Baile, de Guimarães Rosa.

O exemplar de Guimarães Rosa, Corpo de Baile, possui uma dedicatória assinada pelo autor em 1956 / Foto: Alice Ottoni

Saiba como contribuir com o acervo

A biblioteca também aceita doações de livros, todavia, devem atender aos critérios da instituição. Em casos de doação, quando a iniciativa  parte de empresas é mais difícil de ser viabilizada, mas toda a sociedade pode contribuir, segundo a coordenação. “Tem que ter os critérios, primeiro tem que estar em perfeito estado de conservação, não é qualquer coisa também que compõe o acervo, para atender vocês bem.”

Suplemento Literário

No prédio principal também é realizada a produção do Jornal Suplemento Literário de Minas Gerais (SLMG). Criado em 1966, e com viés democrático, traz matérias de autores consagrados, mas também revela novos autores.

Flávia Alves, doutora em Letras pela UFJF e servidora pública na biblioteca, compartilha  que tem como função receber e revisar os textos das pessoas, de professores, parceiros, colaboradores, entre outros, mas eventualmente também submete alguns de seus textos.

Segundo Flávia, o foco do jornal, que tem periodicidade bimestral, é enaltecer a literatura mineira, escritores mineiros ou textos sobre Minas Gerais.

É sempre pensando no que tem de bom aqui na própria literatura mineira, que muitas vezes é tida como menor ou com menos destaque dentro do eixo Rio e São Paulo, né? Mas a gente sabe que tem muita coisa interessante e muita coisa de qualidade dentro de Minas Gerais. O suplemento veio com esse movimento desde os anos 60.

Flávia Alves, servidora pública na biblioteca

O jornal reúne textos em diferentes gêneros, desde poemas a entrevistas que mostram o trabalho de diversos autores. Adão Ventura (1939-2004) é um dos nomes presentes no suplemento, junto de Conceição Evaristo e Ricardo Aleixo, que tiveram as obras analisadas por especialistas.

Da história para a população

Uma coleção com mais de 1.800 títulos de jornais e revistas da história de Belo Horizonte, de Minas e um pouco do restante do Brasil. O setor da Hemeroteca Histórica da Biblioteca Pública carrega grandes preciosidades históricas e toma cuidado para a melhor conservação. Diferentemente dos outros departamentos, a hemeroteca não realiza empréstimos, mas segue ativamente no auxílio de pesquisadores,  historiadores e  curiosos que desejam consultar no local os periódicos antigos. 

Pedro Henrique Fernandes, 24 anos, é estagiário de biblioteconomia e compartilha um pouco do trabalho feito no setor. Ele conta que, no momento de nossa entrevista, duas pesquisadoras estavam fazendo um trabalho sobre os 45 anos da visita do Papa em  Belo Horizonte, em 10 de junho de 1980. Nesses casos, é função do funcionário separar um periódico digitalizado, que possa contribuir com o interesse das pesquisadoras. 

Dedicado à preservação e ao acesso de jornais, revistas e outros periódicos que ajudam a contar a história do estado e do país a partir da imprensa escrita, o acervo reúne títulos que datam do século XIX até os dias atuais.

Outros materiais também estão disponíveis em microfilme e, em alguns casos, em formato digital. Já os periódicos mais recentes podem ser acessados em sua forma física, respeitando as condições de conservação e disponibilidade.

O exemplar mais antigo que se encontra no setor é o jornal O Universal, de 1825, produzido em Ouro Preto. // 
Disponível em: hemerotecahistoricamg.blogspot/o-universal

Uma das funções centrais da hemeroteca é a guarda e a organização das publicações do Depósito Legal, que incentiva editoras mineiras a enviarem à Biblioteca exemplares de tudo o que for publicado no estado. Isso garante que a produção impressa de Minas Gerais seja preservada de forma sistemática. Como resultado, a hemeroteca se transformou em um repositório histórico da imprensa local.

A equipe do setor é responsável por classificar, registrar e conservar o material recebido, além de oferecer suporte ao público na busca por edições específicas. O atendimento, segundo os profissionais do setor, é constante, com demanda de pessoas interessadas em pesquisas genealógicas, eventos históricos, reportagens específicas ou simplesmente por curiosidade sobre determinado período.

Pedro também compartilhou uma história curiosa, onde recebeu no local uma senhora da cidade de Corumbá. A mulher buscava uma edição de jornal de 1958, que noticiava o assassinato da mãe, que morreu envenenada pela vizinha, porém, não se lembrava a data exata da edição. Pedro fala que por a biblioteca não possuir um sistema de busca, tiveram que realizar uma pesquisa de janeiro até dezembro investigando a notícia, mas que felizmente conseguiram encontrar.

Além disso, o espaço também realiza processos de digitalização e indexação dos documentos, o que facilita a recuperação das informações e protege os originais do desgaste físico. A digitalização, contudo, é feita de forma gradual, considerando os limites de equipe e infraestrutura.

Por sua natureza, a hemeroteca é uma área que funciona nos bastidores da biblioteca, mas que cumpre papel estratégico na preservação da memória coletiva e no acesso à informação. Ao guardar décadas, e até séculos, de imprensa escrita, o setor mantém viva uma das fontes mais importantes de registro da história cotidiana e da opinião pública mineira.

Biju – Biblioteca infanto-juvenil

As capas convidativas da seção infantojuvenil da biblioteca.

É no primeiro andar que encontramos o carro-chefe da Biblioteca. Seis pessoas trabalham neste departamento, sendo quatro servidores públicos e duas estagiárias do curso de Letras da UFMG. O setor Infantojuvenil da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais desenvolve programação diversificada que inclui contação de histórias, rodas de leitura, lançamento de livros, encontro de autores infantis, excursões escolares, oficinas artísticas e atividades no espaço da brinquedoteca.  

Apesar de a proposta ser voltada às crianças, os serviços não se restringem a elas. A equipe também presta atendimento a todas as pessoas de todas as idades. Como os serviços de empréstimo e de mediação da leitura, os servidores tentam adequar o que podem ofertar à demanda do público. 

Criado com o objetivo de incentivar a leitura desde cedo, o setor oferece um acervo variado que promove o contato com a literatura de forma livre e acessível. A coleção inclui obras ilustradas, literatura infanto-juvenil, gibis e quadrinhos. Os livros são selecionados para respeitar o desenvolvimento de cada idade. 

Desafio frente à Internet

A concorrência com o ambiente digital é um desafio, na avaliação da coordenadora do Biju, Vanessa Mendes. Ela conta como o interesse pela literatura diminuiu entre o público infantil desde que o acesso à internet se tornou um hábito diário. “Há muita facilidade de encontrar uma informação ali, até mesmo de ler um livro de forma digital, mas eu acho que, na parte da pesquisa, a gente notou ainda mais essa queda. É difícil vir um estudante aqui acessar uma enciclopédia física. Há escolas, inclusive, que motivam muito isso. Assim, ‘vamos fugir um pouco da tela, gente? Vamos para a biblioteca?’” 

Metade dos brasileiros não lê livros

Segundo a pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, mais da metade dos brasileiros não lê livros. Diante desse dado, Vanessa considera ser importante buscar estratégias para atrair as pessoas para a biblioteca, “para que elas sintam que esse espaço é delas, essa noção de pertencimento mesmo, a gente desenvolve isso a cada dia. E contribuir, de fato, para formação de leitores, que é o nosso objetivo principal”.

A coordenadora conta que o Biju é um destino frequente de excursões escolares, e para marcar um horário é só entrar em contato por telefone ou e-mail. “Para a gente é uma alegria receber todos que nos procuram”, afirma Vanessa.

Outra iniciativa atrativa para o público infantil é a oferta de oficinas artísticas,  eventos bastante comuns na rotina do setor. Segundo a responsável pela oficina artística de modelagem em massinha, que aconteceu na tarde do último dia 6 de junho, Luísa Xavier, filha do artista Marcelo Xavier, a vida precisa ser experimentada através da arte.

Eu fui muito estimulada, meus pais me levavam para os festivais de inverno, para o teatro, em casa era arte o tempo inteiro, meu pai trabalhava com arte, minha mãe, professora de canto, de música, e jornalista. Então eu sei a importância dessas sementinhas que a gente planta nas crianças

Luísa Xavier, formada em Comunicação e Artes Visuais

Luísa expõe como a influência e o incentivo dos pais foi fundamental para que criasse seu próprio caminho. A oficina de modelagem em massinha integrava a sétima edição da Feira de Histórias em Quadrinhos, evento promovido pela Escola Técnica de Artes Visuais – Casa dos Quadrinhos (CDQ-CON), sendo o terceiro ano consecutivo realizado nos ambientes da Biblioteca.

Fabricio Martins, um dos autores expostos na feira, que ocorreu em junho, também quadrinista e gestor cultural, explica que o evento tem apoio financeiro do Fundo Municipal Cultural de Belo Horizonte. Além disso, convida quadrinistas de Minas e região, “para participarem da feira, expor seus produtos, vender seus livros, fazer lançamentos, sessões de autógrafos e muitas outras atividades relacionadas ao universo dos quadrinhos”.

O quadrinista acrescenta que um dos critérios para os artistas participarem é a doação de pelo menos um livro para a Biblioteca. No ano de 2025, somaram-se 80 autores no evento, “vai ter aí mais um uma nova leva de 80 doações para renovar o catálogo da biblioteca, para fomentar cada vez mais as pessoas a lerem principalmente quadrinhos”.

Acessibilidade e inclusão

O setor de braille da biblioteca é exemplo concreto de inclusão cultural e acessibilidade. Criado com o propósito de oferecer às pessoas com deficiência visual o mesmo direito ao conhecimento, à literatura e à pesquisa que os demais leitores, o setor é essencial para a democratização da leitura.

O setor possui cerca de 2.100 títulos, se consagrando como uma das principais bibliotecas com acessibilidade para pessoas com deficiência visual do país. / Foto: Alice Ottoni 

Coordenado por Glicélio Ramos, desde 2015, até então, o primeiro e único coordenador com deficiência visual no braille, Glicélio comenta que ter uma pessoa com deficiência na equipe ou coordenando, contribui muito para o setor. Ele conta que como coordenador, tenta implementar em sua equipe um novo tratamento em relação aos usuários, para que eles não sejam tratados de forma diferente “Não tem essa necessidade de você tratar uma pessoa com deficiência como coitado ou ter pena dela ou dó, eu acho que você tem só que respeitar aquela pessoa, respeitar as limitações que ela possa ter e tratá-la de forma tranquila”.

A biblioteca oferece uma diversidade de materiais em braille, audiolivros e livros digitais acessíveis, que permitem a navegação por capítulos, páginas e parágrafos. Além disso, os equipamentos de tecnologia assistiva disponíveis no local, como computadores com leitores de tela, lupas eletrônicas e impressoras braille, facilitam o acesso ao conteúdo e garantem autonomia ao usuário.

Mais do que um acervo, o setor é um ambiente de acolhimento e transformação. Muitos dos frequentadores encontram ali não apenas livros, mas também a oportunidade de inserção social e de formação. Há, por exemplo, projetos de formação de leitura, oficinas e atividades culturais, como o Tempo Para Ler, atividade desenvolvida por duas voluntárias do setor, que tem como objetivo o incentivo à leitura. O projeto ocorre quinzenalmente, de forma presencial e também online pelo Google Meet. São selecionados temas ou autores que possuem no acervo e com isso, os participantes têm a oportunidade de ouvir e discutir textos literários. 

A equipe se destaca pelo trabalho de adaptação de obras, transcrevendo materiais em braille de acordo com a demanda dos usuários. É um serviço personalizado, que responde diretamente às necessidades do público, seja para fins educacionais, profissionais ou pessoais, e conta com o apoio de pessoas voluntárias que se disponibilizam para auxiliar em algumas funções dentro do setor.

Francisco Iglesias: o prédio anexo dos concurseiros

Em 27 de janeiro de 2023, o anexo foi reaberto após interdição de quatro anos, recomendada pelo Ministério Público de Minas Gerais,  para obras de revitalização.// BeL Arquitetura

Com demanda majoritária de vestibulandos, concurseiros e pesquisadores autônomos, o setor “referência e estudos” se tornou um espaço para inclusão social, garantindo acesso à internet e ambiente de estudo e trabalho. “A ideia é que a pessoa, além do complemento da pesquisa, que talvez ele não consiga descobrir na sua pesquisa com nossos livros, ela acesse a internet para complementar a sua pesquisa”, conclui Gedeon de Souza, servidor público que atua no prédio anexo.

Entre os serviços oferecidos no prédio anexo está o setor de Depósito Legal, onde são arquivadas obras publicadas em Minas Gerais, conforme determina a legislação. Também funcionam no anexo os setores de catalogação, tombamento, tratamento técnico, digitalização, encadernação e a área de guarda do acervo que não está em circulação direta no prédio principal. 

Esses espaços, embora pouco acessados pelo público geral, são estratégicos para a manutenção da biblioteca como referência estadual em informação e cultura, “lembrando que a característica principal da Biblioteca Pública é ser uma biblioteca patrimonial, ou seja, ela preserva a memória histórica de Minas Gerais”, acrescenta o bibliotecário. 

Além disso, o prédio abriga áreas administrativas e espaços destinados a servidores da instituição. O funcionamento em separado permite que o prédio principal da biblioteca concentre-se no atendimento ao público, enquanto o anexo garante que os bastidores da conservação e do processamento da informação funcionem com eficiência.

Um lugar para todos 

E quem aproveita a grande variedade de livros que a biblioteca oferece é o advogado Luiz Filipe Barbosa, 28, que costuma frequentar o local uma vez por semana. Apaixonado por literatura, Luiz Fillipe vive entre livros de ficção, literatura clássica, gênero policial e filosofia. O advogado conta que seu primeiro contato com a biblioteca foi há cerca de 10 anos. Dois anos depois decidiu fidelizar a sua relação com a instituição, vindo à se tornar um sócio-leitor no ano de 2017. Em 2018, Luiz Filipe é introduzido na realidade de vestibulando e com isso vê seus laços com o prédio dos concurseiros se estreitarem. Logo em seguida, em 2019, o então advogado ingressa no curso de Direito da Puc Minas.

Segundo o advogado, uma pessoa pobre precisa ser incentivada a consumir cultura e raramente esse apoio parte da rede familiar, e foi isso que a Biblioteca fez por ele, “a biblioteca foi e é muito importante, contribui muito para o meu desenvolvimento pessoal, cognitivo também, sem dúvidas, a existência desse espaço democratiza demais a leitura, que, infelizmente, aí a existência ajuda muito”. Para ele a existência de um espaço público que promove acessa a arte, cultura e informação faz toda a diferença na cidade, um livro tem, geralmente, um preço alto demais para o cidadão assalariado precisar comprar para exercer o hábito de ler.

Ele destaca nomes importantes da literatura que já leu graças ao acervo da Biblioteca: eu posso lembrar de alguns livros tanto nacionais quanto internacionais, que da literatura clássica teve Machado de Assis, teve Joaquim Manuel de Macedo e até algumas temáticas mais jornalísticas. Além disso ele menciona como é importante esse pilar para toda uma sociedade.

Usando os serviços da instituição como ferramenta no seu processo de formação em Direito, Luiz Filipe afirma que o prédio da Rua da Bahia era quase casa durante a graduação.

Com as idas frequentes à biblioteca, Luiz Filipe questiona sobre a possibilidade de reservas. De acordo com ele, saber se a obra desejada está disponível para empréstimo faria toda a diferença, desta forma, o sócio não se deslocaria à toa até o local de empréstimo.

Leia Mulheres

Mariana Queiroz Castro de 39 anos, abraça os espaços da biblioteca e faz dali um lugar para o seu Clube do Livro, Leia Mulheres BH

O clube se inspirou no projeto #readwomen2014, da escritora inglesa Joanna Walsh / Foto: André Castro 

Mari Castro, como prefere ser chamada, é uma das mediadoras do clube e adotou os ambientes da Biblioteca após um convite da própria instituição. Agora, os encontros que antes aconteciam apenas no Centro de Referência Jovem (CRJ) também são distribuídos nos dois prédios da Biblioteca. Agendados previamente pelo Whatsapp, Mari combina os horários e as datas dos encontros com a funcionária apelidada de Dilu, e assim elas planejam toda a organização do evento.

Segundo a mediadora, já faz algum tempo que o clube têm essa dinâmica e sempre são tratados com muito carinho e cuidado pelos funcionários, intercalados por mês sim e mês não, ela expressa sua satisfação pelo conforto do lugar: “é um espaço super agradável, super acolhedor. É muito bom estar perto dos livros, perto dos espaços de leitura e ocupar esses espaços que são nossos, que são públicos”.

O Clube do Livro Leia Mulheres chegou em BH em setembro de 2015, a Mari explica que ela e a Ana Paula, também mediadora do clube, foram percebendo esse movimento crescendo no Brasil e decidiram trazer ele para Belo Horizonte também: então vem dessa ideia mesmo de que as pessoas leiam mais livros escritos por mulheres.

Enquanto o clube propõe a ideia de um ambiente horizontal, onde as pessoas leiam mais livros escritos por mulheres, e se dedicam a desconstruir preconceitos em relação à escrita de autoras femininas, a Biblioteca visa democratizar a cultura patrimonial. Nessa parceria, o clube se tornou porta de entrada aos recursos dessa instituição ao estimular o vínculo entre os participantes do Leia Mulheres e a Biblioteca.

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais

Art. 215 da Constituição de 1988

Manter um patrimônio de grande relevância vai muito além da paixão pelos livros e pela cultura, a instituição enfrenta desafios contínuos para manter-se viva, moderna e acessível à população.

Um patrimônio como a Biblioteca Pública, exige uma grande estrutura de gestão e conservação. Por ser um edifício histórico e arquitetônico, o local demanda manutenção, melhorias em acessibilidade e sistemas de climatização, além do cuidado com o grande acervo. De acordo com a mestre em arquitetura e especialista em políticas culturais, Tatiana Gomes, esse processo exige um grande orçamento e um planejamento a longo prazo. A arquiteta também conta que as bibliotecas de hoje em dia podem oferecer apenas prateleiras com livros, mas também é necessário ter locais de convivência, mediação cultural e inclusão.

O financiamento da Biblioteca é feito através de diferentes mecanismos de apoio à cultura. No âmbito federal, há a Lei Paulo Gustavo; em Minas Gerais, o Fundo Estadual de Cultura (FEC-MG); e em Belo Horizonte, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura e o Fundo Municipal de Cultura (FMC), permitindo o financiamento de projetos e de outras ações. Mesmo com esses recursos disponíveis, a demanda para o uso desses fundos costuma ser maior que a oferta, e o processo de aprovação demanda tempo, articulação e aprovação. A transparência no uso desses recursos públicos, segundo a Tatiana Gomes, é uma exigência legal e um compromisso institucional. A arquiteta fala que o ideal seria que essas informações fossem apresentadas de forma mais acessível e detalhada à população, os valores investidos em acervo, infraestrutura e atividades culturais para fortalecer a confiança do público e as prestações de contas democráticas.

Outro desafio enfrentado pela BPEMG é à segurança ao entorno urbano. A presença de pessoas em situação de rua ao redor da biblioteca e dentro dela, é uma realidade visível, e que, muitas vezes, acaba causando a sensação de insegurança para o público que frequenta. No entanto, segundo a arquiteta, a solução desse problema não está na exclusão, mas na integração. Ela explicou que a Biblioteca, o Governo Estadual e Municipal, a segurança pública e os serviços sociais precisam atuar juntos em um plano de ativação urbana da Praça da Liberdade, para transformar o entorno em um espaço de convivência, leitura e bem-estar público. 

Em plena função da constituição de 88 e com uma história que perpassa décadas, a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais preserva a memória mineira e o incentiva à leitura. Seja pelas mãos que folheiam os jornais da hemeroteca, pelas crianças que se apaixonam por histórias no setor infanto-juvenil, pelos leitores que exploram as coleções especiais ou pela inclusão promovida pelo setor Braille. Mais do que um prédio cheio de livros, a Biblioteca é um ponto de encontro da cultura, que se reinventa para continuar relevante em um mundo cada vez mais digital, mas que ainda precisa, e muito, do papel, do toque e do olhar curioso daqueles que se importam com o passado e o futuro.

Conteúdo produzido por Alice Ottoni, Cibelle Irias e João Augusto, sob supervisão da jornalista e professora Fernanda Sanglard.

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