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Bandas de K-pop retornam ao Brasil, mas ainda se concentram no eixo Rio-São Paulo

Aumentam expectativas dos fãs para participar de espetáculos no país, após o longo período da pandemia.

A indústria do pop coreano acumula recordes mundiais com números exorbitantes de visualizações em videoclipes e audiência em lives no Youtube. O grupo BTS, um dos mais conhecidos, quebrou o próprio recorde de 101,1 milhões de visualizações com o clipe Dynamite após o lançamento de Butter, que conseguiu mais de 108 milhões de views em apenas 24 horas. Após os anos de isolamento social na pandemia, em 2023, os fãs encaram a expectativa de espetáculos presenciais com artistas coreanos, e a agenda no Brasil já está intensa.

O apego aos artistas pode acontecer antes mesmo do debut (o lançamento do grupo para o público), então, por vezes, os fãs se interessam ainda durante o período de treinamento dos ídolos. Outro fator importante para a construção do apego é a frequência de lançamentos, como por exemplo: em 2020 a Twice realizou duas entregas de álbuns, More & More que saiu em junho, e Eyes Wide Open, lançado em outubro.

Fandom é um termo que pode ser traduzido como “fã-clube”. É usado para se referir a um grupo de pessoas que são fãs de determinado conteúdo em comum, como filmes, séries, livros e artistas. Os fandoms tem uma forte presença online e em redes sociais online, ajudando a impulsionar o artista/conteúdo.

Entrada no fandom

Para Letícia Mendes, de 21 anos, o envolvimento com a cena do fandom de k-pop surgiu de forma gradual a partir do consumo de cultura midiática asiática. A estudante de Jornalismo conta que a sua porta de entrada foi o mangá japonês Sukitte ii na yo, que foi adaptado para o dorama – um seriado asiático. Do dorama japonês, ela começou a consumir doramas coreanos e a se interessar pela trilha sonora, que muitas vezes era composta por k-pops. A primeira banda que conheceu foi a Day6, e, a partir daí, começou a ouvir outros grupos. Hoje, Letícia acompanha a Day6 e o grupo Seventeen, que tem como fandom os Carats.

Treze homens jovens em roupas sociais enquanto vários telefones estão no primeiro plano com as câmeras ligadas.
Grupo Seventeen em coletiva de imprensa | Openverse

Já para Kauany Rezende, de 22 anos, o caminho foi diferente. A dentista conta que se interessou pela cena com o consumo de vídeos de coreografia. A partir do algoritmo de recomendação de canais brasileiros no YouTube, ela chegou ao canal One Million, de um estúdio de dança da Coreia do Sul: “Eu acabei um dia ouvindo uma música em uma dança que eles estavam fazendo e aí eu conheci o BTS. Foi a partir desse momento que eu gostei das músicas, gostei das coreografias e entrei nesse meio, por volta de 2016”. Hoje, ela continua sendo fã do BTS, mas também curte e acompanha os grupos Twice e Mamamoo, girl groups de sucesso.

A indústria musical do k-pop, além de investir bastante em conteúdos midiáticos e espetáculos, permite grande proximidade na relação fã-artista, através de plataformas exclusivas para fãs, como a Amino. Nesses sites e aplicativos, os idols, que são como os artistas coreanos são conhecidos, promovem lives de interação com o fandom. Eles disponibilizam, por exemplo, transmissões ao vivo enquanto fazem produções musicais ou até mesmo quando estão apenas jantando. Para Letícia Mendes, essa é uma grande diferença em relação aos artistas do pop estadunidense.

“Eu acredito que [é diferente] pela quantidade de conteúdo que eles produzem o tempo todo, sabe? É um contato muito constante, uma grande diferença com relação aos artistas do pop estadunidense, porque não tem tanto essa questão dessa proximidade, esse contato com os fãs. Por exemplo, no Seventeen, que é o grupo que eu acompanho, são treze integrantes. Então, por mais que tenham uns que são mais tímidos, que não postam tanto conteúdo assim, são treze pessoas, e a todo momento tem uma foto nova, alguma música nova, um projeto solo”, conta Letícia. Para ela, o conteúdo a todo tempo provoca uma necessidade do consumo para quem acompanha, que cria um apego e, consequentemente, uma proximidade.

Outra possibilidade para essa proximidade é a caracterização dos idols como personalidades acessíveis para além do conteúdo. Kauany Rezende conta que os artistas do BTS, grupo que mais acompanha, produzem conteúdos que permitem que os fãs se identifiquem com eles, como o quadro do YouTube Run BTS em que os membros do grupo registram bastidores, jogos e interações semanais entre a equipe, além da proximidade com a linguagem falada diferente do coreano.

Kauany acredita que há um esforço por parte dos próprios artistas para que a proximidade não seja indireta, uma vez que a língua materna da maioria dos integrantes é o coreano. “Não eram todos que falavam inglês na época [do início da produção em vídeo para o YouTube]. Hoje eles estão um pouco melhores nisso. Eles se comunicam em uma língua muito diferente de parte do fandom e, como eles não falavam inglês, a comunicação ficava mais difícil. Eu percebi deles um esforço mesmo pra deixar uma coisa mais próxima, menos indireta, sabe?”

Com o isolamento social e a mudança abrupta de estilo de vida durante os anos de 2020 e 2021, o contato em redes se intensificou em todas as tribos, principalmente entre os fãs de pop coreano. Letícia e Kauany compartilham da mesma vivência: as mídias sociais permitiram com que o consumo dos conteúdos midiáticos de suas bandas favoritas fosse intensificado e, consequentemente, o apego emocional.

“Na verdade, a pandemia foi o período que eu fiquei mais apegada ao Seventeen, porque eu fiquei em casa o tempo todo. Eu estava tendo aula online mas, fora isso, fora os estudos, eu não fazia nada, então eu acabei voltando mais pras redes sociais e acompanhando mais ainda o grupo, que produzia conteúdo o tempo todo”, compartilha Letícia.

Fãs como atores sociais

O k-pop traz consigo não apenas ídolos, como também consciência social. É comum ver em discussões internas do fandom assuntos ligados à saúde mental e física, críticas à indústria, e incentivos para ações comunitárias fora do cenário digital.

Em 2016, fãs do grupo B.A.P organizaram-se para arrecadar fundos para a construção de uma escola em Gana, na África. A quantia ultrapassou o valor estimado de 25 mil dólares e, em 2018, a escola nomeada B.A.P Town teve suas obras concluídas e foi inaugurada.

Já em 2020, no Brasil, o Army Help The Planet, organização de fãs do grupo BTS, arrecadou mais de R$40 mil para ajudar na luta contra os incêndios no pantanal. Além da campanha Army contra a fome, realizada em junho de 2021 em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e a Fundação de apoio a Fiocruz (FIOTEC), que arrecadou R$60.209,00 os quais foram convertidos para 1270 cestas básicas destinadas às famílias em situação de vulnerabilidade social.

Twice se apresentando em SAC 2016 | CC Search

2023 traz espetáculos presenciais, mas shows ainda são inacessíveis

Em turnês internacionais, as maiores cidades brasileiras têm prioridade na escolha de sede de espetáculos. O eixo Rio-São Paulo é a prova disso. Em 2019, quando o BTS realizou a tour “Love Yourself: Speak Yourself”, foram escolhidas duas datas na cidade de São Paulo e, em 2017, o mesmo aconteceu com a “The Wings Tour”. Para um fandom tão numeroso quanto os Armys, a preferência por São Paulo pode prejudicar a experiência de fãs que moram no interior do país.

Para Kauany, apesar de entender a questão logística de tentar vender o máximo de ingressos possível, seria interessante a diluição de cidades para que um público mais diversificado possa atender aos shows. “Eu acho que facilitaria, porque às vezes é inviável a gente sair de um estado para ir para outro, pagar transporte, pagar estadia, o valor do ingresso. E aí muitas pessoas acabam deixando de ir. Não é todo mundo que tem a oportunidade de encaixar na rotina uma viagem assim. Tem a questão da data, às vezes fica difícil, a pessoa trabalha, só consegue no final de semana, tem que voltar correndo, é até um pouco cansativo”, comenta. A dentista acredita que, com a promoção de shows em outros locais, a experiência de fãs de outras metrópoles brasileiras, como Belo Horizonte, pode ser mais acessível e menos cansativa.

A visão de Letícia é bem similar. Para ela, é importante considerar a realidade financeira do público que, mesmo não tendo fácil acesso a São Paulo e Rio de Janeiro, compõe grande parte do fandom. Usando o Seventeen como exemplo, a estudante de jornalismo conta que, se o grupo fizesse um show em Belo Horizonte (sua cidade), ela faria um esforço de deslocamento e financeiro, mas seria acessível para ela. Já em São Paulo, o cenário é diferente: “É uma coisa bem inviável pra mim, sabe? Eu não tenho como me deslocar para outro estado só pra poder assistir o show. Por mais que seja um grupo que eu goste muito que eu acompanho muito é uma coisa fora da minha realidade, mas se fosse aqui seria muito melhor”.

Mas para quem não pode viajar, há esperança de vivenciar um show ao vivo de k-pop na capital mineira. Para maio de 2023, o grupo coreano MCND anunciou passagem pelo Brasil na turnê MCND WORLD ADVENTURE 2023 pelas cidades de Belo Horizonte e Porto Alegre. Nesta segunda visita ao país, o quinteto propõe um show com ingressos a valores acessíveis e outros a preços sociais a partir de doações de ração para ONGs de cães e gatos. A expectativa é que a vinda dos artistas para outras cidades do Brasil possibilite uma nova visão aos promotores culturais do k-pop, com novos locais e públicos de interesse.

Mas para quem não pode viajar, há esperança de vivenciar um show ao vivo de k-pop na capital mineira. Para maio de 2023, o grupo coreano MCND anunciou passagem pelo Brasil na turnê MCND WORLD ADVENTURE 2023 pelas cidades de Belo Horizonte e Porto Alegre. Nesta segunda visita ao país, o quinteto propõe um show com ingressos a valores acessíveis e outros a preços sociais a partir de doações de ração para ONGs de cães e gatos. A expectativa é que a vinda dos artistas para outras cidades do Brasil possibilite uma nova visão aos promotores culturais do k-pop, com novos locais e públicos de interesse.

Confira a agenda cultural:

Uma pesquisa de conclusão de curso realizada por Laiza Kertscher no curso de Jornalismo na PUC Minas, intitulada “A imagem na indústria fonográfica: como o k-pop conquistou o mercado da música ocidental”, aponta que o gênero foi construído dentro do ideal de uma sociedade espetacularizada e se apoiou na imagem de seus artistas para conquistar destaque para além das fronteiras sul-coreanas, com a utilização do advento da tecnologia.

Colaboração entre Giovanna de Souza e Bel Rigueira

Giovanna de Souza

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