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Notebook com tela de agenda de trabalho aberta, posicionado em cima da cama ao lado de uma xícara preta contendo café dentro

A alta performance é resposta para fazer meu dia render mais?

Excessos na rotina não levam a maior produtividade e podem gerar frustração

Você já se pegou preso naqueles vídeos de 1 minuto do Instagram ou do TikTok que resumem uma rotina perfeita? Alguém que acorda às 4h da manhã, faz exercícios físicos, mantém um diário, toma um bom café da amanhã, faz uma leitura, vai pro estágio, participa de projetos extracurriculares, faz duas faculdades, mantêm as mídias ativas, tem tempo de ter vida social e de fazer marmitas saudáveis. Isso pode proporcionar a sensação de perfeição, porque a pessoa atingiu um padrão de alta performance.

Para o psicólogo Robson Cruz, formado pela PUC Minas, com mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a alta performance pode ser definida como “alta capacidade de fazer algo bem feito, tendo consciência em como se faz e em como se desenvolve aquela atividade”. O problema que existe dentro desse conceito, para o psicólogo, é que hoje é usado na cultura para associar ao adoecimento do trabalhador e da trabalhadora, que exerce uma atividade de muito lucro para quem controla a empresa.

O psicólogo atualmente trabalha com abordagem dos “dilemas da vida acadêmica e atendimentos de escritores e escritoras dos mais diversos gêneros textuais”, conforme sua bio no Instagram (@robsoncruz78). Ele iniciou sua vida acadêmica em 2003 e, assim que entrou na universidade, percebeu que ali não era um espaço tão livre para fazer perguntas. “Eu me senti despreparado para aquele ambiente, tive e tenho a impressão de que o ensino superior cobra coisas que nunca foram ‘ensinadas, mas não está pronto para ensinar. E, apesar de eu não gostar do discurso de alto desempenho, a universidade é um lugar que exige isso”, relata.

Robson critica a forma como o conceito de alta performance é associado a uma ideia de excesso de projetos. Explica que isso é uma apropriação neoliberal, parte de uma abordagem da psicologia que vem sendo altamente instrumentalizada para o mercado. Ele desmente, no entanto, a associação entre excesso de projetos e produtividade, explicando que essa sobrecarga gera mais efeitos negativos do que positivos.

A alta performance saudável não tem a ver com felicidade e, sim, com satisfação. O que acontece nos dias de hoje é que há uma ideia vendida pela cultura, e cobrada pela empresa, que mesmo não fornecendo ferramentas para o efetivo exercício dessa atividade de alto desempenho, cobra por isso.

Robson Cruz, psicólogo

Desafios cotidianos com sobrecarga

Sabrina Evelyn, estudante de Medicina, está no 4º ano do curso. No processo até a entrada na Faculdade, houve muito sacrifício, muitos dias em que Sabrina chegava às 8h e saía depois das 22h no cursinho. Era pesado, mas o foco principal era cursar Medicina, e ela conta que usou esse sonho em muitos dias para passar por cima do cansaço, do estresse, do medo, da insegurança.

Este exemplo tem relação com o que Robson explica como sendo o resultado de quando pessoas fazem poucas coisas bem feitas, ou seja, focam naquilo que é mais relevante por determinado período de tempo e, então, encontram o resultado esperado. “Do ponto de vista de aprendizagem, qualquer coisa difícil de fazer leva tempo”, explica o especialista.

Ter um excesso de projetos, na verdade, é o caminho mais rápido para insatisfação no trabalho

Robson Cruz
Mulher branca com camisa vermelha usando óculos, sentada, com uma xicara vermelha na mão, e em volta dela, há mão entregando um planilha, um ipad, um celular e um relogio.

Maria Clara Lacava talvez seja uma dessas pessoas. Ela é estudante de Rádio e TV, e Administração, canta e tem uma banda, é atriz, produtora, escreve, entre outras atividades. Ao ser questionada sobre o cansaço e a pressão associados a essa atividade, ela explica que esse excesso de funções são escolhas e compromissos que fez consigo mesma. “Na verdade, para mim é importante saber o que é prioridade, estabelecendo metas para alcançar meus objetivos, mesmo que isso signifique estar inserida em um excesso de projetos”.

Robson Cruz, no entanto, critica o modo como pessoas das mais diversas formações têm se preocupado em assumir personas públicas com diferentes atividades simultâneas: “Por exemplo, você entra no Instagram e vê alguém lá dizendo que é psicóloga, que surfa, toca piano, pinta, tatua, faz yoga 3x por semana, vai na academia todos dias, e está viajando o mundo. Isso é a mais completa maluquice”, relata o psicólogo. Nessa ilusão de excesso de funções, desconsidera-se, segundo ele, que pode-se levar uma vida inteira para ser um bom psicólogo, um bom comunicólogo, um bom pianista. “Como ser isso tudo aos 20 anos?!”, indaga Robson. Assim como Maria Clara, é importante ter clareza das prioridades em meio à multiplicidade de responsabilidades assumidas.

O psicólogo entende que as várias atividades são, na realidade, uma ideologia, um discurso imposto de que a vida boa é a aquela em que a pessoa experimenta múltiplos trabalhos e relacionamentos. “Os problemas começam quando esse princípio tem como função fazer as pessoas acreditarem que são várias coisas e, na medida que tomam isso como verdade, tentam fazer isso a todo custo, gerando um sistema em que a maioria não se transforma boa em nada e nem fica satisfeita, tornando-se uma presa para o mercado, acatando o que for oferecido”, alerta.

Robson acredita que o cenário gera uma demanda por novas habilidades, como a capacidade de concentração, aspecto para o qual a elite financeira e social já está atenta, principalmente na formação de seus filhos. “ A elite já está percebendo toda essa situação e, hoje, treina as crianças para terem um alto nível de capacidade de concentração. É um capital que está entrando em extinção na atualidade”.

O valor incalculável da atenção como recurso finito

Tesouro dos dias atuais, a atenção é um processo psicológico, conforme explica o especialista: “Você pode estar atento lendo isso agora, mas há uma série de eventos mentais acontecendo ao mesmo tempo. A internet intensificou o que o sistema social já havia percebido: a atenção é o processo psicológico mais capitalizável pelo sistema econômico, ele precisa usar atenção das pessoas para sobreviver, assim funcionam as plataformas digitais por exemplo”, explica Robson.

O corpo humano não foi feito para usar a atenção da maneira como usamos hoje, mas para um mundo que não existe mais.

Robson Cruz, psicólogo

Para o psicólogo, o problema é que as pessoas se iludem achando que a atenção é um processo infinito, mas, na verdade, é um processo cognitivo, com limites impostos ao corpo: “Se você gasta 30 min da sua manhã atento a algo, isso gasta a atenção para outra atividade. É um recurso finito, diferente do que muitas pessoas entendem. O corpo humano não foi feito para usar a atenção da maneira como usamos hoje, mas para um mundo que não existe mais, a atenção tinha a ver com sobrevivência, achar alimento. Como hoje a atenção é um produto que tentam captar a todo momento, quando se tenta ler um livro por 5 min, é um sofrimento”, diz o especialista.

Gabrielle Glauss, professora de redação em pré-vestibular, sabe como a atenção é valiosa. Sobre o tema da alta performance, ela acha um método válido para ser usado no trabalho, afinal, o conteúdo que ela leciona, na prática, é o mesmo todos os anos, mas a cada turma ela está se preocupando em manter o engajamento e o bom resultado dos alunos. “Preciso estudar e buscar inovar no que apresento a eles”, comenta. .

A partir de sua experiência, a professora reflete que alta performance pode passar uma ideia subjetiva de dor, de que seria necessário sofrer para conquistar algo que se deseja, mas, na verdade, está subentendida a autossabotagem: “Existe uma linha muito tênue entre performar e equilibrar para atingir os objetivos, seria preciso abrir mão de alguns hábitos, mantendo na rotina elementos para o estado de equilíbrio”, defende a professora.

De acordo com Robson, nos estudos da psicanálise, Freud reflete que a passagem de animal para ser humano envolve a cultura de criar ferramentas de controle, e isso gera inevitavelmente a sensação de mal estar, não necessariamente negativo. “Ao longo do século XX, fomos extremando a ideia de que o futuro vai revelar para gente algo bom – Freud pensava em um longo prazo – e, hoje, a ideia é que daqui a cinco minutos esse algo vai acontecer”.

Esse cenário gera ansiedade e pressão por resultados que, na experiência da professora Gabrielle Glauss, manifesta-se em uma cobrança vindo “de cima”. Existe pressão. “Por um lado, por saber que meu trabalho gera mais atração de alunos e também aprovações, o objetivo de um pré-vestibular é ter cada vez mais aprovados, e também mais alunos, para isso, é preciso vender um bom produto e entregar resultados”. Embora essa cobrança por resultados e alta performance seja constantemente associada ao ideal de estabilidade e segurança no trabalho, Robson acredita que é uma ilusão achar que fazer várias coisas garante ao profissional uma distinção no mercado: “Até porque o mercado também é controlado por muitos privilégios”, conclui o pesquisador.

Gabriela Reis

Estudante de Relações Internacionais e Jornalismo na PUC Minas. Amo prosa, café, arte, cultura e passar tempo com quem eu amo.

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