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Sem controle da pandemia, crianças permanecem em casa e têm psicológico afetado

A presença do coronavírus circulando entre nós há um ano colocou em pausa o progresso nos processos de ensino-aprendizagem nas escolas, e nem todos os alunos se adaptaram facilmente ao novo “normal”. A mudança de rotina repentina em famílias com crianças e adolescentes alterou não só o comportamento e as dinâmicas de convivência em casa, como também foi responsável por uma mudança drástica no psicológico, com a ausência das aulas presenciais.

De acordo com Renata Moreira, psicóloga da clínica Mentes Funcionais, professora, escritora, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e formada em Terapia de Esquemas, o quadro psicológico das crianças sofreu um retrocesso significativo.

“Quando a gente priva as crianças da escola, a gente tira delas grande parte da sua base social. O isolamento pode causar estresse que, consequentemente, aumenta os níveis de cortisol no organismo. Assim, as crianças desenvolvem a hipervigilância, criando pensamentos negativos; têm maiores tendências à hiperatividade; se tornam mais impulsivas e apresentam dificuldade em controlar os seus impulsos, além de dificuldades intelectuais.”

Renata Moreira, sobre as consequências do isolamento social

Pesquisa procura compreender os efeitos do isolamento em jovens

A Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vem conduzindo um estudo para compreender as mudanças de rotina das crianças e adolescentes do Brasil durante a pandemia da covid-19 e os impactos em relação à saúde mental dessa população.

Feito através de um formulário que pode ser preenchido online por pais com filhos entre 6 e 17 anos, a pesquisa recolhe dados que ajudam na compreensão dos sintomas de esgotamento mental infanto-juvenil durante a pandemia.

Os pais são os primeiros a notar essa mudança comportamental, já que passam o dia inteiro interagindo com as crianças. Para muitos, o primeiro sinal se manifesta de imediato na forma com que se comunicam ou, em muitos casos, deixam de se comunicar.

De acordo com o professor de francês, Max Morar, que vem trabalhando de casa desde o início da pandemia, a atitude alegre e curiosa de sua filha de três anos foi se tornando cada vez mais distante do que era.

“Quando a pandemia começou e as escolas foram fechadas, eu percebi uma mudança na falta de vontade dela de se comunicar com a gente. Ficava mais quietinha, não queria brincar tanto”. Ele ainda completa: “ela ficava com saudade de ir aos lugares que íamos normalmente, gostava muito de ir na livraria e mexer em tudo mas, com o isolamento, tivemos que parar. Ela perdeu um pouco a espontaneidade de antes.”

Max Morar, sobre a mudança comportamental da filha

A psicóloga Renata Moreira enfatiza a importância da socialização para a saúde mental:

“A escola é um ambiente de convívio e de interação, ela faz com que a criança treine disciplina e saiba lidar com frustrações. É lá que ela vai desenvolver tolerância e vai ter a oportunidade de se tornar autoconfiante. As crianças precisam de uma das outras para constituir todo esse senso.”

Sem a vacinação em massa ou, pelo menos, o controle da disseminação da covid-19, a volta para o ensino presencial oferece riscos de contaminação para funcionários, e estudantes que, submetidos à aglomeração, estariam mais suscetíveis ao contágio, podendo infectar outros membros de suas famílias. 

A vacinação

Com a chegada das vacinas, houve uma grande esperança da população para um possível retorno à “vida normal” – incluindo a volta das aulas presenciais – mas a campanha de vacinação nacional contra a covid-19 enfrenta inúmeros obstáculos.

O primeiro mês de vacinação contra a covid-19, contou com somente 12 milhões de doses, que atenderia a apenas uma porcentagem de 3% da população brasileira, o equivalente a 6 milhões de pessoas, diferente de outros países, que investiram nessa compra antecipada e puderam distribuir com mais eficácia entre seus habitantes.

Em entrevista à BBC Brasil em fevereiro de 2021, o professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina Neto, que também é fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) afirmou que o Brasil teria condições de ter uma oferta muito maior de vacina, se tivéssemos feito o que outros países fizeram:

“O Chile hoje tem três doses de vacina por habitante, só que ele começou a comprar a vacina em setembro”.

Gonzalo Neto, sobre a compra das vacinas

Para o professor Vecina Neto, o governo não foi eficiente em sua gestão ao optar por não comprar as doses das vacinas o quanto antes.

“Nós não começamos a comprar a vacina cedo. O governo federal não fez nenhuma aposta. Se não fosse pelo Butatan e a Fiocruz [respectivamente, responsáveis no país pelas vacinas CoronaVac e Oxford-AstraZeneca] não teríamos nenhuma vacina”.

Foi confirmado pelo presidente Jair Bolsonaro, na quinta (4), a compra da vacina da Pfizer, contra a covid-19. O presidente afirmou que a aquisição das vacinas foi possível depois de o Congresso aprovar o projeto que autorizou a União a assumir responsabilidade por possíveis efeitos colaterais provocados pelas doses.

Nova variante e estudos em casa

Na expectativa para a compra e distribuição em massa de vacinas, autoridades e instituições de ensino se mobilizaram para desenhar protocolos sanitários de volta às aulas. Em Minas Gerais, a proposta é que o retorno seja gradual, com o ano letivo marcado para começar no dia 8 de março. A insegurança e falta de determinação em relação a um possível retorno aumenta as chances de crianças desenvolverem sequelas permanentes, como transtorno de ansiedade generalizada, ansiedade de separação, ataques de pânico, transtorno de estresse pós traumático, o que já indica o que especialistas chamam de uma 4ª onda da pandemia, a do adoecimento mental.

Ainda em dezembro de 2020, a UNICEF divulgou uma nota pública sobre a preocupação com a saúde mental e física de crianças e adolescentes, afastados das escolas após quase 10 meses de pandemia. Na nota, o órgão indica que foram registrados altos índices de mudança de humor, insônia, perda de apetite e perda considerável de interesse em atividades que antes eram agradáveis.

UNICEF / Chris Farber

A volta às aulas presenciais pelo mundo

Com registro de picos de novos casos de coronavírus pelo mundo, o processo de retomada às aulas vem oscilando em  outros países. Na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, as escolas que reabriram em novembro de 2020 precisaram fechar novamente. A metrópole, até aquele momento, já somava mais de 23 mil mortes pela doença, o que fez com que o governador Andrew Cuomo, declarasse o fechamento em massa de todos os estabelecimentos.

Já em 2021, o novo Presidente, Joe Biden, declarou querer a maioria das escolas abertas em seus primeiros 100 dias de mandato. No entanto, cidades como Nova York, Los Angeles e Chicago, com altos índices de morte por covid-19, têm planos para reabrir gradualmente, ao mesmo tempo em que muitos pais ainda temem pela contaminação. 

Com a recente descoberta de uma nova variante, que está se espalhando pelo estado de Nova York, os casos de infectados voltaram a aumentar. De acordo com informações divulgadas pelo jornal The New York Times, a variante, nomeada de B.1.526, foi classificada como mais perigosa por unir dois tipos de mutação, um que parece ser mais resistente às vacinas (E484K) e outra que demonstra uma capacidade maior de aderir às células humanas (S477N), aumentando, assim, sua transmissibilidade.  

Com isso, os índices de homeschooling (estudo domiciliar) vem crescendo muito nos Estados Unidos, além de Nova York, o que indica que pais ainda se sentem  inseguros para permitir uma volta presencial de seus filhos às escolas.De acordo com uma estimativa feita pela National Home School Association (Associação Nacional de Educação em Casa), divulgado pelo portal Uol, em fevereiro, “o número de crianças que recebem aulas em casa nos Estados Unidos passou de entre quatro e cinco milhões em 2019 para quase 10 milhões no ano passado, de acordo com estimativas da NHSA”.

No Brasil, com um possível retorno às aulas presenciais à vista na cidade de Belo Horizonte, o foco deverá ser muito além do que apenas a educação. As escolas deverão se preparar para receber os alunos já fragilizados e vulnerabilizados pelos efeitos da pandemia. A psicóloga Renata Moreira afirma que, “as crianças não vão voltar para escola da mesma maneira que saíram. Vai ser necessário um período de adaptação onde as escolas vão ter que promover programas sócio educacionais e sócio emocionais, para que as crianças possam receber um amparo para as questões psicológicas, para que daí elas possam seguir em frente juntamente com o apoio das famílias.”

Perigo iminente

Sem dar trégua, o Brasil se encontra atualmente em uma das piores fases já registradas na pandemia. Com 1.840 mortes registradas na última quarta (3), a perspectiva de reabertura das escolas ainda traz muitas dúvidas. 

Criada para fiscalizar escolas de todo o estado de Minas Gerais, o Sind-REDE/BH divulgou no dia 22 de fevereiro uma carta aberta ao público e às comunidades escolares, explicando os motivos que fundamentam a posição contrária ao retorno presencial das escolas.

Na carta, os responsáveis apontam os altos índices de contágio no estado, e defendem que uma volta definitiva seria uma grande irresponsabilidade já que, sem o controle devido da pandemia, não haveria um retorno seguro de alunos e funcionários.

Os novos protocolos de saúde serão suficientes?

Dimitris Rapakousis

Em 17 de fevereiro, vereadores de Belo Horizonte visitaram colégios municipais da capital para averiguar a real condição do retorno às aulas. Porém, a primeira impressão não foi positiva. Os camaristas apontaram diversos quesitos que precisam ser resolvidos para que, de fato, possam ocorrer as aulas presenciais. 

“No momento, é impossível a volta às aulas neste colégio devido às condições de estrutura, como distanciamento nas salas de aula e bebedouros sem as devidas medidas de segurança para evitar o contágio”

Disse o vereador Rubão, do PP, ao Estado de Minas.

No dia seguinte à visita dos vereadores nas escolas, a Comissão de Educação da Câmara Municipal promoveu uma audiência pública para o debate do retorno das aulas. A discussão abordaria o que a Prefeitura de Belo Horizonte, de fato, estaria fazendo para que as medidas de segurança fossem adotadas e o processo do retorno das aulas presenciais avançasse. Porém, a Secretária Municipal de Educação, Ângela Dalben, não compareceu ao encontro com os representantes. 

É muito difícil a decisão. Mesmo compreendendo claramente a necessidade real de que as nossas crianças voltem para as escolas, tendemos a esquecer as consequências que podem ser causadas. Todos esses questionamentos me levam a crer que pagaremos uma conta alta no futuro, pela educação dos nossos filhos e vejo que ainda não é o momento para que as crianças voltem às escolas.”

Lucilene Carvalho, mãe, sobre o possível retorno das aulas presenciais
Divulgação CMBH

Alexandre Kalil

Em janeiro, após comunicado oficial de que o comércio reabriria de forma integral e seguindo os protocolos de saúde, Alexandre Kalil também mencionou que as aulas poderiam ter seu retorno em março. No mesmo dia da audiência, após reunião no Tribunal de Justiça, porém, ele disse:

“Fortaleza fechou as escolas de novo. Então, vamos tomar exemplo. Quem manda na volta às aulas não é a pedagogia e, sim, a saúde”, disse ele.

ALEXANDRE KALIL

O Prefeito também ressaltou que a ausência de sua Secretária de Educação não condiz com a mesma:

“E eu acho que a professora Angela não está nesta audiência, inclusive. Porque isso não é um assunto de pedagogia, isso é um assunto de saúde. Então, se alguém tivesse que ter sido chamado lá era o secretário de saúde e, não, o de educação.”

Kalil, sobre a audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte

A posição das escolas diante do retorno às aulas presenciais

Diretora, pedagoga e professora de uma escola de educação infantil em Belo Horizonte, Vânia Márcia comenta sobre a situação:

“Quanto mais atrasar o processo do retorno das aulas presenciais, mais a parte pedagógica fica comprometida e prejudicada, em razão da precariedade do ensino remoto e do interesse dos alunos em relação ao aprendizado. E essa é a nossa maior preocupação, o déficit de aprendizado”, afirma.

Além disso, um pré-protocolo com normas sanitárias já está definido desde novembro de 2020. Mesmo ainda pode passar por alterações em função  do avanço dos estudos do coronavírus, conforme alguns infectologistas que acompanham o vírus na capital mineira. Como por exemplo, Estevão Urbano, que comenta a situação atual.

“É tudo muito relativo. Se estiver na zona verde, mas com tendência a aumento, pode ser que as escolas não abram. Por outro lado, se ela estiver na zona laranja, com tendência à queda, pode-se abrir. Então, são uma série de fatores que são considerados ao mesmo tempo.”

Disse Estevão Urbano, infectologista membro do Comitê Municipal de Combate à Covid-19, ao ‘G1’.

A expectativa para o retorno às aulas presenciais

De acordo com a regulamentação disponível até o momento, deverá ser respeitado o máximo de 12 alunos por sala, com distanciamento de 2 metros. As turmas deverão ser divididas em subgrupos e os dias, horários e turnos, escalonados. O protocolo também recomenda a realização de aulas em ambientes ao ar livre. Mesmo assim, as regras sugeridas não se assemelham às do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), que questiona a “falta de diálogo” com o poder público. Vânia ainda rechaça o poder do distanciamento social:

“Teremos que dividir as turmas e, adaptá-las também, aos protocolos de sala de aula. Mas para a escola será muito mais despesas por ter que aumentar o quadro de colaboradores. Felizmente ou não, é o preço que pagamos. Para as crianças, uma questão não tão preocupante, mas para os adultos, um estresse total.”

A diretora crê que o retorno esteja próximo e admite que o imbróglio, sendo tratado com respeito e prudência, seja ainda mais facilitador para que as aulas retornem com segurança. 

“Muitas escolas optaram por fechar ao invés de enfrentar esse desafio. É um período de incertezas e de inseguranças, até mesmo com os novos protocolos. Será que realmente vai funcionar? Ou vamos ficar abrindo e fechando nos altos e baixos da pandemia? Seria pior ainda para o emocional dos nossos alunos”, conclui

Vânia Márcia

Reportagem desenvolvida por Marcio Pereira e Stela Cambraia, monitores de Jornalismo do Colab.
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