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Foto de estúdio, à meia altura, de um jovem adulto, homem, de pele clara e cabelo escuro cacheado, com barba rala, usando óculos de aro fino e preto. Ele está sentado em uma mesa. O homem veste uma camisa casual de botões, de manga curta, na cor laranja com listras finas em um tom mais claro, e calça jeans azul-claro. Ele está sorrindo, olhando diretamente para a câmera, com as mãos cruzadas e apoiadas no colo. O fundo é uma parede cinza-escura, simples, com iluminação de estúdio.
Gabriel Ronan é jornalista de dados no Estado de Minas. / Crédito: Gladyston Rodrigues - EM - D.A Press 2

Gabriel Ronan: o repórter que escuta os números para contar histórias

Por trás dos conteúdos que revelam desigualdades silenciosas e transformam planilhas em narrativas comoventes está Gabriel Ronan, 30 anos, jornalista de dados e coordenador do núcleo de jornalismo de dados do jornal Estado de Minas. Nascido na capital mineira e tendo crescido em uma casa onde o rádio nunca se calava e as revistas sempre estavam ao alcance da mão, Ronan já tinha um pé no jornalismo desde criança – mesmo sem perceber.

“Meu pai era um grande consumidor de notícias, principalmente por revista e rádio. Meu avô também ouvia bastante rádio. Os dois me moldaram nesse sentido”, lembra. Foi ali, entre transmissões esportivas e reportagens impressas, que a curiosidade virou vocação. O esporte, aliás, também teve papel importante nessa relação precoce com a profissão. “Também tive uma relação próxima com o jornalismo a partir do esporte, que é algo que eu gosto bastante”, conta. O que Gabriel ainda não sabia era que, mais tarde, os dados também cruzariam seu caminho, transformando sua forma de apurar, investigar e narrar histórias.

A facilidade com números talvez não seja algo comum entre jornalistas, mas, para ele, sempre foi natural. “Ao contrário da maioria dos jornalistas, eu nunca tive medo de números. No ensino médio, inclusive, eu gostava muito de matemática, apesar de ter um gosto muito maior por humanas, matemática e química eram disciplinas que eu gostava muito”, relembra o jornalista.

A afinidade com a matemática encontrou espaço no jornalismo de forma quase orgânica — uma união de vocação e necessidade. Gabriel foi apresentado ao universo das estatísticas e cruzamentos de dados não nos bancos da faculdade, mas na prática. “Quando me formei, em 2016, nós praticamente não tínhamos conhecimento sobre jornalismo de dados. Era algo completamente distante da realidade da minha graduação.” Ronan se formou em Jornalismo pela Uni-BH.

Bagagem profissional

Mas, no decorrer da rotina jornalística, principalmente durante a pandemia, desafiou-se a lidar com dados. “Fui um pouco de me dar novas ferramentas para exercer o trabalho que eu já exercia de reportagem, mas também para a abertura de um novo mercado, de uma especialização, de um mestrado, para eu poder realmente não só adquirir novas ferramentas, mas também ter e abrir novas portas profissionalmente”, explica Ronan.

Antes, contudo, de mergulhar nas bases de dados públicas, Gabriel acumulou experiências diversas. Começou com assessoria de imprensa para exposições de arte, passou pela Secretaria de Estado de Esportes de Minas Gerais, na época do governo Pimentel, na preparação para os Jogos Olímpicos de 2016, e chegou ao Estado de Minas como estagiário na administração das redes sociais.

Pouco depois de se formar, voltou ao jornal como repórter da editoria de cidades, onde ficou por cinco anos. Nesse período, cobriu fatos marcantes, como a tragédia de Brumadinho, o caso Backer e a pandemia de Covid-19. “A gente foi o primeiro veículo a noticiar que a contaminação vinha da cerveja da Backer, com dietileno glicol, em uma matéria que escrevi com uma colega”, relembra com orgulho. 

Posteriormente, teve uma passagem de dois anos e meio por O Tempo, nas editorias de economia e política.  Especializou-se em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling pelo Insper e retornou, então, ao Estado de Minas em 2024. Desta vez com um novo desafio: liderar o núcleo de jornalismo de dados. “Minha primeira experiência com jornalismo de dados está sendo essa agora”, afirma.

Estatísticas como pauta

O trabalho de Ronan no núcleo de dados da redação funciona, segundo ele, em mão dupla: ora os dados originam as pautas que são levadas à redação; ora os repórteres trazem ideias que são fortalecidas pela análise de dados. “No EM, a gente trabalha com dois eixos muito bem definidos: o da relevância e o da audiência. E eu sempre procuro pautas que fujam do habitual, mas que tenham interesse público”, diz.

Toda escolha de pauta, portanto, da observação dos critérios de noticiabilidade, aprendidos logo no início da graduação. “Se aquela pauta tem aderência do ponto de vista geográfico, do ponto de vista temporal, se ela tem aderência de interesse público e assim por diante. Temos que prestar atenção em todos os critérios mais fundamentais que orbitam a nossa profissão”, reforça o profissional.

Segundo o jornalista, muitas vezes, o dado não é a pauta principal, mas um apoio para fortalecer a reportagem e dar consistência. À exemplo, ele cita uma reportagem no Estado de Minas que está em produção, sobre cidades mineiras que não possuem nenhum médico disponível para a população. Esse mapeamento foi produzido a partir das segmentações do Datasus.

“Tenho um número X de cidades, onde a população não tem acesso a nenhum médico, de nenhuma especialidade. Evidentemente, são cidades muito pequenas, mas que chamam bastante a atenção. Então em vez de fazermos uma matéria falando que Minas tem X cidades sem médicos, vamos contar como é viver em uma cidade sem médicos. Descobri, a partir de uma segmentação de dados, uma história a ser contada”, compartilha Ronan.

Além disso, os assuntos “quentes” também podem dar origem a conteúdos de jornalismo de dados. “Às vezes observo o que está sendo noticiado naquele momento  e procuro ali dar um enfoque diferente para aquele problema. Tem um lado do que está quente no noticiário e também tem um lado do, olha, aqui existe um problema que ninguém está olhando”, ressalta o jornalista.

Censura e falta de transparência

No ofício de traduzir números em narrativas, nem tudo vem pronto. Para Gabriel Ronan, os maiores desafios não estão apenas na complexidade dos dados, mas na sua ausência. “Algumas pautas são mais fáceis porque os dados estão estruturados. Hoje, no Brasil, há iniciativas importantes de transparência, com portais e dados abertos. Mas muitos municípios ainda não têm pessoal técnico suficiente para manter isso funcionando”, explica.

Quando os dados não existem ou não são organizados, começa a parte mais trabalhosa do processo. “Em certas matérias, é preciso fazer raspagem de dados ou acessar APIs de redes sociais, que são cada vez mais fechadas. Isso exige muito tempo, atualização constante de código e, muitas vezes, um custo alto”, comenta o jornalista. Segundo Ronan, qualquer análise que envolva redes sociais já carrega um grau elevado de dificuldade, especialmente diante da opacidade crescente das big techs

Em outras ocasiões a barreira é política, e a censura bate à porta. “Hoje eu estou no Estado de Minas, um jornal tradicional, com quase 100 anos de história. Isso nos dá uma certa proteção. Mas a censura ainda acontece, seja de dentro para fora, com decisões internas da redação, seja de fora para dentro, com pressões de empresas ou instituições”, afirma.

Em um jornal hiperlocal de Venda Nova, em Belo Horizonte, Ronan relembra situações extremas enfrentadas. “Chegamos a sofrer pressão muito grande de um vereador, que mandou assessores me seguir até em casa, me mandou fotos minhas pegando ônibus”. Em outro episódio, também envolvendo um vereador, enfrentou um processo judicial, inicialmente por calúnia. “Prestamos depoimento, depois veio um processo cível. No fim, ele retirou a queixa, mas foi um claro caso de assédio judicial”, relata Ronan.

Resposta à crise de credibilidade

No cenário atual de desinformação e descrédito da imprensa, Ronan vê no jornalismo de dados uma saída — ou, ao menos, uma resposta consistente. “Parte do descrédito que o jornalismo vive é culpa do próprio jornalismo. Quando o Jair Bolsonaro começou a despontar como nome da política brasileira, em 2016 e 2017, ele dizia muita bobagem para gerar engajamento, e muitos veículos embarcaram nisso. Ganhamos audiência, mas perdemos um pouco o controle da narrativa”, relembra.

A desinformação, segundo ele, tem origem clara. “Ela não nasceu com o bolsonarismo, mas hoje é propagada quase que exclusivamente pela extrema direita. Isso não é opinião, é constatação com base nos dados de checagens feitas por agências como Lupa, Aos Fatos, Estadão, Folha, Fato ou Fake do G1”, denuncia Ronan.

É justamente aí que o jornalismo de dados ganha relevância. Ele permite verificar, cruzar e sustentar a informação com base em evidências. “O jornalismo de dados ajuda a gente a sair do declaratório, a não ficar refém do que a fonte diz. Serve para problematizar. Ele precisa escapar do declaratório e também precisa ser profundo o suficiente para poder analisar aquele problema com a profundidade que ele merece”, destaca Gabriel.

Conteúdo produzido por Ana Luiza Diniz, Ana Luiza Soares, Caroline Saraiva, Clara Fonseca, Emanuele Lage, Karen Cristina, Lavínia Aguiar, Júlia Barreto e Maria Clara Sá para a disciplina Jornalismo de Dados, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard.

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