País do futebol, carnaval e funk, o Brasil tem se destacado em outra área: o engajamento nas plataformas sociais. De acordo com Relatório Digital 2024: 5 bilhões de usuários de mídia social, realizado em parceria com as agências We Are Social e Meltwater, o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo online, com média de 9h13, ficando atrás apenas da África do Sul, com 9h24.
Nas disputas por prêmios, o engajamento dos brasileiros se intensifica, envolvendo não apenas rivalidade e emoção, mas, principalmente, um forte sentimento de patriotismo. Um exemplo recente dessa mobilização foi a vitoriosa campanha do longa-metragem Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles.
Entre o mês de setembro de 2024, quando o filme foi lançado, e março de 2025 quando ocorreu a cerimônia do Oscar, os brasileiros criaram uma campanha de divulgação da obra nas mídias sociais, incentivando o público internacional a assistir o longa. Além disso, “invadiram” as páginas oficiais de premiações como o Oscar e o Globo de Ouro, enchendo as publicações relacionadas ao filme Ainda Estou Aqui de likes e comentários.
Fandoms e mobilização online

Mestre em Psicologia pela PUC Minas, Lívia Mariano (foto à direita) comenta sobre a necessidade de autoafirmação do povo brasileiro. “Talvez por um reflexo de um passado de colonização, onde o que é nosso sempre parece ser inferior ao que é de fora. O que percebo é que o brasileiro quer provar seu valor, seja com humor ou fanatismo, e somos conhecidos por sermos fãs muito engajados. Por exemplo, nas redes sociais, sempre pedimos para artistas internacionais virem para o Brasil, criando esse engajamento fervoroso”.
A visibilidade oferecida pelos brasileiros nas mídias sociais também cria uma oportunidade para marcas se conectarem com o público consumidor e divulgarem seus produtos e serviços. Para Luciana Andrade (foto abaixo), coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda (campus São Gabriel) e professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, nosso país tem se tornado um local estratégico para grandes marcas para a criação de tendências e movimentos online:

“O Brasil tem sido um campo de experimentação e de referência para outros lugares do mundo. Somos criativos, a gente aproveita cenas do cotidiano, né? O cotidiano do brasileiro é muito metafórico, tem muitas formas de linguagem, de interpretação, a gente tem muitos memes e gírias”.
O uso dos memes é algo muito marcante no comportamento digital brasileiro. Lívia Mariano enfatiza a importância deles, em diversos contextos: “O brasileiro, especialmente no ambiente digital, tem uma característica muito humorística. Ele faz meme com tudo – até em momentos de conflito, o que é uma maneira de rir da própria desgraça. Os memes visuais, muitas vezes com figuras da cultura pop e com uma linguagem muito conectada à comunidade LGBT, são muito comuns. Eles [os memes], apesar de muitas vezes descontextualizarem assuntos sérios, acabam servindo como uma forma de aliviar tensões. No Brasil, lidamos com muitos momentos difíceis, como questões políticas e sociais, e os memes surgem como uma forma de lidar com o mal-estar.”
Sociabilidade em rede
O ambiente digital é uma extensão do nosso cotidiano. O que o brasileiro faz no digital é um reflexo do que ele é fora das telas. Lívia Mariano
Luciana Antunes ainda destaca que a sociabilidade é um dos traços mais marcantes do povo brasileiro, o que se reflete no comportamento online: “Faz parte da cultura brasileira essa questão da sociabilidade, do relacionamento e esse interesse pela vida dos outros”. Para ela, as redes sociais online agem como uma extensão disso, com brasileiros mantendo um interesse constante sobre o que os outros estão fazendo, comentando sobre suas vidas e, muitas vezes, expondo suas próprias experiências.
Ela faz uma analogia para ilustrar: “Eu sempre digo que as plataformas de redes sociais são como a senhorinha que fica na porta de casa, no interior, observando quem passa e comentando sobre a vida dos outros”. Esse é o comportamento de uma sociedade que valoriza a conexão, mas também mantém uma vigilância quanto à vida alheia.
Lívia Mariano explica que o ambiente digital é uma extensão do cotidiano brasileiro. “O que o brasileiro faz no digital é um reflexo do que ele é fora das telas. O comportamento digital fervoroso, como esse engajamento nas redes sociais, é uma manifestação das emoções e da paixão que o brasileiro tem na vida real. Existe uma forte conexão emocional, um afeto que transborda, especialmente quando falamos de fãs e cultura pop”.

Pesquisador, professor da PUC Minas e especialista em comunicação digital, Caio Giannini (foto à esquerda) comenta que, com o crescimento das plataformas digitais, as pessoas têm cada vez mais a oportunidade de interagir entre si e com marcas de maneira ampla. Apesar de reconhecer o lado positivo dessa relação, ele alerta para o compartilhamento de fake news e informações distorcidas: “A gente [os brasileiros] imediatamente compartilha sem olhar mais aprofundadamente de onde veio a informação, não se preocupa em saber quem fez aquilo e nem quais os interesses por trás daquilo. A gente apenas compartilha. Assim a desinformação circula como fogo em mato seco”.
Entretenimento que também é vício
Uma das questões centrais do comportamento digital contemporâneo, especialmente entre os mais jovens, é a constante imersão em conteúdos rápidos e viciantes. “As plataformas estimulam a produção de dopamina, ou seja, o cérebro é alimentado por essas pequenas doses de prazer”, explica Luciana Andrade. Esse mecanismo gera um vício que, segundo ela, impacta diretamente a capacidade de concentração das gerações mais jovens. “É quase impossível ver os jovens se concentrando em um filme”.
O uso excessivo das plataformas de redes sociais vem colocando em risco a saúde mental de milhares de brasileiros. De acordo com dados do estudo Panorama da Saúde Mental 2024, realizado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, 45% dos casos de ansiedade em jovens de 15 a 29 anos estão relacionados ao uso intensivo dessas plataformas. Ainda de acordo com a pesquisa, 65% dos entrevistados enfrentam dificuldades emocionais em algum grau, incluindo não só a ansiedade, mas também a depressão.
Caio Giannini também adverte para os perigos da crescente dependência das plataformas digitais. “Eu vejo isso de uma maneira inicialmente positiva. Obviamente, o receio nasce quando as coisas começam a sair do controle. É importante que a gente tenha canais de comunicação com os consumidores, mas que não fiquemos reféns destes canais, porque vemos que as pessoas em boa parte optam por apenas consumir passivamente conteúdo e pouco interagem ou mesmo refletem criticamente sobre o que chega”.
“O engajamento nas redes online cria um ambiente onde as pessoas se comunicam, mas o crescente vício digital e o controle das plataformas geram problemas”, completa. Apesar de reconhecer a importância da comunicação nas plataformas, Giannini se mostra cauteloso, afirmando que “pensando com a mentalidade de um publicitário, enxergo isso com um pé atrás”, temendo que o domínio das plataformas sobre o processo de comunicação possa limitar a liberdade digital.
Engajamento pela controvérsia
Um dos pontos centrais do comportamento nas plataformas sociais no Brasil, segundo Andrade, é o engajamento gerado por temas controversos. “O engajamento acontece pelo amor ou pelo ódio. Ou eu gosto muito de algo e quero compartilhar, ou eu furo minha bolha para manifestar repulsa”, afirma. Exemplos disso são visíveis em casos recentes como o Grammy, onde disputas entre artistas e seus respectivos fãs geraram grandes polarizações, com muitos usuários expressando opiniões extremas sobre os vencedores.
Outro exemplo claro é o Big Brother Brasil, cujas edições sempre geram um engajamento massivo, seja para apoiar participantes, seja para criticar comportamentos dentro do programa. Ela ainda explica que essa polarização é alimentada pelas próprias plataformas, que incentivam a produção de conteúdos polêmicos, porque geram mais reações.
Giannini também alerta para os malefícios desse processo, citando como exemplo o modelo de negócios das plataformas, que alimentam bolhas de informações que reforçam crenças já consolidadas. “As plataformas desenvolvem formas de nos apresentar apenas conteúdos referentes àquilo com o que concordamos ou que, de acordo com os cálculos das plataformas, temos maior probabilidade de gostar. Assim acontece a manipulação algorítmica”, afirma.

A Influência do Público Brasileiro no X de Elon Musk: Implicações para a Plataforma
Para a professora Luciana Andrade, o Brasil tem um papel fundamental no ecossistema das plataformas, como demonstrado pelo impacto que o público brasileiro tem no uso do Twitter, atual X, mesmo após a compra da plataforma por Elon Musk. “O Brasil é um país crucial para o Twitter. Quando o Supremo Tribunal Federal [STF] decidiu suspender o uso da plataforma no Brasil, ficou claro que a ausência do público brasileiro afeta diretamente o engajamento e a sustentabilidade da rede”, afirma.
Giannini também faz referência ao papel das plataformas em influenciar o comportamento público. Ele comenta sobre o Google, que usou sua influência para direcionar a opinião pública em relação à proposta da PL 2630 em 2023. “Este foi um claro caso de uma empresa com muito interesse em ver a atividade de plataformas não passar por qualquer regulação que ameace seus lucros atuar para direcionar a opinião popular”, diz. Para ele, a ação das grandes corporações nas mídias sociais tem impactos profundos na opinião pública.
Desinformação e a falta de regulação
Andrade e Giannini concordam sobre os perigos da desinformação nas mídias sociais. A professora alerta que a falta de regulação permite o crescimento de conteúdos falsos, que se espalham com facilidade. “Não se trata de censura, mas de uma regulação que proteja o público de desinformação e da manipulação digital”, afirma Luciana Andrade .
Giannini, em sua análise, também critica o comportamento coletivo de compartilhar conteúdos sem verificar a veracidade das informações. “A gente rola a timeline da plataforma e vê uma coisa que se alinha com a nossa forma de pensar. A gente imediatamente compartilha sem olhar mais aprofundadamente de onde veio a informação, não se preocupa em saber quem fez aquilo e nem quais os interesses por trás daquilo. A gente apenas compartilha. Assim, a desinformação circula como fogo em mato seco”, diz Giannini.
Tanto Andrade quanto Giannini também destacam o impacto psicológico que o consumo excessivo de conteúdo nas mídias sociais pode causar, especialmente em relação à violência digital. Andrade lembra que a exposição a conteúdos violentos tem se tornado uma realidade para muitas pessoas, com impactos negativos na percepção da realidade. “Hoje, com o celular na mão, qualquer pessoa tem acesso a cenas de crimes e tragédias em tempo real. Isso modifica a maneira como as pessoas percebem a realidade, criando uma conexão direta com a violência”, diz ela.
Giannini complementa, ressaltando os impactos na saúde mental, especialmente em adolescentes, devido à superexposição nas plataformas. “A exposição prolongada a telas, especialmente o consumo de informação em plataformas sociais, gera impactos negativos na saúde mental dos usuários, como ansiedade, depressão e baixa autoestima”, afirma.
Lançada neste ano pela Netflix, a minissérie de drama britânica “Adolescência”destaca como as redes sociais podem ser um terreno fértil para a disseminação de desinformação. Na trama o jovem Jamie Miller, de 13 anos é acusado de matar a sua colega de escola, Katie Leonard. A série explora a complexidade da fase adolescente, onde a busca por identidade e pertencimento muitas vezes se mistura com a pressão de manter uma imagem idealizada nas redes sociais, levando a consequências dramáticas, como a amplificação de rumores e informações distorcidas.”
O Futuro das Redes Sociais no Brasil: Preocupações e Tendências
Sobre o futuro das plataformas sociais no Brasil, Giannini é pessimista, especialmente em relação ao controle das grandes corporações sobre os dados e as informações. Ele observa: “A eleição de Donald Trump evidenciou que quando um bilionário, como o dono do Twitter, atua, pode influenciar muito mais do que os seus negócios e resultados. Isso deixou outros bilionários mais animados; o que nunca é bom.” Ele também alerta para as mudanças nas políticas de moderação de conteúdo, como as feitas pela Meta, que podem agravar a disseminação de desinformação.
Andrade, por outro lado, acredita que as redes sociais continuarão a ser um reflexo da sociedade brasileira, ampliando tanto suas virtudes quanto seus vícios. Ela observa que a regulação das plataformas é necessária para garantir que as dinâmicas digitais não sejam prejudiciais para a sociedade como um todo.
Reportagem de João Pedro Guido e Rayssa Moura.
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