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Desinformação fomenta movimento antivacina

O compartilhamento de conteúdos na internet pode ter vários efeitos na sociedade, uma vez que é capaz tanto de informar e alertar a população sobre diversos assuntos quanto de trazer desinformação por meio de notícias falsas. Essa prática contribuiu para gerar resistência em algumas pessoas diante da possibilidade de serem vacinadas contra a COVID-19, apesar da tão aguardada vacina. Esse é um problema real que preocupa médicos e pesquisadores de todo o país: o movimento antivacina.

A jornalista Dayane Machado, membro e colaboradora do Laboratório de Tecnologias e Transformações Sociais (LABTTS) da Unicamp, que estuda a desinformação sobre a vacina e a COVID-19, explica que as redes sociais possuem um importante papel nesse processo de desinformação em meio à pandemia. São elas que fomentam e unem pessoas do mesmo grupo que compartilham dos mesmos interesses dentro das chamadas ‘bolhas sociais’.

Entretanto, Luciana Andrade, professora da PUC-Minas e pesquisadora do Centro de Convergência de Novas Mídias (CCNM), elucida a ideia de que as bolhas sociais, por si só, não são capazes de influenciar as demais pessoas que nela estão. Para ela, a crença é outro fator dominante nesse processo.  

“A notícia ser mais ou menos factível depende da nossa crença. Se eu já vou com minhas opiniões formadas, com minhas crenças e minha visão de mundo para ler determinado conteúdo, eu já vou com meu direcionamento. Então, eu acabo buscando aquelas informações que vão reforçar aquilo que eu penso”, explicou Luciana apontando um termo utilizado por alguns autores: a câmara de eco – que reverbera o mesmo assunto.

Ainda segundo a pesquisadora, no caso da imunização contra o coronavírus, existe uma politização das vacinas, e os governos utilizam esse modelo para questionar algumas crenças, comportamentos e padrões sociais da população.

“O que estamos vendo hoje, com as vacinas contra a COVID-19, são as pessoas voltando a esses debates e a essas teorias da conspiração. A partir disso, começa a pipocar uma série de hipóteses que são geradas por causa da nossa crença. Então, se eu acredito piamente que a vacina traz um malefício para o nosso corpo e acaba atrapalhando o nosso sistema imunológico, eu vou estar sempre mais suscetível a seguir essa linha de pensamento e buscar conteúdos que validem essa minha percepção”, concluiu.

Combate à desinformação nas redes sociais

Plataformas como Instagram, WhatsApp e Twitter são usadas diariamente por milhares de pessoas no mundo, seja para publicar fotos e informações, compartilhar mensagens ou somente observar o que é constantemente “postado” e divulgado nas redes sociais. Não à toa, é nesses meios em que a desinformação é mais difundida e reverberada, em diversos cenários e “patamares”.

E, em momentos históricos como o atual, em que toda uma sociedade encontra-se ameaçada pela desinformação e seus desdobramentos – negacionismo da pandemia de COVID-19 e imunização -, essas plataformas deixam de ser apenas um hospedeiro de conteúdos e/ou passatempo e passa a se tornar uma potente “arma”. Justamente por isso, atualmente, elas são usadas, também, como epicentro de informação verídica para combater as “fake news” e posicionamentos contrários à verdadeira informação.

Esse movimento de combate à desinformação teve início ainda nas eleições brasileiras, na qual o compartilhamento de mensagens pela plataforma WhatsApp, principal meio de difusão de notícias falsas, bem como de bolhas sociais negacionistas, foi limitado para conter o avanço da desinformação. Desde então, a chamada lista de transmissão, na qual o usuário poderia repassar mensagens para muitas pessoas ao mesmo tempo, foi extinta, ao mesmo passo que o compartilhamento de mensagens foi limitado a apenas cinco contatos.

Nesse mesmo cenário, outras redes sociais como Instagram e Twitter, se movimentaram, haja vista diversos outros questionamentos. O Twitter desenvolveu uma ferramenta de fiscalização de hashtags que entram no chamado “Trending Topics” – local produzido para deixar os assuntos que estão em alta no momento. Esse artifício foi criado para observar as hashtags e analisar se há uma atividade comunicacional não humana, ou seja, quando robôs tentam alavancar um assunto, geralmente uma fake news, para os trendings topics, o Twitter apaga o conteúdo. Essa foi uma maneira de deixar a rede social com mais transparência.

No caso do Instagram, o comprometimento com informações verdadeiras é perceptível no que tange a pandemia de COVID-19, seja sobre assuntos relacionados a doença causada pelo novo coronavírus, a vacinação, o isolamento social ou ainda sobre tratamentos milagrosos ou não comprovados cientificamente, por exemplo. Atualmente, a cada postagem relacionada ao tema, um link direcionado para o Ministério da Saúde é adicionado.

Além disso, páginas oficiais de órgãos relacionados à saúde ou mesmo de companhias privadas têm se movimentado para propagar informações verídicas sobre a pandemia, havendo a criação de campanhas elucidativas e de apoio à vacinação, por exemplo.

Porém, segundo a professora Luciana Andrade, apesar de todas essas ações realizadas por meio das plataformas de redes sociais, que incentivam a transparência na divulgação de notícias e recomendação de fontes confiáveis, isso ainda não é o suficiente na resolução do problema.

“Eu acho que ajuda a dar visibilidade, a educar as pessoas e em alguma medida ajuda a combater, mas não é tão eficaz na sua resolução pois, o problema é muito mais profundo, estrutural. Teríamos de refazer a educação nas escolas, as pessoas pensando desde novinhas sobre o que é uma informação e o que ela pode provocar na nossa tomada de decisão, o quanto que isso pode mudar na nossa mudança de direção em alguma pauta social e política”, disse.

Movimento antivacina: uma herança histórica

Essa desconfiança contra a vacinação não é repentina. O exemplo mais contundente ocorreu em 1904, quando entrou em vigor no Rio de Janeiro, a Lei da Vacina Obrigatória, aprovada pelo presidente Rodrigues Alves e encabeçada por Oswaldo Cruz. Ela decretava, em toda a República, a obrigatoriedade da vacinação e revacinação contra a varíola, uma doença muito comum à época.

A princípio, ela foi criada com o intuito de controlar a proliferação de doenças, principalmente nas regiões periféricas. A campanha permitia que oficiais sanitários tivessem acesso às casas, obrigando as pessoas a tomarem o imunizante. O decreto gerou insatisfação popular, eclodindo, em novembro, a chamada Revolta da Vacina – marco para o movimento antivacinação no Brasil.

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Confira a galeria de fotos com notícias publicadas na época da Revolta da Vacina e atualmente relacionadas à imunização da COVID-19 e outras doença

As camadas populares da sociedade rejeitavam a vacina, devido às desinformações sobre a sua eficácia. Elas espalharam boatos que o seu verdadeiro intuito era fazer uma “limpeza sanitária” às pessoas mais pobres. Elas também cogitaram que, ao tomar a dose, ficariam com feições bovinas.

Porém, esse discurso transcende o período de eclosão da revolta. Em 2021, 107 anos após o principal movimento contrário à vacinação existente no Brasil, o chefe de Estado do Brasil segue negando a eficácia da vacina contra a COVID-19 e usando como justificativa afirmações que remetem à modificações genéticas. Um exemplo disso é que Bolsonaro declarou que não tomaria o imunizante produzido pela Pfizer, já que a empresa “não se responsabiliza por qualquer efeito colateral”. Além disso, ele declarou: “se você virar um jacaré, é problema seu!”

Em janeiro deste ano, o Instituto Datafolha publicou um levantamento que apontava que 17% dos brasileiros não pretendiam tomar nenhuma das vacinas contra o novo coronavírus. Antes mesmo disso, a queda na taxa de vacinação a alguns anos fez com que doenças antes erradicadas voltassem, como o caso do Sarampo.

Reportagem desenvolvida por Jéssica Mayara, Lisle Guimarães, Luiz Henrique Campos e Matheus Ribeiro, do 8° período de Jornalismo do campus Coração Eucarístico, para a disciplina Produção em Jornalismo Digital.

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