As afiliadas retransmitem as principais emissoras de um país para determinada região, exibindo o sinal da emissora com programas em rede e programas locais próprios. Recentemente, certas afiliadas da TV Globo não respeitaram as normas políticas e jurídicas fora da exibição na TV e sofreram consequências.
Em 30 de agosto de 2025, A TV Fronteira, até então afiliada da TV Globo na região de Presidente Prudente, em São Paulo, interrompeu a transmissão de Altas Horas para mostrar um aviso anunciando o encerramento da parceria com a emissora carioca desde sua fundação, em 1994, sob uma decisão judicial do Douto Juízo da 41ª Vara da Comarca do Rio de Janeiro. A saída ocorreu após denúncias da TV Globo sobre a autopromoção da afiliada por Paulo Lima (PSB), seu fundador, enquanto era candidato a prefeito da cidade em 2024, além de falas homofóbicas. O sinal foi transferido para TV TEM Bauru, com transmissão só para Presidente Prudente.
Já a TV Gazeta de Alagoas passa pela mesma situação: em 2023, o ex-presidente e proprietário da emissora Fernando Collor de Mello foi condenado a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção na Lava-Jato. Documentos da investigação indicam um suposto uso de propina na conta da empresa, para fins pessoais.
À época, o Grupo Globo tentou desafiliar a emissora, mas a Gazeta impediu que o processo fosse à frente. A transição para a TV Asa Branca Alagoas devia acontecer na virada para 2024 mas, devido à disputa de ocorrências entre a matriz carioca e a emissora alagoana, o processo demorou por um ano e meio até o encerramento da parceria ser concluído em 27 de setembro de 2025.
TV Fronteira: autopromoção e quebra de regras

A TV Fronteira deixou de retransmitir a TV Globo na madrugada de 31 de agosto de 2025 seguido deste comunicado que também foi publicado em suas mídias sociais:
“A TV Fronteira informa que cumprirá a decisão proferida pelo Douto Juízo da 41.ª vara da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que julgou improcedente o pedido da emissora para prorrogação do contrato de parceria com a Rede Globo. Ainda, informa que adotará as medidas legais cabíveis pela busca da preservação da boa-fé e justiça. A TV Fronteira continuará ao lado da população do Oeste Paulista e os telejornais regionais, Bom Dia Fronteira, Fronteira Notícias 1.ª Edição e Fronteira Notícias 2.ª Edição seguem nos horários habituais. Nossos jornais continuam sendo inteiramente dedicados a assuntos de interesse de Presidente Prudente e região. São quase 3 horas diárias de jornalismo exclusivamente voltado para o Oeste Paulista. A TV Fronteira reforça ainda que continuará com sua história de mais de 30 anos com a comunidade, prestando serviços em favor da população, mantendo o profissionalismo, credibilidade e transparência nas transmissões das notícias e relações com a sociedade.”
O prelúdio da desafiliação aconteceu durante o debate da Band Paulista com os candidatos a prefeito de Presidente Prudente, no Oeste do estado de São Paulo, no dia 8 de agosto de 2024. O empresário Paulo Lima (PSB) era um dos prefeitáveis e em sua resposta ao então prefeito e candidato a reeleição Ed Thomas (MDB), cutucou as concorrentes Band, SBT e Record por não mostrar reportagens contra sua gestão e elogiou a Fronteira pelo seu jornalismo “ativo e competente, que fala verdade”.
Além deste episódio, Paulo usou a emissora afiliada para se promover em seus telejornais como instrumento para se candidatar como prefeito, foram 25 reportagens em seu favor no telejornal Fronteira Notícias. Outro caso foi um vídeo que viralizou nas mídias sociais para um instituto, onde Paulo Oliveira Lima declarou que existe ‘’mal-estar na sociedade brasileira, provocado pela visibilidade das identidades de gênero’’. A comunidade LGBTQIA+ considerou a fala como preconceituosa. Diante das situações, a TV Globo tomou a decisão de desafiliar a TV Fronteira e que a TV TEM Bauru vai retransmitir o sinal na região com início até agosto de 2025.
A TV Fronteira acusou o Grupo Globo de abuso de poder e práticas de concorrência desleal e entrou na justiça para renovar o contrato de afiliação por mais cinco anos. O Grupo Globo exigiu providências para que a TV TEM deixe de adotar práticas de concorrência desleal. A emissora prudentina conseguiu a liminar para continuar como afiliada, dado pelo juiz Victor Agustin Cunha Jaccoud Diz Torres, para salvá-la da falência e da demissão de seus funcionários. Mas o jogo virou para a TV Globo, que venceu a disputa judicial, garantindo o fim da parceria com a Fronteira e a transferência de sinal para a TV TEM.
“Não se pode anular o pacto assinado apenas porque o autor passou a compreendê-lo como injusto. A ré [Globo] já mantinha tratativas com a afiliada sucessora, de forma que o alargamento da concessão dos direitos, de forma inversa, também acarretaria prejuízos à ré, impedindo-a de iniciar o novo e mais vantajoso contrato. A conciliação não prosperou porque a autora [TV Fronteira] não aceitou nova prorrogação de 6 meses – ela queria 30, mais do que o contrato originário a ser prorrogado”, explica Victor Torres em entrevista ao site TV Pop.
Hoje, a TV Fronteira transmite apenas seus telejornais locais na TV e no Youtube, mas ainda não produz sua própria programação. A TV TEM de Bauru só transmite para a cidade de Presidente Prudente, deixando 55 cidades sem sinal da Globo, com isso, os telespectadores da região devem assistir a programação no sinal ao vivo do Globoplay ou em operadoras de TV a cabo.
Em 2021, os proprietários da emissora, o casal Paulo Lima e Luciane Lima foi processado com inquérito civil pela Procuradoria Regional do Trabalho por suposto assédio moral e sexual com seus funcionários,. Após a audiência, Luciane foi afastada da função de diretora administrativa da emissora sob multa diária não regular de R$ 10 mil.
TV Gazeta: propina e disputas judiciais

Em maio de 2023, o ex-presidente do Brasil e um dos proprietários da Organização Arnon de Mello, Fernando Collor de Mello, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato. Collor utilizou a conta da emissora e do jornal Gazeta de Alagoas para receber propina em torno de R$ 35 milhões, e foi usado a fim de pagar despesas pessoas e comprar artes de luxo.
Anderson Santos, professor e doutor em comunicação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), relembrou um caso durante as eleições de 2002, quando Collor se candidatou para governador no estado, surgiu uma regra da rede para o jornalismo da afiliada que não poderia fazer matérias em benefício do proprietário. Essa regra se expandiu em várias afiliadas da Globo pelo país desde então. “O prejuízo que pode ser causado é à credibilidade da rede, na sua construção histórica de um jornalismo mais “objetivo”, pois a função ideológica da mídia, algo que existe de fato, não estaria mascarado, como normalmente se vê numa trajetória histórica.”
Em 4 de outubro, a TV Globo afirmou que encerraria o contrato no final daquele ano, repudiou os casos chamando de “covarde” e confirmando que a TV Asa Branca, emissora parceira na região de Caruaru/PE, assumiria o sinal da Globo no estado. A TV Gazeta disse que foi “pega de surpresa”, pois existiam “numerosos motivos que a levaram a acreditar que a relação com a Globo estaria mantida por minimamente mais cinco anos”, também falaram que não haveria motivo plausível para a desafiliação, que investiam R$ 28 milhões na TV e que a rede jamais haveria demonstrado desinteresse na transmissão da Gazeta. A informação foi confirmada por Carlos Medeiro, do UOL.
“Com toda a franqueza, é covarde a conduta da TV Gazeta. Por não ter se preparado para o término da relação contratual, da qual era indubitavelmente conhecedora há meses, vem agora utilizar argumentos de terror, de prejuízo a funcionários ou ao soerguimento da empresa, como se fosse a Globo (e não ela própria) a responsável pelas consequências do término da relação, A Globo não deseja mais permanecer associada à TV Gazeta quando é público e notório que um de seus sócios e seu principal executivo foram condenados pela mais alta corte do país pelo cometimento de crimes, em cuja execução, segundo a decisão do STF, a própria TV Gazeta teria sido utilizada. A manutenção dessa associação contratual traria gravíssimos prejuízos à Globo, maculando sua boa imagem junto à sociedade brasileira” disse a Globo em resposta para a Justiça.
Anderson relatou que cerca de 70% do faturamento da Organização Arnon de Mello vinha pelo fato da TV Gazeta ser afiliada da Globo, segundo o argumento da empresa, e que o grupo passa por uma crise econômica desde 2019, gerando a maior greve de jornalistas do Brasil naquele ano.
“O pagamento por cargos de chefia era cada vez menor, quando existia, e as verbas indenizatórias por demissão se acumularam à espera de ações da justiça trabalhista, sendo boa parte das dívidas do grupo que, recentemente, estariam superiores a 200 milhões de reais. Neste cenário da última década, a desfiliação da Globo pode ser um golpe fatal para o conglomerado, reduzindo vagas jornalísticas.” detalha o professor.
A transição para a TV Asa Branca já era certa, o nome planejado ainda era TV Elo, a mudança de canal estava para acontecer à meia-noite do dia 1° de janeiro de 2024, na virada de ano-novo. Porém, ao abrir o sinal, a futura afiliada apenas retransmitiu o sinal do Canal Futura, mantendo a afiliação da TV Gazeta com a TV Globo, decorrente da liminar conseguida pela justiça alagoana em 5 de dezembro. No dia 3, a emissora carioca venceu na justiça e derrubou a liminar que mantinha a afiliada até 2028, sendo retransmissora até dia 22 de janeiro. Segundo o desembargador Paulo Zacarias, ele afirmou que “nenhuma empresa pode ser obrigada a ter negócio com outra que não deseja”.
Anderson explica como a mudança de sinal afeta a população de Alagoas. “Neste caso, há uma perda de difusão do sinal da Globo. Por exemplo, a emissora que assumiu só tem retransmissoras (canais próprios) em Maceió, Arapiraca e Delmiro Gouveia (que são mesorregiões de Alagoas), em detrimento de uma cobertura que chega aos 102 municípios na TV Gazeta. Ainda que eu não estude isso, mas há um clássico de municípios de interior de ter ao menos a transmissão da Gazeta e de uma outra (Record ou outra religiosa) na TV aberta, com outros canais vindo pelo modelo de antena.”
Em 6 de fevereiro, o jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao depoimento da Globo, que voltou a falar deste assunto acusando a organização de assédio moral e salários superfaturados. Segundo a apuração do jornalista Gabriel Vaquer, a emissora apresentou um relatório ao Tribunal de Justiça de Alagoas denunciando o descumprimento de diversas cláusulas de compilance e administração, pois o relatório foi baseado em três pilares como superfaturamento de salários para executivos sem formação adequada, assédio moral e sobrecarga dos funcionários.
O julgamento do futuro da Gazeta estava previsto para 10 de abril, mas foi adiado duas vezes até ser definido em 6 de junho. Por dois votos a um, a Justiça decidiu manter a liminar que mantinha a emissora do grupo Arnon de Mello como afiliada a TV Globo, pois o veredito estava por um voto na 3 Câmara Cível do TJ-AL. A líder de audiência no Brasil recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Durante a campanha eleitoral, a TV Globo voltou a recorrer à Justiça de Alagoas com um recurso para encerrar o contrato antes do dia da eleição, temendo uso da emissora para beneficio de políticos aliados a Collor e desejando que a TV Asa Branca assuma a concessão no estado o mais rápido possível. Após as eleições de 2024, surgiram rumores de que a TV Gazeta estava em busca de outras emissoras para retransmitir se a desafiliação se sucedesse, RedeTV! e TV A Crítica foram sondadas como possíveis substitutas.
O ano virou para 2025 e a TV Gazeta seguiu como afiliada da TV Globo. Houve mais rumores em relação a esta novela, desta vez disseram que a Gazeta continuaria afiliada da rede se Fernando Collor deixar a presidência da Organização Arnon de Mello, mas ambas emissoras não confirmaram a informação. Em 24 de março, desta vez, deu sorte para a família Marinho, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu o recurso em favor da emissora contra a Gazeta, dando permissão para conseguir encerrar a sua parceria e lançar uma nova afiliada em 60 dias.
Um mês depois, Fernando Collor de Mello foi preso em relação a sua condenação julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, a emissora alagoana não exibiu nenhuma reportagem em seus telejornais, optando por mostrar matérias diversas, os telespectadores souberam da notícia pelos telejornais da TV Globo. Dias depois, em 28 de abril, foi divulgado que Collor desviou R$ 6 milhões dos cofres da emissora para gastos pessoais.
No dia 6 de maio, o TJ-AL rejeitou mais um pedido da Globo em encerrar o contrato com a afiliada, a emissora entrou com um recurso especial e extraordinário, mas o presidente da corte, desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, rejeitou a proposta porque “os argumentos em sede de agravo não merecem acolhimento”, além de considerá-lo inconstitucional.
Um mês depois, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a STJ de não aceitar o recurso da Globo de rescindir com a TV Gazeta, segundo o subprocurador da república Maurício Vieira Bracks, disse que não há justificativa para alterar a decisão tomada pela justiça de Alagoas, além de afirmar que a saída da rede afetará o emprego dos funcionários e que a TV alagoana falirá.
Enfim, no dia 19 de agosto, os juízes do STJ julgou o recurso e por três votos a dois, A TV Gazeta continua como afiliada da TV Globo até, pelo menos, em 2028, mas a emissora carioca tem direito a recurso. Carlos Rodrigues de Matos foi representante da emissora alagoana, defendendo a afiliada e afirmando que se perder a parceria, funcionários serão demitidos e a empresa irá à falência. Já Marcelo Ferreira, que representa a emissora carioca, disse que Fernando Collor usou a Gazeta para corrupção e que ofende as regras da Globo e de qualquer livre associação.
Depois da votação, a TV Globo recorreu ao STF apresentando um recurso para o então ministro Luís Roberto Barroso para suspender o recurso decidido pelo STJ. A defesa da rede alegou que a decisão tomada relacionam “lesões às ordens públicas, econômicas e sociais.” No dia 26 de setembro, o ministro acatou o recurso determinando o encerramento do contrato com a TV Gazeta.
No dia 27 de setembro de 2025, A TV Asa Branca Alagoas oficialmente passa a ser afiliada da TV Globo, transmitindo para alguns municípios do estado, quando a mudança ocorreu às 00h09, durante o Jornal da Globo, que a TV Gazeta, fazendo aniversário de 50 anos, estava retransmitindo. A partir dali a emissora reconheceu a mudança, retirando os programas locais do Globoplay e exibindo no sinal ao vivo do site, a filial de São Paulo até mudarem o sinal. A TV Gazeta insistiu em continuar retransmitindo o sinal da Globo ilegalmente até a reprise da novela Terra Nostra, logo depois passou a dividir o sinal com a GazetaNews e ampliou o horário dos seus telejornais.
Desde então, A TV Gazeta transmite sua programação 100% local, mas, em 10 de outubro, fechou sua afiliação com a Band sem data definida para início de transmissão. A emissora está em recuperação judicial desde 2019.
A futura afiliação, segundo Anderson, pode garantir “uma grade de programação bem menos custosa para ser mantida e, claro, menos repetitiva – uma reclamação de quem seguiu acompanhando a Gazeta. Há programas midiáticos, como transmissão de futebol e de policialescos (não tão comuns para afiliada da Globo) que podem agregar patrocinadores que são partilha do que vem nacionalmente, com abertura para resgate de antigos ou novos a partir deste novo perfil.”
Ele afirma que isso gerará mais recursos, mas não tão dependentes da produção local e menos do que era gerado como afiliada da TV Globo.
Os próximos desafios
Tanto a TV Fronteira, quanto a TV Gazeta exibem, no momento, apenas a programação independente, com os programas locais mantidos.
No caso da TV Gazeta, para evitar a perda da concessão do canal, a Justiça de Alagoas decidiu em favor da liminar pedida por Fernando Collor que afasta ele mesmo do quadro de sócios da Organização Arnon de Mello. Sua esposa Caroline Serejo e seu filho Fernando James assumem a administração da emissora.
Além disso, a Gazeta entrou com mais um recurso no STF pedindo a reversão do fim do contrato com a TV Globo. Segundo a emissora alagoana, além de ainda não conseguir se afiliar com a Band, ainda pode correr o risco de ir à falência.
Anderson comentou sobre como as afiliadas erraram em não impedir a desafiliação com a TV Globo. “Elas não tiveram esse poder de definir e ser identificado como erro, talvez tenha havido outro interesse do conglomerado em relação a essas praças e com o cenário dos últimos 20 anos sobre a corrupção. Mesmo a mudança de cabeça de rede gera impactos pelo tamanho da Globo no Brasil.”
Ele conclui que a Gazeta não terá o mesmo patamar que tinha como afiliada da Globo para seguir estavelmente, pois “uma emissora independente, pelo que vejo daqui da Gazeta, é mais para uma transição. Muito pelo desenvolvimento desigual da mídia e socioeconômica.”




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