Ao longo dos últimos anos, a saúde mental tem sido um tema discutido ativamente entre profissionais da área da saúde. Além do âmbito da psicologia, a medicina veterinária também é um campo no qual esse assunto vem conquistando bastante relevância. Isso porque, de acordo com um estudo elaborado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), divulgado em 2019, a taxa de suicídio é 3,5 vezes mais alta entre médicos veterinários do que entre o restante da população. Essa instituição tem como objetivo estudar as causas e formas de prevenção de diversos distúrbios. Ela tem sido fundamental no combate aos quadros enfrentados por veterinários de todo o mundo.
Compartilhado com o público pela revista científica estadunidense Journal of the American Veterinary Medical Association (JAVMA), o dado foi obtido após uma investigação que durou três décadas, e ouviu 11.620 veterinários. O mesmo estudo também revelou que 66% dos profissionais reportaram depressão clínica e 24% consideraram suicídio desde que ingressaram no curso de veterinária.
A situação da saúde mental no Brasil não é diferente
Dados fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), confirmam que esta é a classe profissional com maior risco de suicídio no país. As informações divulgadas pelo Datasus – portal de dados do SUS – entre os anos de 1980 e 2007 indicam que, entre a população geral, veterinários são 10,6 vezes mais propensos ao suicídio do que profissionais de outras áreas do mercado.
Observando os dados, quais seriam os motivos dessa prevalência? Respondendo essa questão, o médico veterinário e professor universitário Bruno Generoso afirma que uma das principais dificuldades enfrentadas por um profissional da área no país é a contraposição entre grandes rotinas e remuneração insuficiente, que gera mais cobranças e estresse a esses médicos.
“Eu não posso falar que hoje um veterinário fica desempregado, dificilmente ele fica, dependendo da área em que ele trabalha”, afirma Bruno. “Só que a remuneração, normalmente, não é aquilo que é preconizado pela lei, pelo piso”, completa. Além da sobrecarga de trabalho, o veterinário e professor aponta que outro grande desafio é a estagnação da área no âmbito acadêmico. Para ele, a falta de uma vertente acadêmica associada à comercial faz com que muitos dos profissionais formados não estejam verdadeiramente preparados para o dia a dia da profissão.
Excesso de responsabilidades pode levar ao burnout
Oficializada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a Síndrome de Burnout é conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Seus sintomas incluem desde a exaustão ou esgotamento de energia ao aumento do distanciamento mental do próprio trabalho. “Eu estou sempre me cobrando muito, então acabo sempre estando mais estressado do que estaria em uma situação normal”, conta Bruno Generoso.
Ele relata que, apesar da auto cobrança e da rotina intensa, nunca enfrentou quadros clínicos de depressão ou burnout. Entretanto, Bruno já presenciou diversos colegas e alunos nestas situações. “Você tem uma responsabilidade ali que é grande. Muitas vezes, você não tem aquele aparato para corresponder a essa responsabilidade, você transfere ela pra você”, aponta. “Suicídio eu acompanhei de um aluno, mas burnout é até comum ver em alguns colegas meus. É algo que a gente vê comumente dentro da veterinária”, lamenta.
Pandemia pede cuidado redobrado com a saúde mental
Além dos desafios citados por Bruno Generoso, a pandemia de Covid-19 foi um agravante para o cenário vivido pelos veterinários. Segundo a psicóloga e professora universitária Patrícia de Paula, a dinâmica de vida individualizada que o período de isolamento social tem causado é um dos grandes responsáveis por essa sobrecarga dos profissionais da veterinária. Sobre o tema, ela também ressalta: “Com as pessoas tendo, por um imperativo de saúde pública, que ficar mais em casa e mais isoladas, a busca pelos animais como uma complementação e um endereçamento afetivo também gera, por consequência, uma sobrecarga de trabalho para os veterinários e veterinárias”.
Aos parentes e amigos de médicos veterinários que desejam auxiliá-los no cuidado da sua saúde mental durante esse período, Patrícia tem um lembrete. “É importante lembrar da necessidade de “promover ações que lhes deem prazer e alívio das tensões e, também, dependendo do grau de necessidade, das angústias, depressões, ansiedades e tensões psicossociais de cada um, orientar a pessoa a buscar um processo psicoterapêutico” para o bem estar psicológico desses profissionais da saúde. A psicóloga completa afirmando que, apesar das condições complexas, cuidar de si é algo indispensável nessa situação vulnerável.
Iniciativas em prol do bem estar de veterinários ao redor do mundo
Bruno relata que manter um contato direto e prático com a veterinária ainda na universidade foi um critério importante para sua saúde mental. Para ele, o despreparo “é um dos fatores que pode levar a distúrbios de saúde mental, porque a pessoa se cobra muito e, às vezes, ela não está preparada para aquilo”. Por esse motivo, hoje ele coordena um programa de extensão em clínica veterinária que visa preparar seus alunos para a experiência real da profissão.
Projetos como o do professor são fundamentais para a manutenção da saúde mental dos veterinários. Além dessa iniciativa, outras centenas também têm impactado os profissionais da área positivamente ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, a campanha virtual #EarsToVets busca mobilizar os donos de pets a demonstrarem apoio aos médicos de seus bichinhos. Por meio da postagem de fotos das orelhas dos animais, o objetivo é aumentar a conscientização sobre os desafios que eles estão enfrentando. A partir dessa campanha, os internautas buscam mostrar que os cuidadores de seus pacientes estão abertos a ouvi-los sempre que necessário.
Seja no Brasil ou no exterior, a construção de uma rede de apoio para esses médicos, que, hoje, fazem parte de um grupo vulnerável na perspectiva da saúde mental, é indispensável.
São várias as formas de combate ao suicídio. Como afirmado por Patrícia de Paula, fortalecer o laço da equipe, fortalecer as relações respeitosas no trabalho, fortalecer o coletivo é algo fundamental, independente do tempo de pandemia. A partir dessas práticas, apoiar os veterinários se torna uma tarefa simples, porém, extremamente necessária e acessível.
Reportagem produzida por Dara Russo e Julia Santos.
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