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Pernas de atleta que se prepara para correr.
Pernas de atleta que se prepara para correr, foto de Branden Collum

Olimpíadas 2021 ampliam debate sobre saúde mental

O que podemos aprender sobre o psicológico de atletas de alta performance com os acontecimentos dos Jogos de Tóquio?

Durante as olimpíadas de 2021 em Tóquio, a medalhista olímpica Simone Biles desistiu de competir em diversas modalidades da ginástica artística, dentre outras razões, para preservar sua saúde mental. Isso colocou foco da cobertura em um tópico que ainda é tabu dentro dos esportes: o bem-estar psicológico dentro de um meio de constante pressão.

Esse tema já foi levantado no passado por Diego Hypólito. Após estar no pódio do mundial de ginástica artística e do pan-americano, era esperado que fosse lutar por medalha nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, mas sofreu uma queda no seu solo e acabou não se classificando para a final. Esse cenário, aliado à mudança de clube e de cidade em 2013, gerou um peso psicológico no ex-atleta que teve um caso de depressão grave, e o levou a ser internado, como revelou em entrevista à Uol.

A alta performance em troco da saúde mental

Psicóloga Alessandra Peixoto, uma mulher branca de meia idade de cabelo liso.
Alessandra Peixoto (arquivo pessoal)

“Muitos atletas não dão conta de lidar com a cobrança”, afirma a psicóloga do esporte Alessandra Peixoto, especialista na área pela Universidade Castelo Branco e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Diferenças pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De acordo com a profissional, esportistas competindo em alto nível colocam em si uma expectativa muito alta de sempre terem resultados muito positivos, trabalhando constantemente para atingir esse objetivo. Os efeitos disso podem ser pesados demais para o próprio indivíduo, levando a problemas psicológicos, como um burnout.

Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um estado de exaustão emocional, física e mental causado por excesso de stress. Ocorre muitas vezes em relação ao trabalho e à necessidade de cumprir demandas além da capacidade do trabalhador.

Guilherme Camargo jogando rúgbi em cadeira de rodas pela seleção brasileira. Carrega a bola em seu colo.
Guilherme Camargo em jogo pela seleção brasileira (arquivo pessoal)

O atleta de rúgbi em cadeira de rodas da seleção brasileira, Guilherme Camargo, contou sobre a exaustão vinda do esforço constante e os obstáculos vividos, como a pandemia: “Sentimos muitas dores, temos que dar o nosso máximo todos dias e nem sempre é fácil. Lidamos com muitas frustrações por metas não alcançadas e cobranças de patrocinadores e dirigentes. A pandemia da covid-19 obrigou quase todos os atletas a pararem de treinar e competir. Acredito que esse longo período sem treinamento e competição foi a maior dificuldade psicológica que enfrentei no esporte”.

Atletas têm resistência em revelar seus problemas

Outro fator que amplifica as complicações psicológicas é a demora dos esportistas em buscar ajuda, revela Alessandra Peixoto. A psicóloga aponta que atletas costumam ter medo de serem vistos como fracos e, por isso, adiam o tratamento de seus transtornos: “Existe uma visão do atleta ser um herói, que pode tudo e não tem fraquezas, e, infelizmente, a sociedade tem o preconceito de considerar tratamento psicológico como fragilidade, assim, só se busca ajuda quando o nível do problema já está muito elevado”.

Existe uma visão do atleta ser um herói, que pode tudo e não tem fraquezas

Alessandra Peixoto

Entre os esportistas, o assunto também é pouco explorado. Segundo Camargo, embora existam treinamentos de técnicas para lidar com a própria saúde mental, a busca pela ajuda é rara. Ele afirma que os jogadores tendem a compartilhar apenas entre os amigos mais próximos e guardar para si, não sendo comum a priorização do bem-estar psicológico, pelo medo de serem vistos como mais fracos.

A falta de experiência

Um tópico que também é importante ser analisado é como a experiência influencia o esportista. Nos Jogos Paralímpicos que estão acontecendo do dia 24/08 até o dia 05/09, por exemplo, 87 atletas na delegação brasileira são estreantes em Paralimpíadas. Estes atletas provavelmente são mais vulneráveis do que aqueles que competiram mais vezes. 

“Um dos fatores que mais ajudam no esporte é a experiência: atletas que já passaram pela pressão e cobrança já sabem como encará-las. Aqueles que são mais jovens não estão acostumados com a decepção de uma derrota ou a recuperação depois de uma lesão séria e, por isso, é possível que sintam consequências mais intensas do que alguém que já viveu essas situações antes”, afirma Peixoto.

Para o atleta Guilherme Camargo, a experiência ajuda no conhecimento do que é o esporte e das dificuldades dentro dele. Segundo o esportista, aquele que joga há mais tempo sabe que o valor do jogo não está na conquista, que os momentos ruins são passageiros e que é possível a melhora com o treino.

Apesar de tudo, o cenário está melhorando

Simone Biles em coletiva de imprensa sobre sua participação nas olimpíadas diz: “Coloque a saúde mental em primeiro lugar”

Embora o tema ainda seja tabu, tanto Camargo quanto Peixoto enxergam o momento com otimismo. Para Alessandra Peixoto, a sociedade tem evoluído na maneira como enxerga problemas de saúde mental são abordados, e as pessoas estão mais abertas a conversar sobre o tópico, tendo cada vez mais suporte psicológico em meios esportivos. Casos como o de Simone Biles, citado no início da reportagem, são um bom exemplo de como é importante a priorização do bem-estar psicológico e físico, ajudando na conscientização de que atletas podem e devem buscar auxílio. Caso esse que, para Camargo, estabelece um marco na história do esporte e contribui para a humanização da profissão.

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Arthur Bacelar

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