Bárbara BentoDesde que a disseminação do novo coronavírus foi classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia, em 11 de março de 2020, vários chefes de Estado adotaram medidas de segurança para que os impactos da doença sejam os menores possíveis.
Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil publicou um decreto no dia 17 de março, um dia após a confirmação do primeiro caso da doença na capital, que suspendeu por tempo indeterminado o funcionamento de comércio, pontos turísticos, bens culturais e outros lugares que favorecem a aglomeração de pessoas. Com a medida, não só as atividades comerciais, mas também as artísticas foram interrompidas, e o cenário cultural mineiro sentiu o impacto imediatamente.
De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) de Belo Horizonte, a cidade tem 32 espaços culturais sob a administração da prefeitura, dentre eles, bibliotecas, centros culturais, centros de referência, arquivo público, cinema, museus, teatros, além da Escola Livre de Artes Arena da Cultura, que, somente no ano passado, receberam juntos mais de 85 mil visitantes.
Ainda era cedo para estimar o impacto que a pandemia traria ao setor, mas outro decreto municipal, publicado no dia 19 de março, prorrogou os prazos de vencimento das taxas tributárias dos estabelecimentos culturais privados, permitindo que os donos desses imóveis tenham mais tempo para reorganizar as finanças.
A Secretaria Municipal de Cultura (SMC) também adotou medida emergencial destinada às pessoas que estão diretamente ligadas à cultura da cidade:
Junto à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidade, solicitamos o pedido de inclusão dos dez fotógrafos lambe-lambe que atuam no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, registrados como Patrimônio Imaterial da Cidade, e de 17 famílias de artistas circenses na lista de distribuição do programa Banco de Alimentos. A SMC também assegurou o transporte de alimentos às famílias dos quatro quilombos urbanos registrados em Belo Horizonte.
Gabriel Assunção, assessor da Secretaria Municipal de Cultura
Atuação do governo do Estado
Já o Governo de Minas Gerais decretou o isolamento social no dia 22 de março mas, desde o dia 18 de março, todos os espaços administrados pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) estão fechados, como definido pelo Conselho Extraordinário Covid-19 do Estado.
A Secult é responsável por sete museus. Três estão em Belo Horizonte e outros quatro estão em Mariana, Ouro Preto, Juiz de Fora e Cordisburgo. Há também sob a Secult a gestão da biblioteca pública de Minas Gerais e o Arquivo Público Mineiro, que estão fechados. Em 2019, os sete museus somaram 64.069 visitantes.
O Museu Mineiro, que fica em Belo Horizonte, recebeu 13.479 visitas; o Centro de Arte Popular recebeu 10.400 visitantes; o Museu dos Militares Mineiros recebeu 776 visitas. Em Ouro Preto, o Museu Casa Guignard recebeu 7.071 pessoas; O Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, registrou 4.678 visitas; 776 pessoas visitaram o Museu do Crédito Real em Juiz de Fora e o Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo, recebeu 26.889 visitantes.
Também em 2019, a Biblioteca Pública Estadual recebeu 347.746 pessoas, e o Arquivo Público Mineiro,1.711 visitantes e pesquisadores, além de registrar 364.250 acessos no Sistema Integrado de Acesso do Arquivo Público Mineiro (SIAAPM), na base de dados de documentos do órgão.
Embora os espaços estejam fechados à visitação, parte dos serviços continuam disponíveis on-line. Conforme a Secult, várias iniciativas, como transmissões ao vivo, ações informativas e conteúdos que compilam curiosidades e informações sobre os espaços estão sendo divulgados nas redes sociais de cada centro cultural, possibilitando a continuidade da interação com o público.
Impactos na cultura
Justamente porque grande parte de suas ações aglomeram pessoas, o setor cultural foi um dos primeiros, se não o primeiro, a se deparar com a necessidade de interromper as atividades. Shows, exposições, encenações e performances precisaram ser cancelados ou adiados.
Isso foi o que ocorreu também como o bar musical ‘A Autêntica’, localizado na Savassi, região Centro-Sul de Belo Horizonte, que cancelou os eventos um fim de semana antes da data de publicação do decreto.
“Já tínhamos tido muita devolução de ingressos no último fim de semana que funcionamos. Pensando nisso, e no risco de contágio, optamos por fechar”, conta o artista e sócio-fundador da casa, Leo Moraes.
O espaço, que tem como objetivo dar visibilidade aos artistas autorais, completou cinco anos de memórias musicais em fevereiro. Com 12 funcionários, recebe, em média, três mil clientes por mês. Já passaram pelo palco da casa grandes nomes da nova geração de artistas brasileiros, como a banda O Terno, a cantora Tulipa Ruiz e o cantor Silva, além de artistas estrangeiros.
Após alguns meses com o bar sem funcionar, por conta das festas de fim de ano e do carnaval, os responsáveis pelo estabelecimento esperavam finanças positivas para os meses de março e abril, que já tinham shows agendados.
Nossa programação estava maravilhosa. Os ingressos haviam se esgotado para as apresentações do primeiro fim de semana em que precisamos fechar, algo que nunca tinha acontecido.
Leo Moraes, d’A Autêntica
Em meio às despesas e à preocupação com os funcionários, Moraes e o sócio tiveram a ideia de fazer uma vaquinha virtual para arrecadar o dinheiro necessário para o pagamento dos funcionários. Eles também criaram o projeto “A Autêntica a Domicílio”, no qual os artistas que estavam com shows marcados para março e abril transmitem as performances por meio de lives no Instagram do bar.
“Foi uma forma de manter a casa viva nesse período. Movimentando as redes sociais, e, mesmo que a live não se compare à experiência do show, essa é uma forma de ter uma convivência neste momento”, explicou.
Lives, recordes e solidariedade
Seja para espantar a solidão ou distrair a mente do tédio, muitas pessoas têm recorrido a música neste período de isolamento. De repente, vários artistas solo e bandas passaram a usar um artifício pouco explorado por eles até então: as lives.
Com o cancelamento de shows em massa e a prática do distanciamento social, as lives por Instagram e YouTube são os novos palcos das apresentações musicais. Cantores sertanejos se tornaram adeptos da prática, alcançando milhares de pessoas assistindo-os ao vivo. Somente entre o fim de março e início de abril, Gusttavo Lima, Bruno e Marrone e Marília Mendonça se apresentaram desse modo no Youtube e aproveitaram a oportunidade para arrecadar verba destinada ao combate a Covid-19.
As lives registraram sucesso histórico dentro e fora da plataforma. Apenas a de Gusttavo Lima, realizada em 28 de março, teve cinco horas de duração, arrecadou R$ 500 mil reais e teve cerca de 700 mil acessos simultâneos.
A dupla Jorge e Mateus se apresentou no dia 4 de abril, em show transmitido no Youtube e em dois canais de TV à cabo. O show durou quatro horas e meia, com 3,1 milhões de acessos simultâneos e arrecadação de 216 toneladas de alimento para doações.
A rainha da sofrência, Marília Mendonça, não ficou de fora, e sua live de 8 de abril bateu o recorde da dupla Jorge e Mateus, com 3,3 milhões de acessos simultâneos. A apresentação está salva no canal da cantora no Youtube e já ultrapassou 50 milhões de visualizações.
No último dia 11 de abril, Gusttavo Lima repetiu a dose e bateu os recordes anteriores com uma live que durou mais de sete horas e 58 milhões de acessos e recursos para doações.
Festivais virtuais
Os festivais Música em casa, Fico em Casa, Tamo Junto e Solitude foram algumas iniciativas ocorridas nos meses de março e abril com intuito em comum: entreter e incentivar as pessoas, que podem, a ficar em casa.
Somente o Festival Solitude durou oito dias e contou com a apresentação de 48 artistas dos mais variados estilos da cena musical independente mineira. Já no Festival Fico em Casa Brasil, 240 cantores e bandas foram responsáveis por mais de 120 horas de show. Segundo a equipe organizadora do festival, 500 agentes culturais, dentre produtoras, selos, gravadoras, bandas e artistas solo, trabalharam na terceira edição do festival, que ocorreu entre os dias 7 e 10 de abril e impactou oito milhões de pessoas por meio das plataformas digitais.
Apesar da possibilidade de utilização das lives para transmitir eventos culturais, Carolina Braga, jornalista cultural e criadora do Culturadoria, site de informações sobre cultura, considera que esse recurso não é uma salvação para a crise pela qual o cenário cultural está passando.
Já o produtor cultural, youtuber e criador do canal Minuto Indie, Alexandre Giglio, acredita que o momento vai servir como reflexão para os artistas e, também, como um impulso para que os músicos utilizem as mídias sociais de maneira mais estratégica para solidificar a carreira.
Mariele Ferreira
Rayssa Moura
Colab PUC Minas
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