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Diretas Já: Da censura à desinformação

Entenda o papel da comunicação na mobilização política por eleições livres

Em 1984 o Brasil viveu um dos momentos mais emblemáticos de sua história recente com o movimento das Diretas Já, quando a força da comunicação foi vital para mobilizar milhões de brasileiros na luta pela redemocratização. Nesta segunda reportagem da série sobre os 40 anos da campanha Diretas Já, o Colab traça paralelos entre aquela luta e os esforços atuais para combater a desinformação e defender a democracia, garantindo uma comunicação política, transparente e eficaz. Para isso, um mergulho histórico nos anos 1980 se faz necessário.

Era 31 de março de 1983, uma quinta-feira, quando Reginaldo Silva e Severino Farias, então vereadores pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), juntamente com um grupo de professores e operários, participaram do que ficou conhecido como um dos primeiros comícios pelas Diretas Já, na praça da cidade Abreu e Lima, no interior de Pernambuco. O intuito desse ato era pressionar para que a emenda Dante de Oliveira fosse aprovada. A imprensa se preparava para algo novo e inevitável: a cobertura de uma multidão que entoava o slogan das Diretas Já.

Quatro meses depois, em 15 de julho de 1983, na Praça Honestino Guimarães, em frente à Universidade de Goiânia, em Goiás, outro comício ocorria com a mesma intenção. Segundo o ex-deputado federal Aldo Arantes (PMDB-GO) este teria sido o primeiro ato, demonstrando as disputas simbólicas pelo protagonismo na luta democrática. Tais manifestações públicas ocorreram dois anos antes do fim da ditadura.

A combustão que levou aos comícios

Segundo o doutor em Ciências Sociais Alexandre Eustáquio, professor de antropologia e comunicação da PUC Minas, a grande mobilização das Diretas Já foi impulsionada por um conjunto de fatores. Dentre eles, a insatisfação econômica, o endurecimento da censura e da violência, além da lenta abertura para o regime civil.

Eustáquio ressalta que um dos principais fatores que causou essa “virada de chave” na população, foi a situação da economia: “Uma coisa importante: quando a economia vai bem, uma grande parte da população apoia o regime independente de qual seja. Então o regime militar teve um grande apoio popular no auge do crescimento econômico. (…) Mas a gestão econômica do governo militar foi muito ruim. Então a economia afunda. E isso contribui para a população ficar insatisfeita, porque ela começa a viver dificuldades concretas. Do ponto de vista de sobrevivência mesmo.”

O clamor pelas eleições Diretas Já

Era 25 de abril de 1984, e estava tudo pronto para mais uma sessão na Câmara dos Deputados. Na pauta para votação, a proposta da emenda constitucional das Diretas Já, que levou o nome do autor, o deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT). O ecoar das buzinas podiam ser ouvidos de longe. Vigílias de pequenos grupos ocupavam as galerias do Congresso Nacional e a ansiedade tomava conta do país.

O doutor em História e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) João Teófilo, reforça que o contexto político e social da época mostrava que a ditadura militar estava em seus últimos momentos: “Várias cidades do país foram palco de manifestações que reuniram, por exemplo, políticos, classe artística e milhares de brasileiros, em um clima de luta pela democracia que há tempos não se via. A pressão das ruas não foi suficiente para a aprovação da emenda Dante de Oliveira, que acabou sendo derrotada no Congresso, mas toda a mobilização em torno do tema evidenciava que a ditadura militar estava em seus estertores.”

Um grito por liberdade

Charge produzida por Henfil, com imagem de Teotônio Vilela, sorridente, vestido com terno e gravata, levantando sua bengala para o alto, em preto e branco. Ao lado esquerdo, em letras grandes e vermelhas o slogan Diretas Já.
Charge de Henfil faz alusão ao senador Teotônio Vilela e às Diretas / Memorial da Democracia – O Pasquim

Conhecido como o “pai” do slogan Diretas Já, o cartunista, escritor e jornalista Henfil, é figura-chave no entendimento da campanha. Ele atuava no Pasquim, jornal satírico da época, reconhecido pelo papel na crítica humorística ao regime autoritário. Era preciso uma frase de efeito para finalizar com êxito a entrevista com o senador Teotônio Vilela, publicada em 1983. Henfil criou, então, um diálogo que não aconteceu: “ – E aí, Teotônio, diretas quando? – Diretas já!”

A publicação da entrevista inspirou e deu início ao clamor de artistas, músicos, atletas e jornalistas por um movimento mais articulado em defesa das eleições diretas. Estes desempenharam um papel de unidade, e, até certo ponto, impulso na mobilização da sociedade. As contribuições ainda ecoam na memória política do país.

A publicação da entrevista inspirou e deu início ao clamor de artistas, músicos, atletas e jornalistas por um movimento mais articulado em defesa das eleições diretas. Estes desempenharam um papel de unidade, e, até certo ponto, impulso na mobilização da sociedade. As contribuições ainda ecoam na memória política do país.

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Entre as vozes mais poderosas desse período, destacam-se os músicos que capturaram o espírito da época e se tornaram hinos de resistência. Dentre as canções, Coração de Estudante, de Milton Nascimento, é um exemplo marcante. A canção, com sua melodia emotiva e letras que evocam esperança e renovação, tornou-se um símbolo de luta pela democracia. “Há que se cuidar da vida / Há que se cuidar do mundo / Tomar conta da amizade / Alegria e muito sonho espalhados no caminho”, ressoava nos comícios e manifestações, unindo a juventude e a população em grito por liberdade.

Outra música que marcou profundamente esse período foi Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Lançada originalmente em 1968, durante a ditadura militar, a canção foi proibida pelo regime, mas nunca deixou de ser cantada nas rodas de amigos e em manifestações. Os dizeres “caminhando e cantando e seguindo a canção / somos todos iguais braços dados ou não” viraram um hino de resistência e solidariedade, ecoando o desejo de liberdade e justiça.

Já a banda Legião Urbana, com Que País é Este, lançou uma crítica ácida à situação política e social do Brasil. A letra, que questiona “Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação”, refletia a indignação e a incredulidade da juventude em relação ao sistema político, dando ainda mais voz a todos que buscavam o livre-arbítrio.

A professora Isabele Mitozo, do Departamento de Ciências Políticas da UFMG, destaca a relevância das estratégias de comunicação utilizadas pelos movimentos de esquerda na época: “Nos anos 80, os panfletos usados pelos partidos de esquerda, como o Partido Comunista do Brasil, e os carros de som eram ferramentas eficazes para disseminar informações e mobilizar a população. Os formadores de opinião, como artistas e músicos que haviam sido exilados e censurados, retornaram com uma força renovada, trazendo visibilidade para o movimento através de suas obras e influências sociais.(…) Temos Betinho, irmão de um cartunista famoso (Henfil). Ele é uma das lideranças desse movimento, um formador de opinião, que conseguiu trazer as pessoas para a rua.”

A presença de figuras públicas de renome trazia visibilidade e legitimidade ao movimento

Isabele Mitozo – cientista política

Mitozo também comenta sobre a evolução da comunicação política: “Hoje, a influência das figuras públicas é potencialmente maior devido ao alcance das mídias digitais. Nos anos 80, a comunicação era mais analógica e menos abrangente, mas os artistas ainda conseguiam atrair a mídia e amplificar as vozes do movimento. A dinâmica mudou, mas a essência da influência permanece a mesma.”

Já a cientista política Helena Motta, que militou pelas Diretas, relembra a censura e o boicote da grande imprensa ao movimento.”A Globo, na época, ignorou a campanha das Diretas, noticiando uma grande manifestação em São Paulo como se fosse apenas uma celebração do aniversário da cidade. No entanto, o movimento cresceu tanto que se tornou impossível de ignorar, forçando a imprensa a cobrir os eventos de forma mais precisa.”

Mobilização popular se une aos formadores de opinião

Helena ressalta ainda a resistência enfrentada e a importância da mobilização popular. O simples ato de dar as mãos para cantar o Hino Nacional, mostrou que naquele momento não importava quem fazia mais ou menos sucesso. Ou ainda se entre eles havia opiniões divergentes. Ali, a luta era de todos.

A campanha Diretas Já foi marcada principalmente pela participação popular, que teve grande importância nos desdobramentos do movimento. Helena relembra as manifestações em que participou durante o movimento. Segundo ela, os momentos eram calorosos e recheados de músicas de artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento e Fafá de Belém. “Em Belo Horizonte, houve muitas manifestações, e em outras capitais também. Havia muita gente na rua e muitas faixas com frases de ordem. ‘Quero votar para presidente!’, ‘Quem escolhe o presidente é a gente!’ Muitas outras frases assim. Era uma coisa feita com muita garra e emoção”, conta a cientista política.

“Eu me lembro dos artistas cantando, dos palanques cheios de autoridades e todo mundo falando e a população muito eufórica e animada. Em um momento muito forte que ficou na história da minha geração”, explica Helena.

“As Diretas Já foram importantes para mostrar que é sempre bom ter a opinião pública ao seu lado. Colocar pessoas na rua é muito importante para se ter dimensão da pressão popular que pode ser feita para que alguma coisa aconteça. E isso geralmente dá certo. É o caso do Impeachment de 2015, que era apenas conversa de bastidores, até que alguém convocou a população para a rua com cobertura midiática. Sem isso, as pessoas não teriam sido convencidas. Na época da ditadura, a forma de comunicação de massa era diferente, tínhamos uma mídia off-line, era tudo baseado na rádio e TV. E a visibilidade acontecia por esses meios”, completa Isabele Mitozo.

A influência de formadores de opinião, com sua capacidade de tocar corações e mentes, foi fundamental para que o clamor por democracia ressoasse por todo o país. Apesar de não ter sido aprovada imediatamente, a emenda Dante impactou, definitivamente, o povo e o sistema político brasileiro.

Indignação e esperança

Na madrugada do dia 26 de abril houveram diferentes manifestações de indignação e decepção. Houve choros, silêncios e semblantes fechados. ‘’A gente tinha uma piedade, uma angústia muito grande de que em 85 a gente pudesse votar para presidente. Mas isso não aconteceu.’’, lamenta Motta.

Nilmário Miranda, ex-deputado estadual e federal de Minas Gerais pelo Partido dos Trabalhadores (PT), também lutou pelas Diretas Já, que por sua definição foi o maior movimento de massa que o Brasil já teve.

Nilmário revela que apesar de sua insatisfação na época, depois de um movimento que reuniu tantas camadas da sociedade, em prol do direito do voto de todos os cidadãos, não passar no Congresso, houve mínimos passos em direção à democracia: “Foi tudo muito rápido, assim que o Tranquedo Neves morreu, o José Sarney já assumiu direto, sem eleições. E apesar de que não houve votação pública, foi ele que convocou a Assembleia Constituinte. Então, em 1986, houve uma eleição de constituintes, que já foi um grande momento para a sociedade brasileira, comparado ao que era. Constituintes federais também participaram, já marcando a constituinte estadual, para 1989, e as leis orgânicas municipais. Claro, teve seus limites, mas por mais que houvesse também derrotas e frustração em alguns pontos – livrou-nos do regime militar, isso já foi fundamental”.

Os movimentos e grupos sociais que começaram a surgir na década de 1970, desabrocharam na luta pelas Diretas. Nilmário destaca a importância desses grupos não só para a luta das Diretas mas também para a Constituição: “Movimentos negros, movimentos de mulheres, milhares de movimentos em prol da criança e do adolescente, movimentos LGBT (na época GLS), além de movimentos estudantis, impulssionavam e empurravam a adicionalidade à frente, seja nas câmaras, assembleias, mas principalmente o Congresso Nacional, com essa nova participação que tiveram, é que se teve avanços sobretudo, em 1989, quando ocorreu a eleição direta para presidente da república”.Os partidos oposicionistas ganharam ainda mais força nesse período, ao longo do qual o regime autoritário foi finalmente encerrado. E, mesmo sem eleições Diretas em 1985, os militares e apoiadores viram seu candidato Paulo Maluf ser derrotado no Colégio Eleitoral por uma aliança firmada entre o PMDB e PFL, que lançou a chapa formada por Tancredo Neves e José Sarney.

O papel da imprensa

O papel da imprensa na campanha das Diretas Já foi complexo. Inicialmente, a grande imprensa brasileira apoiou o golpe de 1964. No entanto, ao longo dos anos, especialmente a partir dos anos 70, alguns veículos começaram a romper com o regime, apesar da censura. A Folha de São Paulo foi um dos primeiros grandes jornais a apoiar explicitamente o movimento das Diretas Já. Outros veículos, como O Globo, demoraram mais para aderir e, em alguns casos, houve controvérsias sobre a cobertura dos comícios. O primeiro comício em São Paulo aconteceu em 25 de Janeiro de 1984 na praça da Sé, data onde se comemora o aniversário da cidade.

Entre os veículos de comunicação, a Folha de São Paulo se destacou pela sua cobertura estratégica e influente. O pesquisador André Bonsanto nos apontou que o jornal não apenas cobriu os eventos, mas também adotou uma postura editorial que favorecia a redemocratização do país. “A Folha teve uma visão super estratégica de mercado,” explicou Bonsanto, “sentiu os ares da abertura política e apostou numa jogada de inserção de um novo público que estava ansiando pelo processo de redemocratização.”

Esse movimento, embora político, também foi impulsionado por uma estratégia mercadológica. A Folha de São Paulo, que havia apoiado o golpe de 1964 e colaborado com o regime militar por cerca de uma década, viu na campanha das Diretas Já uma oportunidade para ressignificar sua imagem. “Foi todo um processo de ressignificação que a Folha acabou comprando para sair da ditadura como esse jornal democrático, apartidário,” disse Bonsanto, destacando a dualidade do papel do jornal.

Os desafios enfrentados pelos jornalistas durante esse período foram inúmeros. A censura oficial já havia sido reduzida no início dos anos 1980, mas as pressões políticas continuavam. Bonsanto mencionou que a Folha não só apoiou ideologicamente a ditadura através de editoriais, mas também materialmente, utilizando seus veículos para fins militares. “A Folha servia ali… até para poder açoitar e colocar ali os militares dentro,” revelou ele.

Também confirmou que o jornal frequentemente colocava manchetes na primeira página destacando a importância das eleições diretas, um movimento que Bonsanto considera como um protagonismo necessário. “Ela realmente assumiu esse protagonismo naquele contexto,” afirmou ele, sublinhando a relevância do poder de uma primeira página em um grande jornal.

Os desafios enfrentados pelos jornalistas durante esse período foram inúmeros. A censura oficial já havia sido reduzida no início dos anos 1980, mas as pressões políticas continuavam. Bonsanto mencionou que a Folha não só apoiou ideologicamente a ditadura através de editoriais, mas também materialmente, utilizando seus veículos para fins militares. “A Folha servia ali… até para poder açoitar e colocar ali os militares dentro,” revelou ele.

Também confirmou que o jornal frequentemente colocava manchetes na primeira página destacando a importância das eleições diretas, um movimento que Bonsanto considera como um protagonismo necessário. “Ela realmente assumiu esse protagonismo naquele contexto,” afirmou ele, sublinhando a relevância do poder de uma primeira página em um grande jornal.

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Já João Teófilo, afirmou que alguns jornalistas tentaram dispersar a população com desinformação. Mas, os esforços foram em vão: “jornalistas contrários à campanha tentaram associá-la ao comunismo, fazendo uso de discursos simplistas que tinham como intenção distorcer a realidade e, claro, criminalizar o movimento. A campanha chegou a ser acusada de ser um pretexto para a volta dos “comunistas” ao poder, aqueles mesmos que haviam sido derrotados pela “Revolução” de 1964. Houve políticos ligados à ditadura que fizeram uso de retórica semelhante. Ora, nada mais descabido! Esses discursos não tiveram força suficiente para esvaziar os comícios, claro.”

Alexandre Eustáquio, reforça como essa realidade com a imprensa era controvérsia: “Você tinha veículos de informação alternativos, você tinha a imprensa no exterior dando notícia, dossiês que vão rolando de boca em boca, reuniões clandestinas que vão dando notícias sobre desaparecidos, mas do ponto de vista interno, a grande imprensa que conseguiria pautar, alinhar, organizar a opinião pública, ela estava completamente controlada. Uma parte está alinhada, mas uma parte está de fato censurada.”

Segundo Eustáquio, a mobilização inicial foi realizada principalmente por movimentos populares, e a imprensa chegou depois, ajudando a manter a visibilidade do movimento. A abolição da censura em 1984 permitiu uma cobertura mais ampla e ativa pela imprensa.

Caminhando para a liberdade

O papel desempenhado pelos grupos de mídia brasileiros em momentos históricos como o da ditadura e das Diretas Já chama a atenção de especialistas para o quanto falta no Brasil uma perspectiva de monitoramento e regulação de mídia mais eficaz.

Conforme as pesquisadoras Bruna Oliveira e Maiara Orlandini, que participam do projeto LiBertha, núcleo do Grupo Bertha de Pesquisa da PUC Minas, a questão da liberdade de expressão no país é atravessada por perspectivas distintas de grupos sociais sobre o papel do Estado na regulação. Por um lado, há setores que defendem um papel positivo do Estado na garantia de acesso a distintas vozes no debate público, bem como na fiscalização de excessos que possam extrapolar a liberdade de expressão, como os usos das plataformas de mídias sociais para incitar o ódio. Por outro lado, há os grupos que defendem a liberdade o mais ampla possível, sem qualquer intervenção estatal, mesmo que isso possa incorrer na permissão de que haja discursos preconceituosos, de segregação e de ódio no ambiente midiático.

Num contexto onde a regulamentação das mídias digitais e tradicionais é amplamente debatida, Juliano Domingues, professor e pesquisador de Comunicação na Universidade Católica de Pernambuco, traz uma análise detalhada e crítica sobre o cenário atual no Brasil. Com o novo governo federal colocando a regulamentação das mídias como uma de suas prioridades, as discussões sobre o tema ganharam nova relevância.

Domingues observa que, assim como na época das Diretas Já, a resistência de grupos empresariais que prosperam sob as regras atuais representa um dos maiores desafios para a mudança. No entanto, ele também vê a possibilidade de um movimento popular significativo em prol de uma mídia mais democrática, tal como ocorreu na luta pelas eleições diretas.

Domingues destaca também, que o atual contexto político é propício para a implementação de medidas regulatórias. “Assumiu o governo federal um grupo que tem como uma das bandeiras a regulação ou regulamentação de mídias, isso tratando especificamente das mídias digitais e do funcionamento das redes sociais digitais,” comenta ele. “Este cenário favorável abre espaço para um debate mais profundo e potencialmente transformador sobre como a mídia deve ser regulamentada no Brasil.”

No entanto, a implementação de uma regulamentação mais rigorosa não será fácil. “Os principais desafios estão associados, principalmente, à resistência das empresas, principalmente dos grupos empresariais, que se beneficiam do atual estado de coisas,” observa Domingues. Esses grupos, que prosperam sob as regras atuais, tendem a resistir a mudanças que poderiam afetar seus interesses.

Além disso, há um embate contínuo entre aqueles que se sentem prejudicados pelo cenário regulatório vigente e os que buscam manter as regras atuais. “Os grupos que se sentem lesados pelo cenário regulatório em vigor, eles buscam, então, reivindicar mudanças nesse quadro,” explica Domingues, ilustrando o complexo jogo de forças em torno da regulamentação.

Regulação vs. desinformação

“Os benefícios costumam estar associados à redução daquilo que a gente chama, em ambiente regulatório, de externalidades”, afirma Domingues. “Essas externalidades, ou efeitos colaterais negativos, podem causar danos significativos tanto a indivíduos quanto à coletividade.” No caso das mídias digitais, os danos têm se tornado cada vez mais evidentes, o que aumenta a demanda por regulação.

Domingues também menciona que, embora o debate atual se concentre nas mídias digitais, a regulação das mídias tradicionais, como a radiodifusão, permanece uma questão pendente. “O debate sobre as mídias tradicionais, mais especificamente aquelas relacionadas à radiodifusão, acabou ficando em segundo plano, mas continua como algo ainda não resolvido na história da regulação no Brasil”, aponta ele.

Um dos aspectos mais delicados da regulamentação da mídia é seu impacto na liberdade de expressão e no pluralismo de opiniões. Domingues destaca que “a regulação de mídia, em geral, tende a impactar aspectos relacionados à liberdade de expressão, liberdade de imprensa e pluralismo em geral, tanto de maneira positiva quanto negativa.” O impacto depende, em grande parte, do desenho institucional da regulação. “Ela pode ser uma regulação tanto que incentiva, tanto para incentivar o exercício e garantir o exercício dessa liberdade, quanto para cercear, isso vai depender do chamado desenho institucional da regulação”, explica.

Outro grande desafio é combater a desinformação sem infringir os princípios da liberdade de imprensa. A desinformação sempre existiu, como vimos anteriormente, como uma estratégia de poder, mas seu impacto se intensificou com a lógica de funcionamento da indústria de mídia. “Quando a desinformação passa a fazer parte da lógica do modelo de negócios da indústria de mídia, há uma externalidade negativa capaz de causar danos tanto individuais quanto coletivos,” adverte Domingues.

Para enfrentar essa questão, o pesquisador sugere: “Cabe ao Estado estabelecer regras que procurem reduzir os danos causados por essa atividade econômica.” Ele acredita que é possível criar mecanismos para coibir ou desincentivar a desinformação como estratégia política sem comprometer a liberdade de imprensa.

Recordando ou revivendo?

A celebração dos 40 anos das Diretas Já não é apenas uma recordação nostálgica de um passado vitorioso na luta pela democracia, mas um alerta para os desafios que a democracia brasileira enfrenta atualmente. João Teófilo aponta que, se durante as Diretas Já os ventos da democracia sopravam com força, hoje vivemos sob a sombra do autoritarismo e da extrema-direita.

A desinformação traz à tona ideais opostos aos que foram tão arduamente conquistados na década de 1980, mostrando que a população mudou seus valores: “A escolha de muitos candidatos no presente tem sido influenciada por valores que são o oposto da democracia. A democracia tem sido sufocada por valores que a corroem e trazem para a cena política o que há de pior, a exemplo da desinformação, que é uma grande inimiga da democracia e tem sido usada para mobilizar a sociedade em defesa de projetos criminosos”, lamenta João Teófilo.

Mas as Diretas Já nos ensinaram lições valiosas sobre o poder da comunicação. A capacidade de mobilizar milhões de brasileiros em torno de um objetivo comum foi um feito notável, possível graças à aliança entre os movimentos sociais e a imprensa. Embora a mídia nem sempre esteja alinhada aos movimentos populares, seu papel na amplificação das vozes dissidentes é crucial.

Nesses casos, a imprensa pode atuar como aliada, pois, por sua projeção, é capaz de fazer o trabalho de aglutinação através da divulgação de mobilizações, pautas etc. O problema é que nem sempre isso acontece, e muitas vezes os movimentos sociais precisam agir sozinhos, com recursos limitados para fazer o trabalho de comunicação

João Teófilo – Doutor em História
Conteúdo produzido por Guilherme Oliveira, Hannah Andrade, Letícia Nogueira, Rinaldo Robson, Felipe de Paula e Davison Henrique sob a supervisão da jornalista e professora Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. Colaborou a monitora Mariana Brandão.

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