Colab
Foto de dole777 / via Unsplash

Brasil digital: o país do engajamento nas mídias sociais

Público brasileiro tem criado um fenômeno de imersão e influência global

País do futebol, carnaval e funk, o Brasil tem se destacado em outra área: o engajamento nas plataformas sociais. De acordo com Relatório Digital 2024: 5 bilhões de usuários de mídia social, realizado em parceria com as agências We Are Social e Meltwater, o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo online, com média de 9h13, ficando atrás apenas da África do Sul, com 9h24.

Nas disputas por prêmios, o engajamento dos brasileiros se intensifica, envolvendo não apenas rivalidade e emoção, mas, principalmente, um forte sentimento de patriotismo. Um exemplo recente dessa mobilização foi a vitoriosa campanha do longa-metragem Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles.

Entre o mês de setembro de 2024, quando o filme foi lançado, e março de 2025 quando ocorreu a cerimônia do Oscar, os brasileiros criaram uma campanha de divulgação da obra nas mídias sociais, incentivando o público internacional a assistir o longa. Além disso, “invadiram” as páginas oficiais de premiações como o Oscar e o Globo de Ouro, enchendo as publicações relacionadas ao filme Ainda Estou Aqui de likes e comentários.

Fandoms e mobilização online

Lívia Mariano sorrindo para a foto, com cabelo à altura dos ombros, castanho escuro e ondulado; ela usa um brinco argola na orelha direita. O fundo é semelhante a um bar
Lívia Mariano / Arquivo pessoal

Mestre em Psicologia pela PUC Minas, Lívia Mariano (foto à direita) comenta sobre a necessidade de autoafirmação do povo brasileiro. “Talvez por um reflexo de um passado de colonização, onde o que é nosso sempre parece ser inferior ao que é de fora. O que percebo é que o brasileiro quer provar seu valor, seja com humor ou fanatismo, e somos conhecidos por sermos fãs muito engajados. Por exemplo, nas redes sociais, sempre pedimos para artistas internacionais virem para o Brasil, criando esse engajamento fervoroso”.

A visibilidade oferecida pelos brasileiros nas mídias sociais também cria uma oportunidade para marcas se conectarem com o público consumidor e divulgarem seus produtos e serviços. Para Luciana Andrade (foto abaixo), coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda (campus São Gabriel) e professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, nosso país tem se tornado um local estratégico para grandes marcas para a criação de tendências e movimentos online:

Luciana é uma mulher branca de cabelos lisos, longos e escuros. Ela está apoiada no corrimão de uma escada
Luciana Andrade / Foto de arquivo pessoal

“O Brasil tem sido um campo de experimentação e de referência para outros lugares do mundo. Somos criativos, a gente aproveita cenas do cotidiano, né? O cotidiano do brasileiro é muito metafórico, tem muitas formas de linguagem, de interpretação, a gente tem muitos memes e gírias”.

O uso dos memes é algo muito marcante no comportamento digital brasileiro. Lívia Mariano enfatiza a importância deles, em diversos contextos: “O brasileiro, especialmente no ambiente digital, tem uma característica muito humorística. Ele faz meme com tudo – até em momentos de conflito, o que é uma maneira de rir da própria desgraça. Os memes visuais, muitas vezes com figuras da cultura pop e com uma linguagem muito conectada à comunidade LGBT, são muito comuns. Eles [os memes], apesar de muitas vezes descontextualizarem assuntos sérios, acabam servindo como uma forma de aliviar tensões. No Brasil, lidamos com muitos momentos difíceis, como questões políticas e sociais, e os memes surgem como uma forma de lidar com o mal-estar.”

Sociabilidade em rede

O ambiente digital é uma extensão do nosso cotidiano. O que o brasileiro faz no digital é um reflexo do que ele é fora das telas. Lívia Mariano 

Luciana Antunes ainda destaca que a sociabilidade é um dos traços mais marcantes do povo brasileiro, o que se reflete no comportamento online: “Faz parte da cultura brasileira essa questão da sociabilidade, do relacionamento e esse interesse pela vida dos outros”. Para ela,  as redes sociais online agem como uma extensão disso, com brasileiros mantendo um interesse constante sobre o que os outros estão fazendo, comentando sobre suas vidas e, muitas vezes, expondo suas próprias experiências.

Ela faz uma analogia para ilustrar: “Eu sempre digo que as plataformas de redes sociais são como a senhorinha que fica na porta de casa, no interior, observando quem passa e comentando sobre a vida dos outros”. Esse é o comportamento de uma sociedade que valoriza a conexão, mas também mantém uma vigilância quanto à vida alheia.

Lívia Mariano explica que o ambiente digital é uma extensão do cotidiano brasileiro. “O que o brasileiro faz no digital é um reflexo do que ele é fora das telas. O comportamento digital fervoroso, como esse engajamento nas redes sociais, é uma manifestação das emoções e da paixão que o brasileiro tem na vida real. Existe uma forte conexão emocional, um afeto que transborda, especialmente quando falamos de fãs e cultura pop”.

Caio é u, homem branco de cabelos e barba escuros; ele sorri próximo à margem esquerda da foto, em frente a sua estante de livros e usa um óculos retangular
Caio Giannini / Foto de arquivo pessoal

Pesquisador, professor da PUC Minas e especialista em comunicação digital, Caio Giannini (foto à esquerda) comenta que, com o crescimento das plataformas digitais, as pessoas têm cada vez mais a oportunidade de interagir entre si e com marcas de maneira ampla. Apesar de reconhecer o lado positivo dessa relação, ele alerta para o compartilhamento de fake news e informações distorcidas: “A gente [os brasileiros]  imediatamente compartilha sem olhar mais aprofundadamente de onde veio a informação, não se preocupa em saber quem fez aquilo e nem quais os interesses por trás daquilo. A gente apenas compartilha. Assim a desinformação circula como fogo em mato seco”.

Entretenimento que também é vício

Uma das questões centrais do comportamento digital contemporâneo, especialmente entre os mais jovens, é a constante imersão em conteúdos rápidos e viciantes. “As plataformas estimulam a produção de dopamina, ou seja, o cérebro é alimentado por essas pequenas doses de prazer”, explica Luciana Andrade. Esse mecanismo gera um vício que, segundo ela, impacta diretamente a capacidade de concentração das gerações mais jovens. “É quase impossível ver os jovens se concentrando em um filme”.

O uso excessivo das plataformas de redes sociais vem colocando em risco a saúde mental de milhares de brasileiros. De acordo com dados do estudo Panorama da Saúde Mental 2024, realizado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, 45% dos casos de ansiedade em jovens de 15 a 29 anos estão relacionados ao uso intensivo dessas plataformas. Ainda de acordo com a pesquisa, 65% dos entrevistados enfrentam dificuldades emocionais em algum grau, incluindo não só a ansiedade, mas também a depressão.

Caio Giannini também adverte para os perigos da crescente dependência das plataformas digitais. “Eu vejo isso de uma maneira inicialmente positiva. Obviamente, o receio nasce quando as coisas começam a sair do controle. É importante que a gente tenha canais de comunicação com os consumidores, mas que não fiquemos reféns destes canais, porque vemos que as pessoas em boa parte optam por apenas consumir passivamente conteúdo e pouco interagem ou mesmo refletem criticamente sobre o que chega”.

“O engajamento nas redes online cria um ambiente onde as pessoas se comunicam, mas o crescente vício digital e o controle das plataformas geram problemas”, completa. Apesar de reconhecer a importância da comunicação nas plataformas, Giannini se mostra cauteloso, afirmando que “pensando com a mentalidade de um publicitário, enxergo isso com um pé atrás”, temendo que o domínio das plataformas sobre o processo de comunicação possa limitar a liberdade digital.

Engajamento pela controvérsia

Um dos pontos centrais do comportamento nas plataformas sociais no Brasil, segundo Andrade, é o engajamento gerado por temas controversos. “O engajamento acontece pelo amor ou pelo ódio. Ou eu gosto muito de algo e quero compartilhar, ou eu furo minha bolha para manifestar repulsa”, afirma. Exemplos disso são visíveis em casos recentes como o Grammy, onde disputas entre artistas e seus respectivos fãs geraram grandes polarizações, com muitos usuários expressando opiniões extremas sobre os vencedores.

Outro exemplo claro é o Big Brother Brasil, cujas edições sempre geram um engajamento massivo, seja para apoiar participantes, seja para criticar comportamentos dentro do programa. Ela ainda explica que essa polarização é alimentada pelas próprias plataformas, que incentivam a produção de conteúdos polêmicos, porque geram mais reações.

Giannini também alerta para os malefícios desse processo, citando como exemplo o modelo de negócios das plataformas, que alimentam bolhas de informações que reforçam crenças já consolidadas. “As plataformas desenvolvem formas de nos apresentar apenas conteúdos referentes àquilo com o que concordamos ou que, de acordo com os cálculos das plataformas, temos maior probabilidade de gostar. Assim acontece a manipulação algorítmica”, afirma.

Um mapa mundi como pano de fundo para os ícones de algumas mídias digitais, apontadas por uma mão e circulando um megafone
Mohamed Hassan/Pxhere

A Influência do Público Brasileiro no X de Elon Musk: Implicações para a Plataforma

Para a professora Luciana Andrade, o Brasil tem um papel fundamental no ecossistema das plataformas, como demonstrado pelo impacto que o público brasileiro tem no uso do Twitter, atual X, mesmo após a compra da plataforma por Elon Musk. “O Brasil é um país crucial para o Twitter. Quando o Supremo Tribunal Federal [STF] decidiu suspender o uso da plataforma no Brasil, ficou claro que a ausência do público brasileiro afeta diretamente o engajamento e a sustentabilidade da rede”, afirma.

Giannini também faz referência ao papel das plataformas em influenciar o comportamento público. Ele comenta sobre o Google, que usou sua influência para direcionar a opinião pública em relação à proposta da PL 2630 em 2023. “Este foi um claro caso de uma empresa com muito interesse em ver a atividade de plataformas não passar por qualquer regulação que ameace seus lucros atuar para direcionar a opinião popular”, diz. Para ele, a ação das grandes corporações nas mídias sociais tem impactos profundos na opinião pública.

Desinformação e a falta de regulação

Andrade e Giannini concordam sobre os perigos da desinformação nas mídias sociais. A professora alerta que a falta de regulação permite o crescimento de conteúdos falsos, que se espalham com facilidade. “Não se trata de censura, mas de uma regulação que proteja o público de desinformação e da manipulação digital”, afirma Luciana Andrade .

Giannini, em sua análise, também critica o comportamento coletivo de compartilhar conteúdos sem verificar a veracidade das informações. “A gente rola a timeline da plataforma e vê uma coisa que se alinha com a nossa forma de pensar. A gente imediatamente compartilha sem olhar mais aprofundadamente de onde veio a informação, não se preocupa em saber quem fez aquilo e nem quais os interesses por trás daquilo. A gente apenas compartilha. Assim, a desinformação circula como fogo em mato seco”, diz Giannini.

Tanto Andrade quanto Giannini também destacam o impacto psicológico que o consumo excessivo de conteúdo nas mídias sociais pode causar, especialmente em relação à violência digital. Andrade lembra que a exposição a conteúdos violentos tem se tornado uma realidade para muitas pessoas, com impactos negativos na percepção da realidade. “Hoje, com o celular na mão, qualquer pessoa tem acesso a cenas de crimes e tragédias em tempo real. Isso modifica a maneira como as pessoas percebem a realidade, criando uma conexão direta com a violência”, diz ela.

Giannini complementa, ressaltando os impactos na saúde mental, especialmente em adolescentes, devido à superexposição nas plataformas. “A exposição prolongada a telas, especialmente o consumo de informação em plataformas sociais, gera impactos negativos na saúde mental dos usuários, como ansiedade, depressão e baixa autoestima”, afirma. 

Lançada neste ano pela Netflix, a minissérie de drama britânica “Adolescência”destaca como as redes sociais podem ser um terreno fértil para a disseminação de desinformação. Na trama o jovem Jamie Miller, de 13 anos  é acusado de matar a sua colega de escola, Katie Leonard. A série explora a complexidade da fase adolescente, onde a busca por identidade e pertencimento muitas vezes se mistura com a pressão de manter uma imagem idealizada nas redes sociais, levando a consequências dramáticas, como a amplificação de rumores e informações distorcidas.”

O Futuro das Redes Sociais no Brasil: Preocupações e Tendências

Sobre o futuro das plataformas sociais no Brasil, Giannini é pessimista, especialmente em relação ao controle das grandes corporações sobre os dados e as informações. Ele observa: “A eleição de Donald Trump evidenciou que quando um bilionário, como o dono do Twitter, atua, pode influenciar muito mais do que os seus negócios e resultados. Isso deixou outros bilionários mais animados; o que nunca é bom.” Ele também alerta para as mudanças nas políticas de moderação de conteúdo, como as feitas pela Meta, que podem agravar a disseminação de desinformação.

Andrade, por outro lado, acredita que as redes sociais continuarão a ser um reflexo da sociedade brasileira, ampliando tanto suas virtudes quanto seus vícios. Ela observa que a regulação das plataformas é necessária para garantir que as dinâmicas digitais não sejam prejudiciais para a sociedade como um todo.

Reportagem de João Pedro Guido e Rayssa Moura.

Leia também: Arte mediada por telas: mídias sociais impactam a experiência em museus?


Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário

Instagram

Instagram has returned empty data. Please authorize your Instagram account in the plugin settings .

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.