Futebol não é apenas correr e chutar uma bola. Por trás das quatro linhas existem contratos milionários que transformam uma das maiores paixões do brasileiro em um negócio altamente lucrativo. Nesse cenário, a luta e o esforço de milhares de jovens atletas espalhados pelo país e os desafios da profissionalização passam despercebidos pelos olhares da maioria.
Adolescentes que sequer terminaram o ensino médio testam seus limites enfrentando a pressão de torcedores, a competitividade do jogo, a profissionalização precoce e o que muitos consideram o mais importante: a responsabilidade de sair de casa e se tornar a principal fonte de sustento da família. Segundo pesquisa do Indústria de Base, 40.320 jovens entre 14 e 19 anos estão registrados nas categorias de base de equipes profissionais e semiprofissionais no Brasil.
A distância da família
Peça importante no Cruzeiro de Felipão, Carlos de Menezes Júnior, o Cacá, sempre desejou seguir carreira no esporte. Nascido em Visconde do Rio Branco, município localizado a 262 quilômetros de Belo Horizonte, o zagueiro de 21 anos elenca a distância da família como maior desafio de se tornar um atleta profissional.
Fiquei oito meses sem ir à minha casa. Falo isso pra todo mundo que tá começando, no começo vai ser difícil, mas no fim todo mundo fica feliz junto. Você e eles.
Cacá
Já o jogador colombiano Dylan Borrero, do Atlético, chegou ao clube mineiro no início de 2020, passou por três cidades diferentes e diz que teve dificuldades para se adaptar no Brasil. Para ele, as adversidades sempre existiram, mas sua motivação para continuar foi maior:
É difícil sair de casa, ainda mais quando você é muito novo, mas sempre queria lutar por meus sonhos. E meus sonhos eram e continuam sendo maiores que as adversidades.”
Dylan Borrero
O meio-campista de 18 anos, que possui passagens pela seleção de base da Colômbia, tornou-se o estrangeiro mais jovem a vestir a camisa do clube alvinegro.
O zagueiro Gustavo Henrique, 21, também do Atlético, citou a falta de estabilidade e o baixo orçamento da categoria de base como empecilhos durante o processo. Entretanto, o jogador disse que recebeu ajuda para superar essas adversidades.
Com o apoio da minha família, dos meus amigos e com a cabeça boa, apenas pensando em evoluir, consegui aceitar o fato de que cada problema era apenas mais um obstáculo que eu teria que passar para realizar o meu sonho.
Gustavo Henrique
O amadurecimento precoce
Cacá é um exemplo de como a juventude e a “vontade de ser menino” esbarram no sonho da profissionalização. Começando em 2014, ele chegou às categorias de base do clube com apenas 15 anos. Tendo estreado na equipe principal em 2018, com apenas 19 anos, o jovem relata que suas primeiras aparições na equipe principal fizeram muito bem para seu amadurecimento pessoal: “A gente aprende a ser um pouco mais velho antes da hora, né? Aprende a ter responsabilidade, lidar com certas situações… Para mim essa experiência foi totalmente gratificante”.
Quem também afirma que o futebol contribuiu para seu crescimento pessoal é Flavia Pissaia, 18 anos, meia do Galo e da Seleção sub-20.
Além de ficar longe dos meus pais, saí de casa com 15 anos e tive que me virar sozinha, amadurecendo praticamente antes da idade.
Flávia Pissaia
As categorias de base no futebol feminino
Inseridas em uma modalidade marcada pela falta de infraestrutura e pelas desigualdades de gênero, as atletas Flavia Pissaia, do Atlético Mineiro, e Maria Eduarda Sampaio, a Duda, do Cruzeiro, revelam que sempre receberam o apoio da família para seguir a carreira no esporte: “Minha família é muito envolvida com o futebol. Sinto que carrego o sonho de todos”, relata a jogadora do Cruzeiro.
As duas atletas, que se dizem apegadas aos pais, citam a distância da família como uma dificuldade nesse processo de profissionalização. Flavia, revelada nas categorias de base do Ferroviária-SP, disse que o clube contava com uma estrutura muito boa e não deixava a desejar, mas pontuou a falta de competições na modalidade: “A gente treinava o ano inteiro para disputar apenas dois ou três campeonatos”.
Neste ano, em decorrência de questões financeiras, Cruzeiro e Atlético suspenderam as atividades de suas categorias de base femininas. Por enquanto, não há previsão dos clubes para retorno das modalidades e as atletas seguem dispensadas. Segundo pesquisa realizada pela FIFA, 15 mil mulheres praticam futebol no Brasil de forma organizada. Dessas, apenas 475 estão federadas nas categorias de base – menos de 4% do total. Dentro do futebol feminino, não é incomum encontrar grandes jogadoras que começaram direto no profissional.
Duda, um exemplo desta realidade, fala a respeito: “Eu não cheguei a pegar categoria de base no feminino, cresci jogando com homens mesmo. Tive uma passagem pela base (do time) da minha cidade, mas também era com os meninos”. Com apenas 19 anos, a camisa 10 do Cruzeiro foi convocada para a seleção brasileira principal feminina, sob o comando da técnica Pia Sundhage.
Desafios da profissionalização de jovens atletas
Atual treinador do time sub-20 do Galo, Marcos Valadares acumula longa experiência no trabalho com jovens atletas e já fez parte da comissão técnica dos times juniores de Cruzeiro, Palmeiras e Vasco. Em entrevista realizada por áudio, o comandante alvinegro conversou conosco sobre os desafios e os problemas da formação de jogadores no país.
Segundo Valadares, existe uma interferência muito grande da família e do empresário para adiantar os contratos, o que interfere no desempenho dentro de campo. “No fim das contas, essa pressão é ruim (…), e faz com que alguns atletas percam o prazer de estar atuando no futebol”, ressalta o técnico. Confira a íntegra da entrevista no vídeo:
Reportagem desenvolvida por Arthur Albuquerque, Álvaro Vieira, João Victor Pena, Lucas Marra, Matheus Moreira, Miguel Bessa, Pedro Henrique Maia, Pedro Leite e Natan Braga para a disciplina de Apuração, Redação e Entrevista, no semestre 2020/2.
Excelente matéria. Bem escrita, bem coordenada. Parabéns aos alunos pelo belo trabalho.
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