Carolina Maria de Jesus explicita, em sua obra “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, publicada em 1960, como é a vida dos catadores de recicláveis, os desafios para lidar com o lado obscuro da vida e os sacrifícios que enfrentam dia e noite para se sustentarem em troca da sobrevivência. Em alguns trechos do seu best-seller, ela transmite a dor e o sofrimento de quem recorre às impurezas dos lixos, sujeitando-se a condições desumanas, em troca do mínimo para sobreviver.
Na atualidade, catadores de recicláveis são responsáveis pela gestão dos chamados resíduos sólidos em todo Brasil. Eles realizam um trabalho de utilidade pública, sendo responsáveis pela coleta, triagem, recuperação e reciclagem de materiais descartados, o que contribui diretamente para a redução da quantidade de lixo nos aterros sanitários e para a preservação do meio ambiente. Desde 2002, a atividade profissional dos catadores é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), contribui para o aumento da vida útil dos aterros sanitários e para a diminuição da demanda por recursos naturais.
Em Belo Horizonte, a presença desses catadores é essencial para o sistema de coleta seletiva, atuando na coleta de materiais como papel, plástico, papelão, vidros e metais, que são encaminhados posteriormente para reciclagem. Outro fator benéfico é a conservação dos recursos naturais, além da geração de empregos e a inclusão social, tendo em vista que muitos deles vêm de comunidades vulneráveis. No entanto, os trabalhadores enfrentam desafios significativos como, por exemplo, as condições precárias de trabalho, o preconceito e a falta de reconhecimento adequado por parte da sociedade.
Catadores podem atuar de maneira independente ou serem associados a cooperativas. Desde 2019, a coleta seletiva de Belo Horizonte passou a ser de responsabilidade das organizações de catadores. A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) contratou duas associações e quatro cooperativas para realizarem os serviços na capital: Asmare, Associrecicle, Coopesol, Coomarp, Coopemar e Coopersoli, que atendem 47 bairros da capital mineira. Além disso, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) publicados pelo jornal O Estado de Minas, há cerca de 3 mil catadores autônomos na cidade, que captam os materiais espalhados pelas ruas e vendem para depósitos ou mesmo para as organizações.
Inseguranças no trabalho
Apesar de ser vital para a sociedade, o trabalho de um catador de recicláveis apresenta diversas dificuldades diariamente, como a insalubridade, as longas jornadas de trabalho e condições inseguras para exercer a profissão. Os trabalhadores precisam vasculhar diretamente o lixo e os recicláveis, deixando-os expostos a doenças, produtos químicos e materiais cortantes.
Se o pessoal colocasse os recicláveis numa sacola separada, facilitaria muito. Eles deixam tudo misturado com o lixo. Nessa brincadeira, a gente perde de 1h a 1h30. Eu não rasgo o saco, apenas faço um buraco para retirar os materiais. Mas, nisso, a gente perde muito tempo e deixa de ganhar dinheiro.”
Ari Filho, de 61 anos, catador de recicláveis
Outro ponto de alerta para os trabalhadores é a falta de proteção social. Isso ocorre pois, por serem independentes ou trabalharem em cooperativas informais, os catadores não têm acesso a benefícios como assistência médica, aposentadoria ou seguro contra acidentes, o que traz uma incerteza muito grande para a profissão. Atualmente, de acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), cerca de 92% desses catadores vivem da renda da coleta, um número expressivo para um serviço que apresenta pouco retorno financeiro em comparação à força de trabalho.
Além disso, o preconceito com os trabalhadores, a falta de equipamentos adequados e a insegurança quanto à alimentação são outros fatores prejudiciais para os catadores, que acabam interferindo diretamente no rendimento dos profissionais e também nas questões psicológicas e de qualidade de vida.
Como solução, a Prefeitura de Belo Horizonte tem buscado políticas e programas que visam valorizar e apoiar os catadores de recicláveis, incluindo a promoção de cooperativas e a melhoria das condições de trabalho diárias. Um desses projetos foi divulgado em reportagem publicada no site da Prefeitura: é uma parceria entre a PBH e catadores do bairro Funcionários, e está sendo realizada como um projeto piloto para garantir a segurança. A ideia é reservar um espaço provisório com ampla capacidade para garantir que a separação dos materiais seja feita em segurança, em um ambiente com tenda e banheiro para os profissionais. No local, podem ser selecionados resíduos como papel, metal, plástico, isopor e vidro para a reciclagem.
Sou catadora desde os 22 anos, puxava carrinho, mas não dou conta mais. Já passei fome, enchia tambor de água até tarde para os outros no chafariz por um prato de comida. Cato todos os dias até 21h, para conseguir me sustentar”
Rosangêla Maria, catadora de recicláveis
A catadora Rosângela Maria, de 60 anos, enfrenta uma luta diária em busca dos materiais recicláveis. Além das longas jornadas de trabalho, ela conta que passou por um dos maiores obstáculos de sua vida: a fome.
Desvalorização dos materiais
Os profissionais também encaram problemas de remuneração, porque dependem da venda dos materiais recolhidos, que mudam de preço constantemente, podendo trazer prejuízos e levar a instabilidade financeira nas famílias. A desvalorização recente dos recicláveis é um fator de complicação, uma vez que reduziu os ganhos dos catadores em todo o país. O papelão, por exemplo, chegou a ser comercializado por R$1,70 o quilo durante a pandemia, ao passo que, hoje, esse mesmo material é vendido por cerca de R$0,15.
Alfredo de Souza Matos, responsável pela unidade Barro Preto da Asmare, fala sobre as horas trabalhadas pelos catadores para conseguirem um salário mínimo.
Em reportagem publicada na BBC, a economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni explica que o motivo principal dessa queda é a desvalorização do dólar americano, uma vez que os materiais recicláveis são commodities negociadas no mercado financeiro mundial. Ou seja, o preço varia de acordo com fatores que vão além da economia local gerada pela reciclagem, pois, de acordo com os números do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), a variação do custo das mercadorias acompanha a do dólar.
Outros recursos também passaram por uma desvalorização similar, devido à isenção de impostos sobre a importação de materiais estrangeiros durante o governo Bolsonaro. Isso resultou na diminuição da relevância dos recicláveis, levando a indústria a preferir importar matéria-prima nova e mais econômica, isenta de impostos, ou materiais descartados de outros países.
Mas quanto ganha um catador de reciclável?
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em Minas Gerais, a média salarial de um catador de recicláveis é de R$1.418,47, valor um pouco maior que um salário mínimo vigente em dezembro de 2023. Isso significa que, a cada 43 horas semanais de jornada de trabalho, o profissional recebe um valor estimado em R$329,00.
Por mês, reciclamos 200 toneladas de materiais, e é vendido na base de 1 a 1,5 salário mínimo. Isso trabalhando de 9h da manhã e parando 1h da manhã. Para conseguir no máximo um salário e meio.
Alfredo de Souza Matos, da Asmare
Já no Brasil, essa média salarial gira em torno de R$1.559,00. A região Sul do país tem a média mais elevada, na casa dos R$1.619,00, enquanto o Norte tem a menor quantidade de ganhos mensais: R$1.296,00. Dentre os materiais, o comércio de resíduos de sucatas metálicas lidera em demanda, com o maior piso salarial entre os materiais recicláveis.
Como a população pode ajudar nesta causa?
A reciclagem carrega um importante papel de contribuir com o meio ambiente. Ao reciclar, você está ajudando a diminuir a superlotação dos aterros sanitários, já que muitos materiais recicláveis acabam sendo encaminhados para lá, além de contribuir para que aquele material possa ser reutilizado.
O gráfico indica o tempo de decomposição de cada material, e a reciclagem é uma possibilidade que pode evitar a produção de mais embalagens. Para que este impacto seja relevante, a grande maioria da população precisa ter consciência, mas se cada um fizesse sua parte, essa realidade já estaria em progresso.
Além desse fator, a reciclagem é a fonte de renda dos trabalhadores que participam da coleta seletiva. Portanto, colaborar com a reciclagem, é também colaborar com esse grupo.
Já pensou o que você pode fazer para facilitar o processo de coleta de material reciclável?
Fazer a separação dos materiais na hora de realizar o descarte é uma ação essencial para facilitar a coleta dos catadores. E, para isso, é importante saber quais materiais podem participar do processo de reciclagem. Pensando nisso, a seguir, disponibilizamos um guia de reciclagem, que além de indicar os materiais corretos, possui os locais de referência de reciclagem da cidade de Belo Horizonte.
Confira e compartilhe, para que o máximo de pessoas possíveis possam colaborar com essa causa:
♻️ Guia de reciclagem em BH ♻️
Reportagem desenvolvida por Bruno Lobão, Clara Tunes, Isabela Mendes, Marcos Costa para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2023/2 sob a supervisão da profª Verônica Soares da Costa.
Parabéns pelo trabalho, alunos da PUC Minas.
Assunto de extrema importância, tratado de forma clara e com sensibilidade.
Adorei e vou compartilhar.
Excelente reportagem
Excelente trabalho para conscientizar a população e contribuir com estes ” anônimos trabalhadores .
Parabéns !
Excelente matéria!
Excelente matéria, parabéns !!
Parabéns pela narrativa da matéria!