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Comunicação pública em risco no Brasil

Fachada da Empresa Brasil de Comunicação. Prédio branco escrito em destaque no canto esquerdo EBC na cor verde, ao centro um desenho verde e amarelo e no canto direito está escrito Empresa Brasil de Comunicação na cor verde. Na imagem há também o hall de entrada do prédio, onde contém catracas, bancada de madeira e pessoas circulando no local.

Fachada da EBC

Considerada o maior patrimônio da comunicação pública brasileira, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) está sob risco. O alerta é feito por funcionários de carreira e por especialistas, que temem a inviabilidade de operação da empresa devido a investidas que tendem a privatizá-la. Criada em 2007, a EBC é responsável pela TV Brasil, oito rádios e duas agências de notícias públicas, mas foi incluída por decreto no  Programa Nacional de Desestatização (PND), no dia 9 de abril deste ano. A falta de compreensão de que a comunicação pública é um direito do povo e um dever do Estado é central para que se entenda as razões que têm levado, na opinião dos servidores da EBC, ao desmonte da instituição, e, na avaliação do Governo federal, a políticas de contingenciamento de despesas.

Na coletiva de imprensa da Reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que ocorreu em março, a secretária especial da PPI, Martha Seillier, alegou que a EBC acumula prejuízo de aproximadamente R$88,5 milhões, e, com a desestatização, pode gerar a exclusão de R$400 milhões de despesas para a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que permitiria reordenar a posição estratégica do Estado na economia.

Em 2016, quando a existência da EBC começou a ser ameaçada, as organizações de defesa da democratização da mídia e do serviço público se mobilizaram, junto com trabalhadores, sindicatos, pesquisadores e grupos de estudos de universidades, criando a Frente em Defesa da EBC e Comunicação Pública para preservar a empresa. Sendo assim, foram criados perfis na internet, a campanha #FicaEBC e uma lista de trocas de emails para debater temas relacionados à EBC. A campanha teve apoio de diversos artistas e é divulgada até hoje para proteger a EBC.

A pesquisadora e coordenadora do Observatório de Comunicação Pública (OBCOMP) e do Núcleo de Comunicação Pública e Política (Nucop) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Helena Weber, explica que a lógica das empresas públicas de comunicação é a promoção do debate público, com participação da sociedade, da imprensa e do estado, por meio das diferentes instituições. Ela destaca que o sucesso dessas empresas mensura o pleno funcionamento da democracia no país, já que elas representam a defesa da opinião e interesse público frente aos interesses privados e estatais.

As pautas veiculadas nesses canais são analisadas por conselhos consultivos formados por membros da sociedade com o objetivo de oferecer um conteúdo não tendencioso. “Quando você acaba com esses conselhos, os interesses públicos são substituídos. Nós vivemos um momento extremamente difícil onde assistimos a sobreposição da comunicação privada sob a pública, temos governantes que não respeitam a imprensa, que desqualificam o debate público e sempre se manifestam por uma ótica privada”, denuncia a pesquisadora. 

Empresa pública não visa lucro

Akemi Nitahara, jornalista concursada da EBC e integrante da Frente em Defesa da EBC, argumenta que a empresa é dependente do governo e não foi criada para dar lucro, mas sim para prestar um serviço público ao qual a população tem direito de ter acesso. “Assim como um hospital ou escola pública, a missão da EBC não é dar lucros e sim prestar um serviço público. Para mim, privatizar a EBC significa o fim da comunicação pública no Brasil e o fim de uma fonte alternativa de informação sem as amarras do mercado”, justifica a jornalista.

Imóveis da EBC vão a leilão

Com menos de três meses da decisão, imóveis vinculados à empresa já estão sendo leiloados. Um exemplo é o edifício A Noite, situado na área central do Rio de Janeiro. O patrimônio, que abrigou a Rádio Nacional em 1936 e foi ocupado pela EBC durante décadas, foi disponibilizado para leilão pela Secretaria de Patrimônio da União com valor inicial de R$98 milhões, porém, como não houve interessados no primeiro leilão, ocorreu uma redução de 25% no valor inicial, caindo para R$73,5 milhões. O segundo leilão ocorreu no mês de junho e novamente fracassou. Entramos em contato com a Superintendência do Patrimônio da União para saber a data do novo leilão e não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem.

Edifício A Noite na Praça Mauá, no Rio de Janeiro.
Crédito: Akemi Nitahara/ Agência Brasil.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se opôs à entrega do patrimônio público brasileiro à iniciativa privada, assim como à extinção da EBC. Na avaliação da Fenaj, a EBC cumpre um importante papel de produzir e difundir informações jornalísticas do governo e para o país. 

Com o objetivo de apresentar à equipe da PPI e demais entidades os principais argumentos em defesa da EBC como empresa pública de comunicação, a Fenaj vem promovendo algumas reuniões. “A Fenaj integra a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública , que vem fazendo uma campanha junto a movimentos sociais, parlamentares e outros setores da sociedade para ressaltar a importância dos veículos da EBC. Além disso, os trabalhadores da empresa estão mobilizados no Comitê Fica EBC, divulgando conteúdos em defesa da empresa ”, afirma Maria José Braga, presidenta da Fenaj.

Comunicação do povo para o povo

Francislene de Paula, 35 anos, atua como jornalista na EBC há quase nove anos e relata que a comunicação pública é do povo para o povo, sem ter amarras comerciais e estatais. “Nós fizemos um episódio chamado Um Gole de Cerrado, onde falamos sobre a água, desmatamento, grilagem de terras, etc. Quando estávamos lá [na apuração], fomos informados pela população local que uma grande empresa de comunicação havia ido lá um mês antes para falar sobre o assunto também, porém não puderam publicar a reportagem, pois um dos principais patrocinadores estava envolvido nesse desmatamento. O interesse comercial impediu que a denúncia fosse feita”, conta a jornalista. 

Francislene complementa dizendo que a lógica da comunicação pública é a importância da formação crítica e cidadã das pessoas, de levar informação de qualidade e referência, nunca visando o lucro, como ocorre nas empresas privadas, “O que é público é público, não deve ser privatizado. A partir do momento que privatiza, morre o sentido da comunicação pública e vira outra coisa.”

O que é a EBC e quais são seus veículos?

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi criada em 2007 pela Lei n° 11.652/2008 no governo Lula e alterada pela Lei n° 1.417/2017, no governo Michel Temer. É uma empresa pública federal do ramo da comunicação que abrange os veículos TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro (1.130 KHz), Rádio Nacional AM de Brasília (980 KHz), Nacional FM de Brasília (96,1 MHz), Rádio MEC AM do Rio de Janeiro (800 KHz), MEC FM do Rio de Janeiro (99,3 MHz), Rádio Nacional da Amazônia OC (11.780 KHz e 6.180 KHz), Rádio Nacional AM do Alto Solimões (670 KHz) e Rádio Nacional FM do Alto Solimões (96.1 MHz).

TV Brasil:

Emissora criada pela EBC a partir da fusão de três canais: TVE-RJ, administrada pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), TVE-MA, repetidora da TVE do Rio, e a TV Nacional de Brasília, administrada pela extinta Radiobrás.

A TV Brasil tem por finalidade ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma  programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania.

Agência Brasil:

Agência pública de notícias criada em 1990 com o foco no cidadão e interesse público. Seus conteúdos são reproduzidos por milhares de sites e veículos impressos de todo o país, a Agência Brasil cobre todos os eventos importantes do país, publicando diariamente dezenas de matérias na web e nas redes sociais.

Radioagência Nacional:

Veículo público de comunicação que disponibiliza gratuitamente conteúdos radiofônicos produzidos pelas equipes da EBC e parceiros. São, em média, 80 matérias por dia e áudios gravados e acessados por mais de 4.500 emissoras de rádio.

Rádio MEC e Nacional:

Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro: inaugurada em 1936 a Rádio Nacional é referência de programação plural e popular a rádio reúne na mesma grade, música, informação, humor, dramaturgia, esporte e programas de auditório. No início dos anos 1940, foi a principal emissora da América Latina e uma das cinco mais potentes do mundo, além de ter desbravado novos gêneros, sistematizado a linguagem sonora e consolidado as matrizes da rádio popular no Brasil.

Rádio Nacional AM de Brasília: criada em 1958 para apoiar a construção da Capital e servir como meio de comunicação para os trabalhadores que estavam construindo a cidade. Com a fusão da EBN (Empresa Brasileira de Notícias) com a Radiobrás, em 1989, a Rádio Nacional passou a ser a geradora da Voz do Brasil e das Redes Obrigatórias de Rádio dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Rádio Nacional FM Brasília: Primeira emissora FM de Brasília, a Nacional, entrando no ar em 1976, tem como destaque a música brasileira, assim como dos países de língua portuguesa e da América Latina. Desde 2009, realiza um dos eventos mais importantes para promoção da cultura local: o Festival de Música da Rádio Nacional FM.

Rádio Nacional da Amazônia: Inaugurada em 1° de setembro de 1977, a rádio fortalece o elo entre as comunidades da Amazônia, integra a região com outros estados do Brasil e valoriza a diversidade cultural, além de divulgar recados e promover o reencontro de familiares e amigos. Sua programação tem como destaque a prestação de serviços e a valorização e divulgação da diversidade cultural da Amazônia.

Rádio Nacional do Alto Solimões: criada em 2006, ela liga parte dos nove municípios da região do Alto Solimões, servindo de ponte para a informação e a comunicação dos povos, das comunidades locais e dos municípios da região, inclusive da tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru. Sua programação é diversificada, com jornalismo, música, cultura local e muita prestação de serviço.

Rádio MEC AM do Rio de Janeiro: é descendente da primeira rádio educativa do Brasil fundada em 1923 por Edgard Roquette-Pinto e Henrique Morize, a Rádio MEC é sinônimo de educação, arte e cultura, com destaque para os tradicionais programas de auditórios, a MEC AM foi a primeira emissora radiofônica do Brasil. Sua programação musical contempla a diversidade da música popular brasileira, os programas infanto-juvenis, a interatividade com o ouvinte, temas como infância, sustentabilidade, inclusão, questões de gênero e educação, entre outros. A Rádio MEC possui, hoje, um dos mais importantes acervos do rádio brasileiro, com quase 50 mil fitas de gravações e programas temáticos. Só o patrimônio de vozes reúne falas de Getúlio Vargas, Luiz Carlos Prestes, Monteiro Lobato, Drummond, John Kennedy, Vinícius de Moraes, Winston Churchill, Baden Powell e Ary Barroso, entre muitos outros. 

Rádio MEC FM Rio de Janeiro: Criada em 1983, a MEC FM vem dedicando quase a totalidade de sua grade de programação à música de concerto, com janelas de jazz, choro e música instrumental. Sua programação diária inclui agendas culturais relativas aos eventos musicais e de artes em geral que ocorrem na cidade e também fora do Rio de Janeiro. A emissora também interage com o seu público ouvinte e leva a música clássica para pontos de grande movimento, em transmissões externas, em parceria ou não com outras instituições dedicadas à difusão cultural.

Rádio MEC AM Brasília: A Rádio MEC AM de Brasília retransmite a programação da Rádio MEC FM do Rio de Janeiro. 

Rede Nacional de Comunicação Pública de Televisão:

Em maio de 2010, teve início a transmissão simultânea da Rede Nacional de Comunicação Pública de Televisão (RNCP/TV), então formada pelos veículos EBC, sete emissoras universitárias e 15 emissoras públicas estaduais. A Rede ampliou a difusão de conteúdo jornalístico e educacional para todo o Brasil e propiciou acesso a programas de interesse nacional e regionais. 

A EBC é responsável pela formação da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP) e investe cada vez mais na sua expansão. Atualmente, a Rede está consolidada, com emissoras de TV e de rádio. Já reúne 33 afiliadas de TV e 11 de rádio.

A gestão da Rede Nacional de Comunicação Pública é uma das competências da Empresa Brasil de Comunicação, prevista na lei 11.652/2008, que institui princípios e objetivos do sistema de radiodifusão pública no país.

Para participar da RNCP, as emissoras firmam contratos e acordos de cooperação em que se comprometem a transmitir a programação da EBC, como a da TV Brasil que já conta com todos os recursos de acessibilidade, obrigatórios por lei, e a participarem de coberturas especiais. Em contrapartida, a EBC auxilia as emissoras em processos de outorga de canais, disponibiliza suporte técnico, capacitação e cessão de equipamentos.

Fonte: https://www.ebc.com.br/veiculos

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Reportagem desenvolvida pelas monitoras Isabela Lana e Isabella Alvim.
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