Com sua rica história cultural, as tranças têm origem no continente africano, mais especificamente, na região da Namíbia. De acordo com o site Em Pauta, as tranças eram usadas como refúgio, sobrevivência e forma de resistência. O grupo étnico na África Ocidental, os Nagôs, foram os negros escravizados e vendidos na antiga Costa dos Escravos e que falavam a língua iorubá. Assim, o nome do penteado “nagô”, por exemplo, descende da cultura iorubá e traz consigo toda a história e tradição de um povo.
Há uma grande variedade de modelos e estilos de tranças africanas. As chamadas box braids têm sua origem no sul da África, feitas pelas mãos das mulheres pertencentes à tribo Mbalantu. Esse penteado traz tranças soltas e uma divisão no cabelo em formato quadrado, e podem ser feitas com diversos materiais.
Poliane Honorato, bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e ativista da cultura hip-hop, reconhece as tranças como uma tecnologia ancestral que busca uma conexão territorial. “Sabemos, historicamente, que no processo de escravização e de sequestro do povo africano as tranças eram utilizadas para uma orientação diversa, inclusive o transporte de sementes, a orientação de rotas e decodificação territorial”, explica.
A antropóloga ainda reforça a importância desse tema: “A trança é uma coluna vertebral para o estado social do povo preto. Ela é uma sinalização de hierarquia, de poder e de localização social. As trancistas, por sua vez, por serem responsáveis por esse trabalho que mantém viva a identidade do povo negro, têm um papel fundamental neste legado”.
Segundo Poliane Honorato, as tranças africanas se afirmam como um legado cultural vivo. Mais do que uma herança estética, elas representam também uma ferramenta de transformação social, abrindo caminhos para a valorização do trabalho das trancistas e a geração de renda por meio dessa força ancestral.
Tranças no mapa

O projeto Tranças no Mapa, idealizado por Layla Maryzandra, mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais da Universidade de Brasília, foi um dos vencedores do 37º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Fruto de uma trajetória militante e do movimento negro, o projeto nasce nas rodas de escuta e do diálogo com mulheres negras, como relata Layla em entrevista.
Desde 2011, a mestranda atua nessas rodas, mediando conversas com foco afrocentrado e perspectiva política. Foi nesse contexto que Layla percebeu histórias em comum quando se falava das tranças: “Essa experiência fez com que eu refletisse que as pessoas falavam muito sobre a história da trança, mas não existe história da trança sem história da trancista. Como é que as pessoas querem falar de trança, se as pessoas não sabem quem são as trancistas do seu território?”, questiona.
Logo, a proposta do projeto Tranças no Mapa é justamente documentar as trajetórias de vida das trancistas e trançadeiras das comunidades, transformando essas histórias em instrumento de reconhecimento político e social. Em 2025, o projeto entra em sua segunda edição: “A gente construiu outros produtos e tem um banco de dados de trancistas. A partir dele, vamos gerar indicadores sociais para pensar políticas públicas”, explica Layla. Enquanto a primeira edição foi focada no Distrito Federal, a nova fase do projeto pretende alcançar abrangência nacional, incluindo ações online que já têm permitido a participação de trancistas de diferentes regiões do país.
Empreender como única forma de sobrevivência
Nas favelas de Belo Horizonte, a trancista, instrutora e CEO do Ateliê Sol, Pablina Veloso, de 39 anos, encontrou nas tranças uma forma de recomeçar. Egressa do sistema prisional, ela atua hoje como trancista e promove cursos em comunidades periféricas. Pablina conta que empreender foi a única opção que encontrou para ter alguma renda em meio a uma sociedade que a marcou pelo seu passado.
“Eu tive essa necessidade de empreender, mesmo sendo formada em gestão de recursos humanos. Foi uma bolsa ofertada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie que eu ganhei dentro do sistema prisional”. Com os estudos, Pablina aprendeu sobre planejamento estratégico, marketing e recursos que ajudariam no futuro a ingressar na carreira de trancista.

Hoje, a trancista ministra cursos em quatro estados do Brasil: Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Com esse método profissionalizante, Pablina consegue dar dignidade e capacitação a dezenas de mulheres “Esses cursos são ofertados para mulheres e pessoas em situação de vulnerabilidade social, principalmente pessoas egressas do sistema prisional, que não têm muita opção e nem oportunidade de ter uma regeneração, uma transformação através do trabalho.”
O Ateliê Sol conquistou espaço entre personagens do meio jornalístico. Nomes como Aline Aguiar e Tábata Poline já passaram pelas mãos da trancista Pablina Veloso, fundadora do espaço. Ela relembra a realização de um antigo desejo: “Quando via a Aline Aguiar na televisão, eu dizia para o meu marido: ‘ainda vou trançar o cabelo dessa moça’.” Para Pablina, atender figuras de destaque é motivo de orgulho: “O que eu tenho para dizer é que essas mulheres são incríveis. Oportunidade transforma vidas”, conta.
Atualmente, o Ateliê Sol atua em duas unidades: uma na Galeria do Ouvidor, no centro de Belo Horizonte, e outra no bairro Taquaril, na região leste da cidade. Com emoção, Pablina deixa uma mensagem aos leitores: “Não deixem que frustem o sonho de vocês. Posicione-se naquilo que você quer. Tenha disciplina, força de vontade e competência. Porque aí, a habilidade a gente já tem. É só desenvolver. “
Por dentro da favela
No Complexo do Alto Vera Cruz, na região leste de Belo Horizonte, a trancista Elis Regina Santos, de 43 anos, atua há mais de uma década na área. Ela destaca que o principal desafio de trabalhar como trancista nas periferias é lidar com a concorrência e a precificação dos serviços. “A gente que trabalha em comunidade sabe a renda de cada um e pensamos no bem-estar das clientes. Como você vai levantar a autoestima e ainda manter um preço acessível a todas? Esse é o nosso grande desafio”, relata.

Isadora Belilo, expressa seu sentimento como cliente de Elis Regina ao adotar um penteado de origem Bantu, herança da África Subsaariana, ressaltando como essa escolha fortalece sua autoestima: “Me sinto empoderada e com confiança na minha ancestralidade. Isso influencia não só na minha autoestima, mas também nas minhas vivências, na forma como mostro quem sou e de onde vim”. Para ela, fazer tranças com profissionais da própria comunidade vai além da estética: trata-se de um movimento de fortalecimento coletivo. “Todas as trancistas carregam muita história nos traços, na cultura e no afeto. Trançar com elas é manter vivas nossas raízes e tradições”, afirma.

Artigo de luxo
No começo do processo, a cartela de clientes de Pedro era composta 100% por pessoas da comunidade, já que os valores cobrados eram acessíveis e compatíveis com o orçamento local. Para ele, seu trabalho vai muito além das tranças, especialmente para mulheres negras. Pedro acredita que seu papel é também resgatar a autoestima dessas mulheres, oferecendo a elas a possibilidade de serem versáteis em diferentes ocasiões, sem abrir mão da própria cultura.
Hoje em dia, eu vejo que a trança em si é uma coisa que as pessoas pretas podem encarar como um artigo de luxo.”
O principal objetivo do Ateliê Akin é incentivar as pessoas a serem verdadeiramente autênticas. Para ele, eventos como a Expo Favela e o reconhecimento por parte de artistas que já passaram por suas mãos contribuem significativamente para fortalecer sua autoridade e validação no mercado das tranças. “A ideia é que elas tenham certeza de quem são, sem dúvidas sobre suas escolhas ou expressões”, conclui Pedro.
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