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Além do hit: a grande repercussão de tweets impede o bom proveito das plataformas?

Como a viralização da “menina do sorvete” abriu discussão sobre a banalização de pautas no Twitter?

Na era das plataformas, tudo pode viralizar: ter milhões de acessos e centenas de milhares de curtidas – e, com a repercussão, vem também o cancelamento. Com o acesso de tantos usuários, nem tudo são flores. É comum receber, em meio a comentários positivos, respostas de pessoas problematizando textos e posts banais, uma vez que o algoritmo de mídias sociais como o Twitter permite que conteúdos virais atinjam um grande número de pessoas. Foi o que aconteceu com Catharina Lima, 40, que, em abril de 2022, resolveu compartilhar no Twitter um presente que ganhou do pai – e acabou recebendo uma chuva de críticas.

A publicação, que conta com mais de 132 mil curtidas e mais de 3 milhões de impressões, recebeu uma enorme atenção por dias, porém, nem todos os comentários eram positivos. Catharina, que só queria compartilhar um gesto de cuidado que recebeu do pai após ter passado por um procedimento, foi xingada e criticada, e viu a publicação sair do seu controle. Um argumento recorrente dos usuários foi que a tuiteira era uma pessoa elitista, que não teve tato ao postar a foto dos sorvetes na internet, uma vez que muitas pessoas não têm condições de bancar a compra da marca Bacio di Latte – rede de sorvetes artesanais de alto padrão – e não têm uma figura paterna que agiria dessa maneira.

HxH (usuário) via Twitter: "Burguês é uma * mesmo né cara, vive numa bolha de alegria e conforto e quer compartilhar com os outros e ainda quer que os outros achem lindo e maravilhoso, se não é inveja do alecrim dourado merecedor. (Palavrão), esses 300 conto a gente demora várias semanas pra ganhar."
Iago (usuário) via Twitter: "Deve ser bom pra * ser playboy, zero preocupação com a vida real"
Lucas (usuário) via Twitter "É por isso que a sociedade tem criado um preconceito maior ainda com gente rica. Os * acham normal gastar R$200,00 conto em 2 L de sorvete, mano. Com esses mesmos R$200,00 eu comprava pelo menos uns 60 L de sorvete desses sem marca que vem num barril do Chaves"
Tweet 1 de ataque a Catharina
Tweet 2 de ataque a Catharina
Tweet 3 de ataque a Catharina
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Catharina, a @quasemiss no Twitter, conta que é usuária da mídia social desde 2010 e que está acostumada com contato com várias pessoas por tweets com grande alcance, mas nunca teve um engajamento tão grande quanto com o post dos sorvetes. “No dia seguinte ao tweet, entrei na publicação para ler os comentários e, ao ver tantas críticas, silenciei”. Ela conta que acabou vendo comentários maldosos mas que, por sua experiência de vida e na internet, não se preocupou em ler e, por consequência, não a afetou de forma negativa – felizmente, apenas se divertiu com os memes.

Agora, na internet, tudo o que você fala pode ser usado como crítica, e eu estava muito tranquila com meu ato. Eu simplesmente postei uma forma de carinho do meu pai, e sabia que não havia nenhum problema nisso.

Catharina Lima

Ao mesmo tempo em que pessoas questionavam e criticavam Catharina, eram repreendidas em dobro: as tentativas de cancelar a usuária fizeram com que quem tentava ‘cancelar’ fosse ‘cancelado’. “Eu tive mais gente me defendendo, ao meu favor, do que gente me cancelando”, comenta.

Com a repercussão, iniciou-se um grande debate sobre o que é discutido na internet e o que é problematizado. Diversas pautas importantes como o abandono parental, desigualdade social e racismo foram incluídas nos tweets em debate.

A tuiteira comenta que, semanas depois da viralização das fotos dos sorvetes que ganhou do pai, o engajamento do tweet diminuiu um pouco, o que possibilitou que ela pudesse voltar a interagir com seus seguidores – o que era impossível durante as duas semanas de alta da publicação, já que ela não conseguia acessar as mensagens em razão das notificações em sua conta.

Além de não conseguir interagir com os seguidores, Catharina conta que, nos primeiros dias após o tweet, ela evitava tweetar como costume, porque sabia que qualquer coisa que falasse poderia vir contra si em alguma matéria, apesar de ter consciência de que ela não precisaria se justificar por nada, uma vez que estava tranquila em relação ao que dissera no post. Por não ter tido reações que atingissem diretamente o seu cotidiano, não considera que seja um grande exemplo da cultura do cancelamento – pelo contrário, sua página atingiu muitas pessoas e ela ganhou muitos seguidores.

Não há chave para a viralização

Para o professor Caio Oliveira, da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, é de extrema importância que a audiência compre verdadeiramente uma ideia para que esta se espalhe rapidamente. No entanto, há estratégias para que o conteúdo ganhe engajamento intencionalmente, conforme explica o professor, que é pesquisador de comunicação e cultura digital: “Desde a escolha dos temas das postagens, os títulos, a aplicação de hashtags específicas, a marcação de pessoas-chave, o uso de thumbnails provocativos e o comentário em postagens específicas chamando as pessoas para a discussão, todas essas são ações correntes e que são praticadas por quem busca que as pessoas engajem com seus conteúdos”.

Além disso, ele explica que um conteúdo pode ser altamente engajante sem necessariamente viralizar, dentro das particularidades e funcionalidades de cada plataforma de mídia social. No caso do Twitter, o conteúdo tem grande rotatividade em razão da característica altamente imediatista da rede, que opera na lógica dos assuntos mais comentados do momento e elencando Trending Topics, o que possibilita um alto alcance de temas que estão sendo debatidos em tempo real.

A publicidade e a viralização

A “gratuidade” das plataformas de mídias sociais permite que a utilização desses serviços seja espontânea, o que faz com que patrocinadores se aproveitem da exposição como estratégia de rentabilização. Nesse sentido, há uma dependência direta do engajamento e do tempo desprendido dos usuários na plataforma – o watchtime. É o que explica Tiago Assunção, analista de sistemas na Compliance: “No contexto das redes sociais, o algoritmo define o conteúdo e a ordenação do feed, responsável por gerir quando e o que cada usuário vai ver”.

Ele ainda explica que a proposta de valor oferecida aos clientes (pessoas e empresas que pagam para a divulgação de produtos e serviços) é o lead, ou seja, um novo cliente potencial, oriundo da recomendação para o maior número de perfis possível. Isso acontece, segundo ele, “Traçando os dados coletados e a afinidade de cada uma dessas contas com o que está sendo divulgado”. Assim, o acesso de usuários a conteúdos está diretamente ligado aos interesses que o usuário tem previamente – no caso de viralização, o alcance se torna, muitas vezes, ação de oportunidade para eventuais contratos publicitários ou ganhos financeiros.

O professor Caio Oliveira acrescenta que essas ações de oportunidade sempre existiram e representam excelentes janelas de atuação para marcas se aproveitarem da exposição espontânea: “Com as plataformas sociais, este tipo de ação fica bastante proeminente, visto que temos neste contexto múltiplos emissores postando constantemente”, afirma. No entanto, é evidente que há casos em que marcas cometem erros ao tentarem um alcance com assuntos sensíveis, o que implica em falhas morais, como lembra o professor, ao fazer referência a uma marca de cosméticos que fez uma ação de marketing com a temática do rompimento de uma barragem.

O que fazer caso eu viralize?

Se eu puder dar uma dica [a quem viralizar dessa maneira], eu digo que vai passar. Tá tudo ruim? Some. Na próxima semana, vai ter um assunto diferente, a internet vai cair em cima de outra pessoa e vai esquecer.

Catharina Lima

Catharina conta que ter ignorado o tweet foi o melhor que pôde fazer, sem discutir, brigar, responder ou justificar às pessoas que a estavam problematizando. “Eu só me manifestei sobre aquilo que me fez bem”, comenta, dizendo que ela conseguiu manter o ambiente virtual “de boa”, a partir do momento em que evitou interagir com conteúdos negativos.

O tweet, após viralização e onda de problematizações, foi responsável pela inclusão de mais um meme – uma piada interna do Twitter e, de forma saudável, se transformou em algo leve.

Casos podem desencadear ameaças

Para o estudante de jornalismo Danilo Valadares, 20, o dia em que hitou na rede das problematizações repercutiu até em ameaças de morte. Após compartilhar em seu perfil uma foto da blusa que seu professor de história usava em aula, ele ganhou muita atenção não só no Twitter, mas também em outras plataformas, como o Instagram. Na ocasião, o professor usava uma camisa, em tons vermelhos, que trazia uma frase a favor da vacinação – em um momento em que as aulas ocorriam de maneira remota, no auge da pandemia da covid-19.

A imagem foi alterada para proteção da identidade do professor.

O tweet, que tinha como intenção apenas compartilhar a camisa que o professor utilizou em aula, teve cerca de 3 milhões de impressões e 102 mil curtidas, o que impressionou o tuiteiro, que nunca havia “hitado” antes. Usuário do Twitter desde 2017, Danilo comenta que, assim como Catharina, não via todos os comentários: “Eu li alguns, respondi outros, mas só. Não conseguia ler todas as coisas, e nem tinha necessidade”, diz.

O estudante ainda relata que foi necessário silenciar o tweet para que as notificações não o atrapalhassem na utilização da plataforma, ainda que o conteúdo dos comentários não o atingissem diretamente. Além do Twitter, a repercussão atingiu outras mídias sociais, uma vez que o tweet foi compartilhado em uma página de humor de esquerda no Instagram. Lá, a publicação teve boa aceitação, por estar em um nicho mais centrado em pautas esquerdistas.

Tweet foi parar no Instagram.

As problematizações, desde críticas ao conteúdo comunista da imagem a juras de morte, evoluíram para uma perseguição na web. “Toda coisa que eu publicava, depois desse tweet, era compartilhada em uma famosa página anarcocapitalista e eu recebia comentários maldosos de forma pública ou nas DMs (mensagens privadas)”, conta Danilo, o @dvcmota no Twitter. A página, que à época contava com mais de 100 mil seguidores, já foi derrubada por infringir os direitos humanos e hoje conta com cerca de 34 mil seguidores.

[Os comentários não me atingiram] de forma alguma! Eu não fui tão cancelado, mas as pessoas estavam tentando cancelar o meu professor

Danilo Valadares

No entanto, o estudante, que concorda com as pautas de vacinação e de esquerda, utilizou da viralização como impulso para continuar abordando esses assuntos online. Ele, que sempre postou conteúdos nesse viés, apenas continuou sua utilização na rede do passarinho, ignorando as interações maldosas – ou de oposição – ou levando os comentários de forma leve. “Eu retweetava os comentários sempre rindo ou fazendo piada, não dava pra levar a sério!”, relata, aos risos.

A ética na capitalização da viralização

A manipulação narrativa com assuntos que geram comoção social por natureza, como política, religião e conflitos ético-morais, permite a manutenção e escalabilidade de tópicos e empresas que almejam o crescimento. O crescimento e divulgação espontânea por assuntos em alta parece ser uma receita certeira para um alcance positivo, mas não necessariamente faz com que esta ação seja, em todas as vezes, ética. “A maximização da divulgação de assuntos sensíveis acarreta na retroalimentação de debates e da polarização nesses canais de comunicação faz com que esses espaços tenham grande impacto na formação da opinião popular”, afirma Tiago Assunção.

Além disso, é de extrema importância ressaltar que a visão crítica dos consumidores – e dos internautas – está mais evidente a cada momento, o que “acaba por educar boa parte das pessoas para as práticas questionáveis operacionalizadas por marcas”, de acordo com Caio Oliveira. Isso pode ser observado no número de críticas que os “canceladores” de tweets como o da Catharina Lima receberam.

Trivialização de pautas relevantes

É fato que a frequência de viralizações e cancelamentos faz com que a utilização das mídias sociais se torne maçante e cansativa. “A internet dá muito palco para maluco!”, comenta Danilo, aos risos, ao lamentar que sua experiência na internet não é mais agradável com tamanha quantidade de problematizações, cancelamentos e perseguições. Além disso, o estudante afirma que, para fazer diferença, as intervenções devem existir para além das redes online: “Eu fico tranquilo porque eu continuei postando minhas opiniões no Twitter, mas eu sei que eu faço muito mais do que só falar por lá”.

#ColabIndica: Podcast Além do Meme, onde Chico Felitti faz um jornalismo investigativo de entretenimento.

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Giovanna de Souza

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