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Caos planejado: as cortinas de fumaça produzidas pelo governo

Pesquisadores de comunicação política analisam estratégia de guerra utilizada por Bolsonaro

Nas eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro obteve cerca de 55% dos votos válidos. Desde então, o atual presidente utiliza estratégias de marketing semelhantes às da corrida eleitoral, como as cortinas de fumaça. “Uma tática diversionista”, segundo Camilo Aggio, doutor em comunicação política pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para além de uma manobra política, o governante insulta jornalistas, ironiza situações urgentes e ataca minorias. Assim, busca instaurar o caos, deixando o Estado sempre em conflito e mascarando as pautas de impacto. 

Para João Guilherme Bastos, jornalista, doutor em comunicação e pesquisador do INCT-DD, a estratégia do diversionismo em si não é um problema. Mas quando somado aos ataques e desrespeitos a direitos fundamentais, transforma-se em dilema ético. Bastos entende que “todo candidato faz uso de algum nível de diversionismo, tentando afastar pautas que incomodem, tentando trazer o debate para um campo mais confortável. Se pensarmos em ataques a jornalistas, por exemplo, muitas vezes eles são atacados não pelo que estão falando, mas como modo de concentrar os esforços de ataques e jogar a tensão da discussão pública naquela questão”.

#paratodosverem Imagem de Bolsonaro abraçando um humorista vestido de terno e com a faixa presidencial. Os dois gargalham no momento da foto. Ao fundo, um segurança, apoiadores e uma bandeira do Brasil.
Bolsonaro utiliza humorista Márvio Lúcio, popularmente conhecido como Carioca, para se esconder de perguntas sobre as baixas na economia. Foto: Marcos Corrêa/ PR, “04/03/2020 Humorista“ Carioca ”da TV Record, durante gravação no Palácio da Alvorada” pelo Palácio do Planalto está licenciado sob CC BY 2.0

Como funciona?

Engana-se quem pensa que o governo Bolsonaro é o primeiro a fazer uso dessa estratégia. Sobre isso, Bastos explica que ela também é muito utilizada em contextos de guerra. “Para enganar o inimigo, os soldados são deslocados para um lugar, buscando induzir seu rival a defender aquele flanco. Sendo que, a estratégia de fato, é atacar outro lugar que ficará desprotegido”, afirma. 

Logo, a ideia da cortina de fumaça aplicada pelo presidente e por sua equipe é feita para parecer espontânea, visando inflamar seus seguidores. Além disso, ela busca desviar a atenção da mídia e da população, com falas agressivas e inesperadas do chefe do Executivo. Atacando jornalistas, empresas de comunicação e grupos contrários a sua ideologia, o governante tem como objetivo esconder indicadores ruins e eventos que possam expor o governo. A saída do Palácio da Alvorada tem sido o principal palco para os ataques, no “cercadinho” montado para as declarações do presidente, sempre acompanhado dos aplausos de apoiadores.

Quais são as vantagens e desvantagens?

Linha do tempo entre março de 2019 e maio de 2021. Imagem e apuração: Colab PUC Minas

Sob a ótica do governo, a tática da cortina de fumaça é positiva, pois consegue ter êxito no objetivo de desviar o foco quanto a temas incômodos. O ataque a uma jornalista, ou uma fala sobre “golden shower” repercute mais do que o PIB abaixo da média de crescimento. Assim, é mais confortável para o presidente que o foco esteja situado em uma piada em vez de crises e mazelas enfrentadas pelo país. 

“Se a base do presidente acha mais confortável atacar uma jornalista mulher do que discutir as falhas dele na economia, obviamente que para ele é muito bom trazer a discussão para esta arena, mas isso viola direitos básicos das pessoas atacadas”, afirma Bastos.

Entretanto, consequências graves podem decorrer dessa estratégia. Para gerar a repercussão almejada, as falas precisam ser cada vez mais radicais e impactantes, levando a semelhanças com líderes totalitários. No cenário internacional, a adoção dessa estratégia não é bem vista, promovendo um encurtamento das relações diplomáticas e isolando cada vez mais o país.

É possível combater as cortinas de fumaça?

Ainda que as falas pitorescas do presidente tomem as capas do noticiário em detrimento às medidas questionáveis do governo, a mídia tem o papel de notificá-las. Camilo Aggio entende que os jornalistas passam por um dilema. Ao mesmo tempo que é notório a estratégia governamental, a mídia tem como dever transmitir as falas do chefe de Estado brasileiro. 

Segundo João Guilherme Bastos, cabe às instituições do legislativo e judiciário documentar as graves acusações proferidas pelo presidente a fim de investigá-las. Bolsonaro a todo momento faz insinuações inverídicas. Como exemplo, as denúncias de fraude eleitoral, que foram feitas inúmeras vezes. Em nenhum momento tais instituições se mobilizaram de forma a investigar e formalizar investigação para pedir comprovações.

Pegando como exemplo os Estados Unidos, podemos notar semelhanças ao comparar o método de cortinas de fumaça usado por Bolsonaro e táticas usadas pelo ex-presidente estadunidense Donald Trump. O norte-americano, além de ter personalidade intempestiva, colocava em prática o method in madness, ou método no caos, que consistia em tumultuar o cenário político para colocar em prática seu modelo de governança. Nesse modelo, aplica-se o firehosing, que consiste em espalhar notícias em ritmo frenético, para que não se consiga apurar e investigar a veracidade das informações, formando o “monopólio da primeira impressão”, ação está reproduzida no Brasil.

Agressividade estratégica

O presidente Jair Bolsonaro, desde a sua época como deputado, sempre foi conhecido por suas falas polêmicas e agressivas. Após a entrada na presidência não foi diferente. Segundo os Repórteres Sem Fronteiras – organização não governamental que defende a liberdade de imprensa – apenas no primeiro semestre de 2020 o presidente já havia realizado 53 ataques à mídia.

#paratodosverem Imagem de Bolsonaro segurando o livro “Aparelho sexual e cia” na Câmara dos Deputados. Jair aparece sentado na bancada e discursando a respeito do objeto em suas mãos
Ainda Deputado Federal, Bolsonaro já recorria a falas absurdas e grosseiras para atacar seus adversários. Foto: Antonio Augusto/ Câmara do Deputados

De frente à pandemia, e principalmente à CPI, a estratégia de agressividade continua, levando muitas vezes um tom desinformativo e deselegante para as reuniões e entrevistas coletivas. Nesta segunda-feira (22), foi a vez da repórter Laurene Santos, da Rede Vanguarda, ser agredida verbalmente pelo presidente ao questionar sobre a chegada do presidente sem máscara à entrevista em Guaratinguetá, no interior de São Paulo.

Guerra híbrida

Marcos Nobre, em seu livro Ponto Final: A guerra de Bolsonaro contra a democracia, trata o mandato do atual presidente como um “governo de guerra”. A cortina de fumaça, é apenas uma das diversas estratégias de Bolsonaro que buscam aplicar o chamado “ método do caos”, definido como uma institucionalização de constantes conflitos entre os poderes, a mídia e a população, visando degradar ao máximo as instituições do Estado Democrático de Direito. 

O antropólogo Piero Steiner da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em entrevista à revista Exame, associa que toda essa estratégia adotada faz parte da lógica de guerra híbrida, que joga no campo psicológico, fazendo com que o “inimigo” e a “população” entrem em modo constante de dissonância cognitiva. Sendo assim, é sob esse contexto de constante conflito no país que o presidente Jair Bolsonaro almeja seguir seu plano de governo e suas ambições políticas.

O Colab tentou entrar em contato com a Secretaria Especial de Comunicação (Secom) para obter informações sobre as estratégias de comunicação do governo, mas até o fechamento do texto não houve resposta.

Matéria produzida pelos alunos de Jornalismo da PUC Minas: Felipe Basílio, Gabriel Motta, Laura Peixoto e Pedro Tanure e Pedro Viglioni

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

2 comentários

  • “O ano é 2050 e ainda falam do Bolsonaro”
    Só uma dúvida, é para o meu TCC, vcs vão criticar as falas e as ações do atual governo ou vão aderir a “cortina de fumaça”?