Colab
Imagem panorâmica da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, com o Ginásio Mineirinho ao fundo, vegetação nas margens e céu azul, representando a revitalização da região e o projeto de retomada da navegação.
Vista da Lagoa da Pampulha com o Ginásio Mineirinho ao fundo, um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte, agora prestes a receber passeios de barco e atividades náuticas. Crédito: João Pedro Guido

E se a Lagoa da Pampulha se tornar navegável, onde podemos chegar?

Projeto na Câmara quer regulamentar esportes náuticos na Pampulha, que já apresenta trechos com água de boa qualidade

Um dos principais símbolos de Belo Horizonte, a Lagoa da Pampulha foi reaberta para passeios turísticos de barco no dia 5 de outubro, como parte das comemorações dos 128 anos da capital mineira. O projeto-piloto, que está previsto para iniciar em 12 de dezembro, data de aniversário de Belo Horizonte, terá viagens de uma hora com capacidade para 30 passageiros. 

Estudos recentes da PBH divulgados em agosto de 2025, mostram que os níveis de qualidade da água da Pampulha chegaram a 82 de acordo com o Índice de Qualidade da Água (IQA). Esse índice é classificado como ótimo de acordo com a metodologia implementada. Vale lembrar que, em 1968, a Prefeitura de Belo Horizonte criou uma lei que proibia a prática de atividades aquáticas, como natação, pesca e navegação na Lagoa da Pampulha.

Em coletiva de imprensa realizada pelo prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, no início de outubro deste ano, foi anunciada uma nova iniciativa na região envolvendo passeios de barco. Na ocasião, o prefeito assinou um termo de cooperação com a Federação Mineira de Vela e detalhou o funcionamento do projeto.

Vista panorâmica da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, cartão-postal que pode voltar a ser navegável após décadas de proibição.
Vista panorâmica da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, cartão-postal que pode voltar a ser navegável após décadas de proibição. Crédito: FredBH/Flickr

“Nos três primeiros meses será feito um período de testes, com a operação realizada diretamente pela administração municipal. Durante esse tempo, os passeios serão gratuitos. Todas as despesas, como a locação do barco, contratação de marinheiros e demais custos, estão sendo marcadas pela Prefeitura. Estamos aprendendo muitas coisas durante esse processo, inclusive como alugar embarcações, nos trâmites legais”, descreveu o prefeito.

A decisão da Prefeitura de Belo Horizonte de retomar a navegação se manteve mesmo com a presença da cor esverdeada na água em trechos da Lagoa no início do mês de outubro. Um grupo de trabalho também foi criado para coordenar o projeto, que ficou conhecido como “Retomada da Navegação e Uso de Espelho d’água da Lagoa da Pampulha”. Em nota, a PBH explicou que a principal causa do fenômeno é o início do período chuvoso, em que “as chuvas provocam a lavagem das vias e do solo urbano, pode provocar aumento da turbidez (água mais turva), presença de espuma e alteração na coloração”.

Prática de esportes 

Acho que posso falar também pelos meus amigos e pela minha família: a gente sempre teve o sonho de ver a Lagoa sendo mais bem aproveitada, especialmente com atividades dentro da água. João Izidoro, designer

Um novo projeto em análise na Câmara Municipal de Belo Horizonte propõe liberar a prática de esportes náuticos na Lagoa da Pampulha. O texto, de autoria do vereador José Ferreira (Podemos), “defende o estímulo à prática de atividades náuticas na Lagoa da Pampulha, seja ela comercial, esportiva, amadora ou profissional, por parte de pessoas físicas, empresas, microempreendedores individuais, entidades náuticas de Belo Horizonte devidamente credenciados pelo órgão competente”. 

Além disso, o projeto prevê a aplicação de multa para o uso de embarcações motorizadas ou não autorizadas, bem como para outros pertences irregulares. A penalidade será de R$1 mil por pessoa, valor que dobra em caso de reincidência. Também está prevista multa de R$10 mil para edificações não autorizadas na orla da Lagoa.

Prefeito Álvaro Damião participa do evento de retomada dos passeios turísticos na Lagoa da Pampulha, com a lagoa ao fundo.
O prefeito de Belo Horizonte Álvaro Damião em passeio turístico sobre as águas da Pampulha. Crédito: Rodrigo Clemente/PBH

Com um olhar otimista, o designer João Izidoro acredita que o possível retorno de atividades esportivas na Lagoa da Pampulha pode trazer benefícios significativos para a cidade. Com uma relação afetiva com o local desde a infância, ele relembra suas memórias na região: “Eu vivi a vida toda nas regiões próximas da Lagoa da Pampulha, então ela sempre foi, pra mim, um espaço de lazer. Conheço bem os arredores: já pedalei por ali, fui a muitos restaurantes, participei de vários eventos. Praticamente tudo o que tem em volta da Lagoa eu já experimentei de alguma forma”.

O designer também destaca que sempre alimentou a expectativa de ver a Lagoa sendo mais bem aproveitada pela população. Para ele, a ampliação das formas de uso do espaço seria um avanço importante: “Apesar da Lagoa ter uma extensão enorme, o espaço realmente utilizável pelo público é bem limitado. É basicamente a ciclovia e a pista de caminhada. Então, abrir a Lagoa para atividades esportivas e de lazer, especialmente dentro da água, seria algo muito positivo. Eu realmente vejo isso como uma conquista para a cidade”, argumenta.

No entanto, o doutor em arquitetura e urbanismo pela UFMG, secretário regional da Pampulha, Flávio Lemos, explica que o funcionamento inicial da navegabilidade na região não deverá contar com a prática da natação e de pedalinhos.

 “Não temos ainda uma proposta de regularização de esportes náuticos na lagoa. A princípio pensa-se apenas em um barco turístico com venda de ingressos. Posteriormente devem ser liberados esportes náuticos de competição, possivelmente estimulados pela Secretaria Municipal de Esportes. Natação dificilmente vai ser liberada. Pode ser que em um futuro sejam liberados pedalinhos ou algo assim, mas dificilmente o uso de barcos privados de lazer”.

Entre o bonito e o poluído 

Voltando de um jogo do Mineirão, a aluna Maria Eduarda Dias, que estuda Relações Públicas na UFMG, embarcou em um carro de aplicativo e, em seguida, engatou em uma conversa com o motorista do carro, que citou a abertura da Lagoa da Pampulha para esportes e outras atividades aquáticas. Essa novidade caiu no colo dos mineiros em meados de agosto, com a notícia de que a água da Lagoa alcançou um nível que torna viável a prática de esportes náuticos e operações de navegação.  

Apesar de ser um dos pontos turísticos mais famosos e emblemáticos da cidade, a Lagoa da Pampulha pode ser vista como um sinônimo de poluição e mau cheiro por parte dos moradores e turistas que a visitam. Seu visual é uma antítese: a casa de baile e Igrejinha da Pampulha constituem um elegante e clássico visual, assinadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Por outro lado, ao se aproximar do espelho d’água, o mal cheiro e pouca visibilidade da água inundam os sentidos e cravam a poluição no olfato daqueles que praticam esportes, exercícios ou outras atividades no entorno da Lagoa.

Pôr do sol na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, com o Estádio Mineirão ao fundo e o reflexo do céu alaranjado nas águas.
Pôr do sol na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, com o Estádio Mineirão e o céu alaranjado refletidos nas águas. Crédito: Adriana dos Santos Sales/ Flickr

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais, COPASA, anunciou que a qualidade da água da Lagoa tem alcançado níveis que tornam as práticas de esportes e atividades náuticas possíveis, além de anunciar uma série de investimentos com foco na despoluição da água. O financiamento do projeto que visa diminuir os índices de poluição já soma R$75 milhões de reais, e em 2023, a COPASA assume a responsabilidade legal de universalizar o esgotamento sanitário na bacia da Pampulha até 2028, ou seja, todos os imóveis deverão estar ligados à rede de coleta, eliminando o lançamento irregular de esgoto, que é um dos maiores problemas da lagoa da Pampulha.

O surgimento da Lagoa e sua função social

As primeiras obras para a construção da lagoa artificial iniciaram-se em 1936. À época, o então prefeito Otacílio Negrão de Lima tinha como foco a prevenção de enchentes e a ampliação dos abastecimentos de água na cidade. Ainda na concepção, a prática de esportes náuticos já era visada, transformando a Lagoa em um símbolo de entretenimento. 

A conclusão do projeto, entretanto, só foi acontecer sete anos depois, em 1943, quando o então prefeito da cidade, Juscelino Kubitschek, engatou o projeto com Niemeyer. 

A Lagoa conta com 18 km de extensão, e seu entorno foi idealizado para sediar o Cassino, que foi fechado em 1946 e hoje é sede do Museu de Arte da Pampulha, além do Iate Tênis Clube, o Museu Casa Kubitschek, a Igrejinha da Pampulha e a Casa do Baile. Fazem parte das águas da Lagoa da Pampulha 44 córregos, sendo que oito deles deságuam no reservatório: Olhos d’Água, AABB, Braúnas, Água Funda, Sarandi, Ressaca, Tijuco e Mergulhão. 

Casa do Baile às margens da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, com sua marquise curva refletida nas águas.
Casa do Baile, na orla da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Crédito: Eduardo Gabão/Wikimedia

O conjunto arquitetônico da Pampulha teve grande reconhecimento em 1984, quando foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). Anos depois, o local teve um novo tombamento pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1997, e foi eleito patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 2016.

Reviva Pampulha

Se a população perceber que a água está mais limpa, certamente se sentirá mais confortável para usar o espaço e terá mais confiança de que o trabalho está sendo bem feito. Espero que dê certo essa proposta de navegação e, quem sabe, até de banho na Lagoa. Seria importante retomar o motivo pelo qual ela foi criada. – Maria Eduarda Dias, estudante da UFMG

Em 2023, a Copasa, em parceria com as prefeituras de Belo Horizonte e Contagem, criou o programa Reviva Pampulha, como parte de ação do Plano de Ação da Bacia da Lagoa da Pampulha. O projeto é destinado á ações de revitalização e melhoria da qualidade das águas da Lagoa da Pampulha e da coleta de esgoto e saneamento básico dos mais de 18 mil moradores da região. 

Com um investimento destinado de cerca de R$60 milhões e 99,2% de cobertura de esgoto na região, o projeto definiu como meta a interligação de 9.759 imóveis, sendo que mais de 50% já foram regularizados até o momento. Também integram o plano, vistorias do Programa de Recebimento de Efluentes não Domésticos (Precend), inspeção e correção de lançamentos de águas pluviais nas redes coletoras e o tratamento das águas dos córregos Ressaca e Sarandi por meio da ETAF Pampulha (Estação de Tratamento de Águas Fluviais).

A estudante Maria Eduarda Dias, que mora na região da Pampulha, defendeu que, para além do tratamento correto da água, a Copasa deveria impedir o despejo de esgoto na Lagoa: “Com relação à qualidade da água, acho que é preciso confiar nos testes da Copasa e no tratamento que ela realiza. Mas mais do que isso, é fundamental garantir que nenhum tipo de esgoto continue sendo despejado na Lagoa. Seria ideal que a Copasa demonstrasse claramente quais galerias antes escoavam resíduos e agora foram desativadas”.

Polêmica envolvendo Rio Sena acende alerta na Pampulha

A prática de esportes em ambientes aquáticos com histórico de alta poluição não é algo incomum. Em julho de 2024, os Jogos Olímpicos de Paris marcaram a reabertura de um dos principais cartões postais da França, o Rio Sena, para a prática de atividades esportivas e como local da cerimônia de abertura do evento. 

A despoluição do Sena contou com esforços coletivos do governo do país e um investimento de cerca de R$8 bilhões desde 2016 para tornar o rio próprio para banho. Mesmo com inúmeras medidas como a modernização das estações de tratamento de água e esgoto, o Rio Sena continuou registrando níveis de coliformes fecais e bactérias nocivas à saúde humana.

Após os primeiros dois dias de competições, as polêmicas sobre a qualidade da água do Rio Sena começaram a surgir. Nas provas do triatlo e maratona aquática, atletas relataram estar sofrendo com sintomas gastrointestinais como vômitos e diarreia, dentre eles, o suíço Adrian Briffod, e os triatletas portugueses Vasco Vilaça e Melanie Santos. A belga Claire Michel teve que ser internada após contrair a bactéria E. coli.

Assim como o Rio Sena, a Lagoa da Pampulha tem um histórico de transmissão de doenças associadas à poluição da água e à presença de animais que circulam pela orla. Entre os problemas já registrados, destacam-se casos de febre maculosa, transmitida por carrapatos-estrela infectados com a bactéria Rickettsia rickettsii, que parasitam principalmente capivaras. Também houve casos de  anemia e doenças hepáticas relacionadas ao consumo de peixes contaminados. Além disso, a lagoa apresenta riscos de infecções gastrointestinais e doenças de pele causadas por microrganismos patogênicos presentes na água, como Escherichia coli (E. coli).

Nas voltas da Pampulha: trânsito ainda é um entrave na região

Com o contingente de obras realizado pela PBH em 2025, todo o trânsito da cidade passa por uma constante modificação – e se torna cada vez mais caótico. Na região da Pampulha, o cenário não é diferente, e o trânsito na região da Avenida Antônio Carlos se torna intenso em dias de evento na região, seja um jogo no Mineirão, ou corrida  na Lagoa. Para Maria Eduarda, o acesso democrático à região é uma preocupação: “Eu moro no bairro Santa Mônica, e é um dos escapes do trânsito, sabe? E quando acontece alguma coisa na orla, a gente é profundamente atingido… Aos domingos, por exemplo”. 

A avenida Otacílio Negrão engloba todo o entorno da Lagoa da Pampulha, e apesar de um fluxo contínuo e intenso de veículos, trata-se de uma via pequena, que não suporta o volume de veículos e pessoas. Como o foco da prefeitura é em obras de mobilidade e macrodrenagem, o entorno da Pampulha parece não receber a atenção necessária no projeto vigente do município, o que deixa moradores como Maria Eduarda preocupados com mais uma modificação na região. 

Trânsito intenso na avenida que contorna a Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, com carros, ônibus e pedestres próximos ao Mineirão.
Ação de trânsito da PBH na região da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Crédito: Prefeitura de Belo Horizonte

A PBH já iniciou, ainda no mês de outubro, um grupo para estudar e desenvolver atividades voltadas às práticas navegáveis na Lagoa da Pampulha. Mas moradores continuam relatando que a água permanece verde e resíduos continuam a se acumular na orla, trazendo uma série de incertezas quanto ao trabalho da prefeitura, que em nota, continua a enfatizar que “trabalha continuamente na busca de soluções efetivas para a reabilitação e proteção da Lagoa da Pampulha”.

O prefeito Álvaro Damião já bateu o martelo para uma data: a partir de dezembro as embarcações iniciam seus trabalhos. O projeto piloto prevê passeios de quinta a domingo, entre 8h e 17h, com o foco em apresentar o Conjunto Moderno da Pampulha. A pressa da prefeitura conjugada à pouca explicação de suas ações põe em xeque o processo, e apesar de a Lagoa ao seu objetivo vital, deve-se considerar as mudanças urbanas que tornam a Lagoa da Pampulha um local diferente do que era a mais de 80 anos atrás.

Reportagem produzida por João Pedro Guido e Letícia Nogueira

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário