Na volta às aulas presenciais, enquanto os colégios particulares instalam novas tecnologias e seus alunos podem optar por assistir aulas de casa ou da escola, na rede municipal, estudantes dependem da escola para se alimentar e não têm acesso aos mesmos recursos tecnológicos. Ambos enfrentam desafios para que o retorno ocorra com qualidade e segurança, mas enquanto as dificuldades forem tão discrepantes, crianças com acesso à educação particular estarão em vantagem em seu desenvolvimento escolar pós-pandemia.
Duas semanas após o retorno das aulas em todos os níveis do Ensino Básico em Belo Horizonte, a avaliação é de que a volta das atividades é positiva. No entanto, o retorno também acentua desigualdades entre alunos das redes particular e pública da capital.
Se em 18 de março de 2020 estudantes de todas as escolas – públicas ou privadas – entravam em regime remoto de ensino em função da pandemia de covid-19, atualmente, desenha-se um quadro em que as escolas particulares parecem estar mais preparadas para a volta à normalidade do ritmo escolar, enquanto as públicas têm que suprir as dificuldades derivadas do processo no ensino remoto.
Qualidade do ensino no presencial
Voltar a frequentar o espaço escolar com segurança é de extrema importância para a educação. Seja pela qualidade do ensino, que é superior quando se tem contato direto com professores e colegas, seja pela possibilidade de socialização, ou até por questões mais básicas, como realizar refeições diárias, como conta a professora da Escola Municipal Theomar de Castro Espíndola, Valéria Nunes:
“Muitas crianças passam fome, eu vejo que eles acordam, colocam o uniforme e vão [para a escola]”
Valéria Nunes
Na escola municipal em que Valéria trabalha, os alunos recebem duas refeições diárias, o café da manhã e o almoço. Antes da pandemia, a escola era responsável quase integralmente pela alimentação de muitos alunos, já que fazia parte do Programa Escola Integrada, que está suspenso em função da covid-19.
Além da interrupção do programa, o que impede que alunos passem os dois turnos em ambiente escolar, nos primeiros dias de retorno ao presencial a Escola Municipal Theomar de Castro Espíndola só podia receber oito alunos por turma, uma vez que o protocolo de segurança inicial feito pela Prefeitura de Belo Horizonte só permitia que as aulas fossem ministradas para esse número de alunos no ensino fundamental, mesmo que houvesse o espaço para receber mais alunos de forma segura. Contudo, no dia 19 de agosto, a PBH autorizou que as escolas recebessem o dobro de alunos. Para isso, foi preciso diminuir pela metade o distanciamento entre estudantes.
A professora Valéria Nunes conta, ainda, que, em razão do número limitado de alunos que o protocolo permitia receber, foi preciso selecionar os estudantes que voltariam a frequentar as aulas presenciais. Para isso, priorizaram o retorno daqueles que tinham mais dificuldades em manter o estudo on-line, seja por falta de internet, por razões socioeconômicas, por falta de apoio familiar para que os estudos se mantenham em casa ou por dificuldades escolares.
Ainda assim, Valéria conta que muitos dos seus alunos têm enfrentado dificuldades de aprendizado na volta às aulas, uma vez que não conseguiram aprender todo o conteúdo previsto para o ano que cursavam em 2020, mas, ainda assim, passaram de ano. “Eles foram ‘promovidos’, mas sem condições de ser, isso vai gerar um vácuo. Essa diferença a gente não vai conseguir suprir”, lamenta.
Diferenças fundamentais na volta às aulas
Já no Colégio Santo Agostinho, no Ensino Médio as turmas foram divididas em três grupos, de, em média, 17 alunos cada. A cada semana, duas turmas, ou seja, seis grupos de 17 alunos de cada série vão para a escola, que também segue um esquema de bolhas, em que alunos de grupos diferentes não têm contato entre si, o que evita o contágio da covid-19. Além de seguir o protocolo de segurança estabelecido pela Prefeitura, o colégio conta com consultoria realizada por uma equipe especializada do hospital Mater Dei, localizado no bairro de Lourdes.
A supervisora Taís Tomaz conta que, para garantir o ensino de qualidade, foi preciso alterar o cronograma de aulas dos estudantes e também dos professores: não há transmissão ao vivo das aulas que ocorrem presencialmente para quem está em casa. O objetivo é que o professor não precise se dividir entre o espaço presencial e o espaço virtual de aprendizagem. Além disso, foi priorizado que os alunos tivessem aulas práticas e laboratoriais quando estivessem na escola: “ [o foco é] trabalhar o mesmo conteúdo do remoto, mas a metodologia é diferente, é mão na massa”.
Ensino presencial traz desafios que começaram no remoto
Os impactos trazidos pela interrupção das aulas presenciais foram diversos, mas atingiram de formas diferentes os alunos da rede pública e da rede privada, uma vez que a desigualdade social impõe desafios diferentes para as diversas realidades vividas pelos estudantes. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, descontando o auxílio governamental, enquanto os 40% mais pobres do país perderam cerca de 30% de sua renda, os 10% mais ricos perderam apenas 3%, o que afeta diretamente o ensino oferecido às crianças durante os meses de pandemia.
Para frequentar as aulas presenciais e virtuais, é preciso que se invista em protocolos de segurança para evitar o contágio da covid-19, mas também é necessário que os alunos vivam em condições adequadas para o aprendizado: é preciso que seja assegurada a segurança alimentar, o acesso a internet e o ambiente adequado para se dedicarem aos estudos.
Se no Colégio Santo Agostinho, da rede privada, toda a estrutura foi adaptada para o ensino remoto em uma semana, a realidade das escolas municipais foi mais lenta e demandou maior participação de pais e responsáveis na mediação do envio de tarefas. Taís Tomaz, supervisora do Santo Agostino, conta: “Nós nos articulamos bem rápido, em uma semana. O nosso público é um público que cobra muito isso”.
Já a professora Valéria Nunes, que trabalha com o segundo ano do Ensino Fundamental na Escola Municipal Theomar de Castro Espíndola, conta que as atividades escolares funcionaram por meio de um grupo de responsáveis e professores no aplicativo Telegram, em que as professoras enviavam semanalmente as atividades a serem feitas pelos alunos.
Retorno Progressivo
“Agora eu tenho a plena convicção de que a escola não pode parar”
Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte
Em 3 de maio de 2021, foi iniciado o processo de retorno das atividades escolares em Belo Horizonte, começando pela educação infantil, seguida pelo ensino fundamental, que foi autorizado a retornar a partir do dia 5 de julho. Já o Ensino Médio teve o aval para que o retorno ocorresse no dia 8 de agosto. Por fim, na quinta-feira (19), a PBH autorizou o retorno das instituições de Ensino Superior a partir do sábado (21), quando foi liberado o protocolo de segurança para a volta das atividades.
A partir do dia 19 de agosto, os critérios do índice de matriciamento de risco (MR), que determina quando e quais atividades podem funcionar, publicado diariamente no Boletim Epidemiológico e assistencial da prefeitura, foram alterados para que a educação seja prioridade: “Agora eu tenho a plena convicção de que escola não pode fechar”, afirmou o prefeito Alexandre Kalil em entrevista à Rede Globo.
A matéria nos mostra a nítida fotografia de um velha realidade: a desigualdade social.
Em relação à educação, a base para transformar, a situação é mais sombria ainda.
Mas há que se construir esperança!
Excelente reportagem!
Muitos desafios ainda pela frente!