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Rene avalia pandemia nas favelas. Há duas fotos de Rene Silva, um homem negro de cabelo escuro e com barba curta. As duas fotos estão em preto e branco e na imagem da esquerda Rene está sorrindo com o queixo apoiado no punho. Na foto da direta, Rene está gritando. Rene veste uma blusa de manga comprida preta e tem um cordão pendurado no pescoço.
O grito de Rene Silva para garantir visibilidade às favelas / Credito: Bruno Itan

Voz das Comunidades: Rene Silva avalia pandemia nas favelas

Criado no ano de 2005, o projeto Voz das Comunidades é um jornal comunitário independente fundado no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. O jornal, que tem versões impressa e digital, apresenta ao público uma visão sobre a favela que muitas vezes passa despercebida. Trata-se do olhar da comunidade sobre si mesma, e não apenas mediado pela visão do outro. Buscando compreender o impacto da pandemia de covid-19 nas favelas do Rio de Janeiro, a atuação do projeto e o cenário de desinformação, o Colab entrevistou o carioca fundador do Voz das Comunidades, Rene Silva.

Com seus 27 anos, Rene começou a se destacar dentro e fora das favelas ainda quando criança. Foi com 11 anos de idade, após um projeto na escola Municipal Alcide de Gasperi, local onde estudou, que ele criou o Voz das Comunidades. Usando uma folha de papel A4, buscava mostrar notícias que englobavam outras necessidades da região.

Em 2018, aos 24 anos, foi considerado um dos negros mais influentes do mundo pela organização Most Influential People of African Descent (Mipad) em Nova York, e hoje, o Voz das Comunidades ajuda milhares de famílias e combate a desinformação nas favelas.

Colab – Como se deu a criação do projeto voz das comunidades e qual era o objetivo?

Rene Silva – O Voz das Comunidades surge em agosto de 2005, com o objetivo de mostrar o que a grande mídia não mostra da nossa realidade da favela. Foi criado quando eu estudava em uma escola pública, aqui dentro do Complexo do Alemão, e existia um projeto criado pelos próprios alunos e professores que era do Grêmio estudantil. Tinha um jornal e uma rádio também, e aí, com isso tudo, eu comecei a perceber que havia vários problemas sociais, havia vários projetos culturais dentro da favela que não tinham apoio, né? Não tinham essa visibilidade midiática. Foi aí, então, que decidi expandir o jornal, crescer o projeto para outros territórios e assim conseguir também mais apoio, mais apoiadores, empresas e pessoas, para que o jornal pudesse crescer e chegar onde nós estamos hoje, em um [lugar de] apoio popular, um apelo grande e a credibilidade que a gente construiu ao longo desses 16 anos.

O que mudou nesses 16 anos de projeto? Como foi o processo de evolução?

Olha, a gente teve muitas mudanças durante esse processo todo, mas a maior mudança eu acho que foi o progresso do jornal. A gente foi crescendo, né?  O que era um papel ofício, aquele A4 dobrado, quatro páginas apenas, preto e branco, eram cem exemplares. Hoje a gente está no formato tabloide, estendido, colorido, com 16 páginas, com uma equipe maior. Então a gente conseguiu crescer o projeto e fazer com que fosse não só a voz do Complexo do Alemão, voz da comunidade, mas também, Voz das Comunidades no plural, como hoje a gente atua em quase 50 favelas aqui do Rio de Janeiro.

Como o projeto tem atuado no período da pandemia? Quais são as principais frentes de trabalho?

Foram criadas duas frentes muito importantes: a de combate à fome e à desinformação. Para combater a desinformação, a equipe de jornalismo trabalha diariamente fazendo reportagens. Foi criado um aplicativo e um painel com números sobre a Covid-19. E aí esses dados não são totalmente transparentes na prefeitura e no Governo do Estado do Rio de Janeiro. Conseguimos dados das clínicas do Rio de Janeiro, para saber como estão os números da Covid-19 nas favelas cariocas.

A frente de combate à fome já existia desde o início do projeto, mas, com o início da pandemia, nossa equipe aumentou e se estruturou ainda mais para amparar essas famílias. Nos seis primeiros meses da pandemia, nós criamos um gabinete de crise no Complexo do Alemão, com o apoio de outras duas organizações: o Coletivo Papo Reto e o Mulheres em Ação no Alemão. Essas três organizações fizeram os planos de ações durante os seis primeiros meses da pandemia, para combater a fome. Tivemos campanhas de arrecadações, e nesse período doamos mais de 25 mil cestas básicas, ajudamos muitas famílias no Complexo do Alemão.

Hoje continuamos com esse trabalho, ainda um pouco maior, visto que conseguimos atuar em outras favelas, distribuindo cerca de seis a sete mil cestas por mês em cerca de 45 favelas do Rio de Janeiro. Conseguimos estruturar um trabalho sério de comunicação comunitária, uma equipe boa, bons trabalhos e ajudar quem está precisando de alimento nesse projeto. Porque as pessoas sofrem com o vírus da covid, mas também sofrem com o vírus da fome, que é muito grave em nosso país.

Quais são as principais condicionantes sociais da pandemia nas regiões em que o Voz das Comunidades atua?

As principais condicionantes são de não poder fazer isolamento social por morarem mais de cinco pessoas em casa.

Você considera que a covid-19 tenha mais impactos para quem tem menos recursos? 

Sem dúvidas que a pandemia tem maiores impactos para quem tem menos recursos. Principalmente quando falamos das medidas necessárias de restrições para contenção do vírus. Muita gente que tem trabalho informal acaba não conseguindo se manter, e aí acaba ficando dependendo de doações para poder se alimentar.

O que poderia ser feito para mudar esse quadro?

O que deveria ser feito para mudar esse quadro é a renda básica. Renda Básica de Cidadania ou Rendimento de Cidadania, ou ainda Renda Básica Universal, é uma quantia paga em dinheiro a cada cidadão pertencente a uma nação ou região, com o objetivo de propiciar a todos a garantia de satisfação de suas necessidades básicas. Pode ser incondicional ou condicional.

No último dia 6 de maio houve uma operação policial no Jacarezinho que, até o momento, teria resultado em 28 mortes, inclusive a de um policial. Qual é a sua avaliação sobre o episódio? E sobre a cobertura jornalística e o pronunciamento das autoridades?

Eu acho que houve uma cobertura grande jornalística, para falar sobre o episódio, que reverberou em vários protestos no país inteiro no dia 13 de Maio, inclusive, usando a hashtag #ChacinaNoJacarezinho [nas mídias sociais] mobilizado pelas famílias que perderam seus entes.

Acho que o pronunciamento das autoridades foi bem ruim, porque nós não temos no nosso país nenhuma lei de punição a morte, né? Nós não temos pena de morte no país. Mas, pelo que teve da fala do governador, do pessoal da polícia, até mesmo do vice-presidente, parece que a gente tem pena de morte no nosso país. Então isso preocupa bastante num país democrático, que tem acordo com os Direitos Humanos e tudo mais. A gente acha que as autoridades podem falar o que quiserem, e falaram, na verdade. E não ter uma grande reação quanto a isso, tanto na mídia, quanto na sociedade como um todo.

Minha avaliação sobre o episódio [é que] ninguém tem direito de tirar a vida de ninguém, nem bandido de um morador, nem a polícia de um bandido. Seja o que for, tem que prender. Enfim, tem que levar a pessoa que está sendo acusada, e tem provas, pra delegacia pra ser presa. E não matar como aconteceu.

Rene Silva

Então essa é minha opinião, principalmente em um país onde a gente vê tanta gente sendo presa inocente, né? Eu conheço alguns juízes que têm trabalhos muito sérios em relação à audiência de custódia. Porque muita gente acaba sendo presa, que não deveria ter sido presa, porque um policial achou que essa pessoa era suspeita, aí leva presa, e não tem prova. E a prova é um relato, é alguém que falou. Qualquer pessoa pode falar qualquer coisa sobre alguém. Então, é muito difícil mesmo o que a gente está vivendo no nosso país, e o que aconteceu também no Jacarezinho.

Entrevista produzida por João Lima e Marcos Leite, 
estudantes de jornalismo da PUC Minas

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