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Como o posicionamento de marca impacta fãs e funcionários: o caso Disney

Parque Magic Kingdom, nos Estados Unidos. Foto de Thomas Kelley via Unsplash

No início de março de 2022, a Disney se envolveu em uma polêmica que pouco tem a ver com suas animações, prêmios e canções inesquecíveis – mas que abalou a relação da empresa com parte importante de seu público: a comunidade LGBTQIA+. Denúncias divulgadas em sites e repercutidas no Twitter apontaram que a companhia financiou políticos apoiadores do projeto de lei conhecido como “Don’t say gay (“Não diga gay”, em tradução livre), oficialmente chamado de “Projeto de Lei SB 1834 Parental Rights in Education” (Direitos Parentais em Educação), que proíbe a discussão sobre orientação sexual ou identidade de gênero nas salas de aula do primário no estado da Flórida.

Funcionários da Pixar e da Disney Animation, que fazem parte do grupo Disney, denunciaram o apoio à pauta homofóbica em uma carta. Os profissionais pediram que a empresa parasse de patrocinar políticos que apoiam essa causa. Na carta, revelaram a censura de demonstrações homoafetivas em animações produzidas pelas empresas do grupo. Segundo os funcionários, cenas, personagens e até mesmo ideias para filmes com sugestões de temáticas LGBTQIA+ são barradas nas instâncias superiores de gestão.

Nós, da Pixar, testemunhamos pessoalmente belas histórias, com personagens da diversidade, reduzidos a migalhas após a crítica corporativa. Quase todos os momentos de afeto abertamente gay são cortados por ordem da Disney, independente de qualquer protesto feito pelas equipes criativas ou de liderança executiva da Pixar”

Trecho da carta escrita por funcionários da Disney (via Correio Braziliense)  

O objetivo do grupo era exigir um posicionamento da empresa contra o projeto de lei em discussão na Flórida. Bob Chapek, CEO da Disney, foi a público com um pedido de desculpas e uma doação de US$ 5 milhões (o equivalente a mais de R$23 milhões) para organizações LGBTQIA +. Uma delas, a Human Rights Campaign (HRC) – em português, Campanha de Direitos Humanos – rejeitou o dinheiro e disse que recusaria até um posicionamento de compromisso público. Mesmo após o pedido de desculpas, os funcionários ainda realizaram um protesto em 22 de março, na área de piquenique dos estúdios na cidade de Burbank, Califórnia.

Marcas, pinkwashing e pink money

Para Ettore Medeiros, doutorando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor do curso de Publicidade e Propaganda da PUC Minas, uma marca é sempre formada por diversos grupos internos que são, muitas vezes, divergentes entre si, e com a Disney não é diferente: “A Disney é uma marca que não vai trabalhar apenas com o público progressista, ela também trabalha com o público conservador e, claro, é uma marca que visa à venda, que visa ao lucro”. Segundo ele, mesmo com eventuais iniciativas de diversidade e inclusão, para a empresa, o principal ponto é atrair os mais diversos públicos em busca de ampliação dos lucros.

O pinkwashing, termo que se refere a situações em que empresas e marcas apoiam uma causa LGBTQIA+ em discursos mas, com suas ações, atua no sentido contrário aos valores da comunidade, pode ser associado aos fatos ocorridos na multinacional Disney, mas é recorrente em outros cenários de produção cultural e de entretenimento. Outro exemplo de pinkwashing foi o caso da empresa de cerveja Budweiser, em 2018, que, enquanto patrocinava a copa do mundo na Rússia, um país com políticas anti-LGBTQIA+ e que proíbe manifestações entre homossexuais, patrocinava também paradas do orgulho nos EUA. Já o pink money se refere ao dinheiro que é gasto por pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e ao desenvolvimento de produtos que visam alcançar esse grupo. 

Para Ettore, é contraditório a Disney se posicionar a favor da causa e estar envolvida nessas doações financeiras a campanhas que visam ao silenciamento de temas LGBTQIA +. “A marca é formada por diferentes pessoas, que estão ali com diferentes estratégias. A falta de comprometimento da empresa se dá por uma dualidade de opiniões dentro do corporativo e por ser uma grande marca, que tenta agradar a todos os públicos, visando sempre o lucro”, comenta o professor.

Repercussão mobiliza a internet

Na ferramenta Google Trends, é possível identificar um pico de aumento nas buscas pelo termo “don’t say gay” na semana de 6 a 12 de março de 2022, o que indica que houve interesse de usuários da internet em todo o mundo em buscar informações sobre o assunto. O tema mobilizou diferentes grupos, inclusive fãs da empresa, como o jornalista, professor e palestrante Gregório Fonseca, que é fã de carteirinha da Disney e tem uma relação com a marca desde muito pequeno – sendo, atualmente, sócio do D23, o fã clube oficial da Disney.

Gregório acredita que a empresa fez certo em se posicionar contra o projeto de lei, mas errou ao demorar a tornar pública sua decisão: “A Disney desagradou tanto as pessoas a favor do projeto, por terem que enfrentar um adversário politicamente forte (a Walt Disney Company), quanto as que são contra”, opina. Ele conta que sua visão sobre a Disney não mudou, pois a atitude da empresa não foi exatamente uma surpresa: “Considero a Walt Disney Company uma empresa progressista em diversos aspectos, mas entendo que aspectos políticos são considerados em suas decisões. Apesar do posicionamento da empresa ter acontecido após uma grande pressão, ele aconteceu”.

Segundo ele, para que a relação fosse afetada, a empresa teria que se posicionar a favor do projeto de lei, o que não foi o caso. Gregório completa dizendo: “Eu entendo, no entanto, que comercialmente seja necessário um equilíbrio e que a empresa tenha que prestar contas aos seus acionistas. Mas, como consumidor, a minha expectativa é que ela sempre defenda o que eu acredito”.

Já a professora Ana Carolina Almeida Souza, doutora em Comunicação, também pela UFMG, com estudos sobre transmídia, acredita que a relação com os fãs foi afetada, “algo parecido com o que vem acontecendo com J.K. Rowling e os fãs de Harry Potter. Talvez a diferença principal esteja no fato de que, aqui [no caso da Disney], não tem ninguém diretamente para culpar, no máximo, os acionistas da companhia”.

A professora acredita que, a partir de agora, a representação de personagens LGBTQIA+ será mais óbvia, pois a Disney aprende com seus erros: “Sua primeira ação é se posicionar, pedir desculpas quando julgar necessário e não repetir mais a dose”. Mas, em relação a marcas em geral, ela enfatiza a importância de as empresas viverem o que pregam: “Pior do que não ser uma marca que atende e está por dentro das agendas sociais, é ser uma marca que, da porta para dentro, pratica greenwashing, pink money e outras ações que transformam seus fãs em meros caixas eletrônicos”.

Quando perguntada se o compartilhamento feito de forma negativa, procurando difamar a Disney, atrapalha no ponto de vista transmidiático, ela responde: “Do ponto de vista da lógica das redes – seus algoritmos e afins – qualquer menção é positiva, mesmo que ela seja negativa. Os algoritmos entendem que menção é menção, independentemente de ser falando de algo bom, ruim ou neutro. Nesse caso, esses elementos prolongam a vida das dinâmicas transmídia da marca, inclusive do branding dela”.

Projeto de lei aprovado na Flórida

Em paralelo às disputas entre o grupo Disney e seus funcionários, a legislação americana que proíbe que temas relacionados à comunidade LGBTQIA+ sejam abordados em sala de aula foi aprovada. Segundo publicação da NPR, a Rádio Pública Americana, professores de escolas públicas da Flórida estão proibidos de dar aulas sobre orientação sexual ou identidade de gênero desde que o governador da Flórida, Ron DeSantis, um republicano, assinou o controverso projeto de lei “Direitos dos Pais na Educação”. Dezenas de outros estados americanos seguem com projetos de lei semelhantes para limitar os temas relacionados aos direitos e às vivências das pessoas LGBTQIA+ em salas de aula por todo o país.

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