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O Brasil é para sempre. A todo momento, em qualquer lugar.

Foi preciso que eu saísse do Brasil para assimilar, pela primeira vez, o que é ser brasileira. Digo “pela primeira vez” porque sei que vivi muito pouco do país. Dos 200 anos de independência que ele completa nesta semana, não vivi nem 20.

Aos 16, passei um mês longe de casa. A viagem, a mais longa que já fiz, me ensinou que o mundo é grande, mas, mais do que isso, me fez sentir o quão grande ele é. Fez eu me sentir só e me sentir o bastante, sentir “esperanças e medos”. O que eu não esperava é que fosse me fazer compreender o que é, verdadeiramente, ser brasileira. 

É claro que o inverno do hemisfério norte não proporciona a ninguém a experiência de cantar “Minha pequena Eva” ou “Evidências” no meio da multidão,  de comer pastel e tomar água de coco no sol escaldante de um domingo de feira, de comer arroz com feijão todo santo dia, nem de fazer carinho em um vira-lata caramelo que ninguém sabe por onde andou. Foi pela diferença que entendi quem somos.

Entendi que existe a alegria efervescente de nascer e crescer aqui: falar usando  – até demais – as mãos pode ser mais prazeroso do que percebemos, que precisamos de alguns decibéis a mais para nos expressarmos plenamente pela voz e que o toque físico torna, sim, tudo mais acolhedor.

A distância me ensinou também que existe o lado duro de ser brasileira. O lado que sofre xenofobia, que não é bem-vindo em qualquer lugar do mundo, que ouve ofensas disfarçadas de elogios e insultos que não tentam sequer se camuflar. O lado que tem resistência em se adaptar às regras do jogo de outra cultura, ainda que isso ofenda quem está acostumado a elas. 

Lembro bem do dia 25 de janeiro. Eu subia as escadas da casa em que estava hospedada, em direção ao quarto que, por um mês, foi meu, quando li na tela do telefone que uma barragem se rompeu em Brumadinho, inundando a cidade de lama. Não sabia quais eram as proporções do ocorrido, não sabia quanto da cidade tinha sido soterrada pela lama, nem quantas pessoas estavam desaparecidas. Ainda assim, senti ali a apreensão, o desespero silencioso e a impotência que quem vive no Brasil conhece melhor do que deveria. Pensei em Bento Rodrigues, quatro anos antes. Sabia que viveríamos tudo de novo, talvez até pior. Me senti como uma peça de quebra-cabeças, só que longe do restante do jogo: sabia que, longe de mim, tinha muita gente que sentia o mesmo desespero que eu.

Era também o primeiro mês do – até então – novo governo e logo vieram os primeiros escândalos do presidente no Planalto. Senti vergonha. E com a vergonha aprendi que, longe de casa, você se torna um representante de toda uma nação e que, portanto, é preciso esconder o constrangimento e defender a terra natal como quem defende um irmão mais novo que é humilhado na escola. Isso, aliás, passa longe de ser racional: acontece como um impulso, uma voz que nos diz “como ousam falar mal do que é meu?” – ainda que “falar mal” por vezes queira dizer apenas expor os fatos.

De volta em terras brasileiras, logo que desembarquei, minha mãe disse: “Morri de saudade, mas queria que você tivesse ficado mais. O clima do país está muito pesado.” Foi aí, então, que compreendi que não adianta fugir do Brasil: uma vez que se nasce aqui, será para sempre – e em qualquer lugar do mundo – brasileiro, com todas as dores e alegrias que isso pode trazer.

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