Colab
Pitangui comemorando título de campeonato amador Sub-15 Foto: acervo várzea BH

As múltiplas faces do futebol amador na capital mineira

Personagens compartilham suas histórias em torneios de várzea em Belo Horizonte

Belo Horizonte tem tido um crescente movimento de valorização do futebol amador se tornando um verdadeiro celeiro de talentos em suas divisões inferiores, revelando atletas que muitas vezes não possuem acesso aos mesmos recursos ou oportunidades dos profissionais. O futebol amador em BH é praticado por diversas faixas etárias, desde jovens que sonham em chegar aos grandes clubes, até veteranos que mantêm viva a paixão pelo esporte nas categorias de masters e veteranos.

Foto em preto e branco de um atleta correndo em campo
Gabriel Pinheiro em atividade em cmapo pelo Nacional. Foto: Acervo pessoal/Gabriel Pinheiro.

Além da participação em campeonatos regionais e torneios intermunicipais, a cidade se destaca por sua infraestrutura, com campos de várzea e centros de treinamento espalhados por diferentes bairros. O apoio das comunidades locais e a realização de campeonatos de bairro fortalecem esse cenário, promovendo a integração social e o fortalecimento de laços entre os moradores. Em distritos como Santa Tereza, Barro Preto e Venda Nova clubes amadores chamam a atenção tanto pela qualidade técnica quanto pelo espírito de coletividade, essencial para o bom andamento do esporte nas divisões menores.

A visibilidade dos torneios amadores em Belo Horizonte é garantida pela presença de ex-jogadores de clubes profissionais e até treinadores especializados, que buscam recrutar talentos para as categorias de base. Com isso, o futebol amador na capital mineira tem se consolidado como porta de entrada para o futebol profissional, ao mesmo tempo em que promove saúde, inclusão social e diversão entre comunidades locais.

Gabriel Pinheiro, de 21 anos, é um desses ex-atletas profissionais que regressaram a várzea. Em entrevista ao Colab, o jogador com passagens por clubes como Brasil de Pelotas, Farroupilha (RS) e Goiânia, revelou que um conflito no vestiário envolvendo tentativa de suborno e esquema de apostas, motivou seu retorno ao futebol amador:

Paixão que une comunidades

A organização de campeonatos de futebol amador em BH é uma tarefa dura, geralmente liderada por voluntários apaixonados pelo esporte. Ligas regionais, como a Liga de Futebol Amador de Belo Horizonte, mobilizam centenas de equipes, integrando bairros e fomentando a cultura esportiva.

Os organizadores enfrentam desafios que vão desde a manutenção dos campos até a captação de recursos para premiações e uniformes. O envolvimento de patrocinadores locais, como comércios e empresas, é essencial para viabilizar os torneios. Além disso, a logística dos jogos – com arbitragem, tabelas e divulgação – exige planejamento detalhado.

Esses campeonatos não são apenas um palco para talentos em potencial, mas também eventos que promovem a convivência social. As partidas reúnem famílias, fortalecem laços comunitários e resgatam histórias de bairro. “O futebol amador é mais que um esporte; é a alma das nossas comunidades”, afirma João Martins, organizador de um torneio tradicional na região do Barreiro.

Enquanto cresce o interesse por digitalizar tabelas e transmissões, o coração do futebol amador ainda pulsa na simplicidade dos encontros semanais, nos quais cada jogo é um evento que mantém viva a paixão pelo esporte em Belo Horizonte.

Entre o amor ao esporte e os desafios do campo

No futebol amador em Belo Horizonte, os árbitros, muitas vezes moradores das próprias comunidades, desempenham um papel desafiador: garantir a lisura dos jogos enquanto lidam com a pressão das torcidas e jogadores. 

Sem o luxo dos estádios profissionais, os campos amadores demandam que os árbitros sejam versáteis e resilientes. A maioria trabalha por paixão pelo esporte, recebendo remunerações simbólicas. O desafio cresce quando faltam recursos para equipamentos adequados ou até mesmo segurança. “Infelizmente, no Brasil tem a cultura de se agredir a arbitragem em caso de mau resultado”, relata Henrique Lima, árbitro com 20 anos de atuação nos campeonatos amadores, que já passou por diversos na capital mineira, como Copa Centenária, Campeonato de Pelada (CDP) e Desafio de X1. 

Ainda assim, muitos deles se destacam por seu compromisso, contribuindo para a formação de jovens atletas e mantendo viva a chama do futebol de várzea. Projetos de qualificação para árbitros amadores, promovidos por ligas comunitárias, ajudam a profissionalizar a atuação e reduzir conflitos em campo, mostrando que o futebol amador não é apenas jogo, mas também disciplina e aprendizado.

Patrocinadores, projetos e novas modalidades

Gabriel Gurgel (Gaba) é um dos organizadores do Campeonato QGBet de Pelada (CDP), torneio de futebol amador criado em 2017. Ele conta que o CDP surgiu de forma espontânea, através de uma resenha entre amigos, e hoje, através dos patrocinadores, é possível realizar um torneio bem organizado. 

“Evoluímos muito em comparação às primeiras edições. Os nossos parceiros comerciais QGBet e Vanfall Destilaria desempenham papel fundamental para essa evolução do campeonato, o apoio deles faz toda a diferença”, reforça Gaba.

Três mulheres jogando futebol
Futebol feminino em edição do CDP
Foto: acervo CDP

Formado em publicidade pela PUC Minas, Gabriel é responsável pela divulgação e marketing do CDP e conta com a parceria de mais dois amigos: um deles é responsável pela logística, marcação de campo e arbitragem, enquanto o outro cuida da parte financeira.

O trio já organizou até seis edições do torneio durante um ano. Hoje, é realizada apenas uma edição anual que reúne 36 times, divididos nas séries ouro e prata. 

“Nossa ideia é abranger outras modalidades, como futevôlei e futsal. Conseguimos realizar uma edição da modalidade feminina, é algo que estamos inserindo no calendário anual do torneio para incentivar”, acrescenta Gaba.

Infraestrutura

As infraestruturas para o futebol de várzea são, em sua maioria, simples e adaptadas à realidade local, refletindo a força comunitária e a paixão pelo esporte. Campos de terra ou gramados naturais, muitas vezes sem cercamento ou arquibancadas tradicionais, são comuns. 

Vestiários improvisados, ausência de iluminação adequada e manutenção limitada fazem parte do cenário. Apesar das limitações, esses espaços desempenham um papel importante na promoção do esporte como ferramenta de inclusão social, oferecendo oportunidades de lazer e interação, especialmente em comunidades de menor renda. 

Gabriel Pinheiro, 20 anos, jogador profissional que se recupera de uma lesão jogando pelo futebol amador,  relata a diferença de infraestrutura do futebol profissional para o amador: “Eu ano passado quebrei o meu tornozelo esquerdo, recebi a melhor assistência, incluindo fisioterapia no clube, já saí direto pro raio-x. Se eu me machucar aqui, seria por conta própria, né? Então, tem essa discrepância pela estrutura que é montada”.

Dois jogadores de camisa vermelha e branca se abraçando comemorando um gol. Ao fundo, o atleta rival lamenta o acontecido
Jogador do Dream comemorando gol no CDP
Foto: acervo CDP

Divulgação e cobertura  

Apesar da importância do futebol amador para a cultura esportiva da capital mineira, a divulgação e a cobertura desse segmento ainda passam por dificuldades.

Uma maior atenção ao futebol amador não apenas fortalece a identidade esportiva local, mas também cria oportunidades econômicas para pequenos empreendedores e marcas regionais. A cobertura consiste em valorizar o esporte como ferramenta social, além de atrair olheiros e parcerias que podem mudar a vida de atletas que jogam no campinho de terra e sonham em se tornar  profissional.  

Com maior apoio público e privado, o futebol amador de BH tem potencial para crescer ainda mais, consolidando-se como força esportiva e cultural indispensável para a cidade.

O jornalista Fábio César é idealizador do portal Várzea BH, criado em 2017. O profissional relata seu ponto de vista sobre a falta de cabines para transmitir os jogos na várzea: “Eu acabei encontrando muita dificuldade e, no fim, precisei ficar do lado de fora do campo. Quando chove, a situação fica ainda pior, porque tem o risco de perder até algum equipamento. Não é fácil”.

Ele conclui: “A cobertura dos jogos é feita pelo site, porém, a falta de patrocínios e verbas dificulta o trabalho, que na maioria das vezes, é feito pelos times ou até mesmo com algum tipo de iniciativa privada”.

Jogadores de camisa preta e azul em conflito durante uma partida de futebol amador
Confusão generalizada em campo de várzea
Foto: Antonio Moraes

Falta de apoio e segurança

Com o crescimento do futebol amador em Belo Horizonte, a segurança é uma preocupação crescente no meio, especialmente nos campos de várzea, onde a falta de estrutura e apoio das autoridades torna o ambiente propenso a confrontos e brigas. Em muitas partidas, a presença de policiais ou de segurança privada é quase inexistente, o que aumenta o risco de desentendimentos entre jogadores e torcedores.

“Já presenciei várias situações de tensão, onde a falta de segurança agravou os conflitos no campo”, comenta Pedro Silva, coordenador de um torneio amador no bairro Prado. Além das disputas entre jogadores, há também o problema das brigas fora de campo, que envolvem torcedores e podem colocar em risco a integridade de todos os envolvidos.

A ausência de policiamento e de medidas preventivas por parte das entidades organizadoras torna-se um desafio para quem tenta preservar a integridade do esporte e de quem está envolvido com ele.

Muitas ligas amadoras tentam compensar essa lacuna com medidas internas, como o uso de câmeras de segurança e a presença de segurança particular, mas ainda é insuficiente. Para que o futebol amador em BH continue a crescer de forma saudável, é fundamental que haja mais apoio institucional, com a presença de forças de segurança nos jogos e a criação de protocolos de convivência que garantam a integridade física e emocional de todos.

Reportagem desenvolvida por Gabriel Saldanha, Guilherme Moreira, João Vitor Bedran, Luca Abreu, Lucas Guimarães, Lucas Villela e Pedro Ziller para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2024/2 sob a supervisão da profª Nara Lya Cabral Scabin.

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário