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DESDOBRAMENTOS: Bolsonaro no banco dos réus

O julgamento dos envolvidos nos atos golpistas marca a retomada democrática? Especialistas comentam os desdobramentos da tentativa de golpe e da Ação Penal 2668, enquanto apoiadores pedem anistia

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Um ano e meio após a tentativa de subversão democrática que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023, o Brasil assiste a um momento histórico: o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus principais aliados. Transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro se vê no centro de uma das mais importantes ações penais da história recente do país — um processo que definirá não apenas seu futuro político e pessoal, mas também o rumo das instituições democráticas brasileiras.

A acusação formalizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que Bolsonaro não apenas insuflou seus apoiadores contra o resultado das eleições de 2022, como também participou ativamente de uma estratégia de ruptura institucional. Entre os elementos centrais estão os discursos contra o sistema eleitoral, a minuta de decreto encontrada com aliados, a mobilização de militares e civis e a omissão diante dos ataques aos Três Poderes.

De acordo com o professor Emilio Peluso Neder Meyer, constitucionalista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o que o inquérito demonstrou até agora é que de fato houve uma construção para realizar o 8 de janeiro e um golpe, e essa construção foi iniciada ainda durante a campanha eleitoral. “O presidente começou em 2022 a atacar o processo eleitoral como um todo, preparando o terreno para uma virada de mesa caso fosse derrotado”, explica.

José Santiago, professor de direito penal e processual da PUC Minas, concorda e enfatiza que 8 de janeiro foi só a “explosão”, que culminou de um processo em que Bolsonaro colocou em dúvida as urnas eletrônicas, convocou reunião com embaixadores para combinar uma possível reação à vitória de seu opositor, estimulou as pessoas a tentarem o golpe e esteve ciente de uma minuta de golpe que incluía o planejamento do assassinato de autoridades públicas.

segundo dia julgamento gabinete Flávio Bolsonaro _ @damaresx oficial reprodução _ 2025
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segundo dia julgamento gabinete Flávio Bolsonaro _ @damaresx oficial reprodução _ 2025
Gustavo Moreno - STF
Bolsonaro em coletiva no senado após virar réu _ Brenno carvalho Agência O Globo 2025
Antonio Augusto - STF
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Bolsonaro e mais sete pessoas por envolvimento direto na tentativa de golpe. As investigações revelaram reuniões conspiratórias, omissões estratégicas, apoio logístico a manifestantes e ações de sabotagem contra o processo de transição de governo.

As provas reunidas até aqui são robustas: além da minuta golpista, foram colhidos depoimentos de ex-comandantes militares, mensagens de WhatsApp que mostram a articulação de atos violentos, delações como a de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e rastreamentos financeiros que ligam aliados do ex-presidente aos financiadores dos atos.

“O recebimento da denúncia pelo STF foi facilitado porque as provas já haviam sido colhidas sob a supervisão do próprio ministro Alexandre de Moraes, e validadas pela PGR”, pontua Emilio. O processo é colegiado: a Primeira Turma do Supremo, composta por cinco ministros, decidiu de forma unânime pela abertura da ação penal.

Por que o golpe não deu certo?

O 8 de janeiro foi forjado na grande massa de manobra que eram aqueles fanáticos. Que ocuparam os quarteis. Mas a permissão foi dada pelos militares, que nunca expulsaram eles de lá, continuaram acampados e, no momento certo, eles foram recrutados, levados, encaminhados para a Praça dos Três Poderes.

Vários fatores explicam o motivo do fracasso da tentativa de golpe dos bolsonaristas. Os pesquisadores entrevistados pelo Colab observam que a negativa dos Estados Unidos, que foi um agente promotor e financiador do golpe de 64, influenciou na desmotivação de militares e civis.

Isso culminou na negativa de alguns setores econômicos, que não aderiram aos ideais antidemocráticos, como mostra o manifesto empresarial de agosto de 2022, gestado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

A posição dos grandes grupos de comunicação contrária ao golpe é outro elemento importante, segundo o mestre em ciências sociais Wallison Brandão, que destaca a presença de grupos políticos e movimentos sociais também contrários. 

Wallison também ressalta que a própria figura do ex-presidente suscita desconfiança nos apoiadores e nas Forças Armadas. “Vamos pensar nos ditadores de 1964 a 1985. Castelo Branco, Costa Silva, Médici, Geisel, Figueiredo. Todos eles tinham uma carreira militar consolidada dentro das Forças Armadas e eram pessoas da confiança do alto clero das Forças. Já Bolsonaro foi expulso das Forças Armadas nos anos 80. Então ele nunca foi alguém de confiança.” Além disso, o professor acredita que as forças armadas viram uma oportunidade de retomar o protagonismo político-social perdido pós-ditadura.

A responsabilidade

Em sua defesa preliminar, Bolsonaro alegou que não estava no Brasil no dia 8 de janeiro, já que havia viajado aos Estados Unidos no final de dezembro de 2022. No entanto, como esclarecem Emílio e José Santiago, a ausência física não o isenta da responsabilidade. 

Afinal, toda a mobilização que resultou na invasão das sedes dos Três Poderes foi alimentada por meses de discursos inflamados e ataques sistemáticos ao sistema eleitoral, incentivados diretamente pelo ex-presidente.

Além disso, investigações revelaram o envolvimento de empresários no financiamento de caravanas para Brasília, demonstrando um esquema organizado de apoio aos atos antidemocráticos, ainda que, criminalmente, a responsabilização de pessoas jurídicas não esteja prevista, exceto em casos de crimes ambientais. Por isso, como destaca Emilio, é fundamental identificar indivíduos dentro dessas organizações que autorizaram o financiamento e a mobilização.

Crimes imputados

Existe a tentativa de minimizar os atos do 8 de janeiro, tornando os golpistas mártires. Um dos grandes exemplos dessa ação é “Débora do Batom”, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, conhecida por escrever a frase “perdeu, mané” na estátua do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, os atos não se limitam a escrever em uma estátua. Os crimes imputados aos envolvidos no 8 de janeiro são:

  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP);
  • Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M);
  • Dano qualificado com violência (art. 163, parágrafo único, I, III e IV);
  • Associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único); 
  • Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I da lei 9.605/98)

A professora e pesquisadora do PPGCOM da PUC Minas Nara Scabin explica que o 8 de janeiro, mesmo que não tenha dado certo em sua finalidade principal, que era realizar um golpe de Estado e iniciar um regime autocrático, ainda tem uma utilidade para a extrema direita. Por meio da apropriação discursiva e simbólica, via redes sociais e plataformas digitais, há a construção de uma narrativa da extrema direita como perseguida, transformando o 8 de janeiro num símbolo de luta.

Lei nº 14.197/2021

Promulgada para substituir a antiga Lei de Segurança Nacional, a nova legislação atualiza os crimes contra o Estado Democrático de Direito, alinhando-os aos princípios constitucionais. Nos julgamentos relacionados a Bolsonaro e seus aliados, os artigos mais frequentemente invocados são:

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O papel do Supremo e os riscos institucionais

O julgamento de Bolsonaro impõe ao STF uma responsabilidade inédita: julgar um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Para Emílio Meyer, o Supremo tem uma chance de reafirmar a defesa da democracia, embora enfrente o risco de ser novamente acusado de parcialidade ou ativismo judicial, especialmente pelos apoiadores do bolsonarismo.

A importância desse julgamento é comparável à redemocratização pós-ditadura: o desfecho do caso poderá consolidar um entendimento jurídico e social sobre os limites da liberdade de expressão e da atuação política no Brasil, estabelecendo precedentes que moldarão o futuro das instituições.

Desde a derrota eleitoral em outubro de 2022, Bolsonaro e aliados lançaram mão de uma série de estratégias para minar a confiança pública nas urnas e culminaram na tentativa de instalação do estado de sítio. “O estado de sítio é um mecanismo extremo, de suspensão temporária de garantias constitucionais, usado apenas para defender o próprio sistema democrático. Bolsonaro tentou traçar uma narrativa para forçar essa situação”, explica Emilio.

Ainda durante o mandato, Bolsonaro promoveu reuniões com embaixadores para atacar o sistema eleitoral, desafiou decisões do STF e incentivou acampamentos golpistas em frente a quartéis militares, que posteriormente alimentaram os atos violentos de janeiro.

Para facilitar o julgamento, os réus foram divididos em cinco núcleos. Confira quais são:

Núcleos do Golpe

Planejaram e organizaram a tentativa de golpe.

Data do julgamento: 25 e 26 de março de 2025

Integrantes:
Jair Messias Bolsonaro
Alexandre Ramagem
Almir Garnier Santos
Anderson Torres
General Augusto Heleno
Mauro Cid
Paulo Sérgio Nogueira
Walter Braga Netto

Executou o plano.

Data do julgamento: 29 e 30 de abril de 2025

Integrantes:
Silvinei Vasques
Marília Ferreira de Alencar
Fernando de Sousa Oliveira
Mário Fernandes
Marcelo Costa Câmara
Filipe Garcia Martins Pereira

Militares especialistas em operações especiais, planejando ações como o “Punhal Verde e Amarelo” para o dia 15 de dezembro de 2022, visando matar o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin.

Data do julgamento: 8 e 9 de abril de 2025

Integrantes:
Estevam Gaspar de Oliveira
Hélio Ferreira Lima
Rafael Martins de Oliveira
Rodrigo Bezerra de Azevedo
Wladimir Matos Soares
Bernardo Romão Corrêa Netto
Cleverson Ney Magalhães
Fabrício Moreira de Bastos
Marcio Nunes de Resende Júnior
Nilson Diniz Rodriguez
Sérgio Cavaliere de Medeiros
Ronald Ferreira de Araújo Júnior

Criação e disseminação de informações falsas para descredibilizar o processo eleitoral.

Data do julgamento: Ainda não marcada

Integrantes:
Ailton Gonçalves Moraes Barros
Ângelo Martins Denicoli
Carlos César Moretzsohn Rocha
Giancarlo Gomes Rodrigues
Guilherme Marques de Almeida
Marcelo Araújo Bormevet

Data do julgamento: Ainda não marcada

Integrante:
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho

A tentativa de anistia e a batalha no Congresso

Foto: Leonardo Zvarick – CBN
Foto: Joédson Alves – Agência Brasil

Enquanto o julgamento avança no STF, setores bolsonaristas articulam no Congresso Nacional propostas de anistia para os envolvidos nos atos do 8 de janeiro. A tentativa é vista como extremamente preocupante por especialistas.

Anistia é perdão, e não se perdoa quem agiu corretamente. Se perdoa o crime. Para mim, só de ter surgido a hipótese de uma anistia, já me parece uma confissão.

Se aprovada, uma anistia ampla poderia abrir precedentes perigosos, enfraquecendo a responsabilização por tentativas de ruptura institucional e minando o aprendizado democrático. José Santiago explica que a Constituição não permite que se perdoe quem cometeu um ato contra o próprio ordenamento constitucional, pois estaria prevendo o próprio fim dela.

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

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