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Minas selvagem: a fauna que resiste em Belo Horizonte

Especialistas contam os dilemas da proteção e conservação dos animais silvestres nos centros urbanos

Em meio ao seu dia de trabalho no Zoológico de Belo Horizonte, Herlandes, médico veterinário concursado desde 2007, não esperava a ligação que iria receber. “Estamos precisando de sangue de anta”, disse uma colega pesquisadora responsável por desenvolver biocurativos para animais com queimaduras no Pantanal. O projeto, até então em andamento, tinha como objetivo produzir um gel a partir das células de certas espécies da fauna brasileira para acelerar a cicatrização da pele de bichos atingidos pelas queimadas na região central do país. 

Herlandes sorri e se enche de orgulho ao relembrar a história – apenas uma das experiências emocionantes que viveu ao longo de sua carreira. Veterinário apaixonado pela profissão, ele descreve os muitos trabalhos executados pelo Zoológico de BH, que muitas vezes passam despercebidos para a população.

Ao contrário do que pensam, os animais não estão no Zoológico só para serem exibidos. Eles têm todo um papel de reprodução, conservação e pesquisa aqui dentro.

Herlandes Tinoco, veterinário do Zoológico de Belo Horizonte

Atualmente, cerca de 30 pesquisas estão em andamento no zoológico de Belo Horizonte. Os estudos não apenas contribuem para a proteção de animais em vida livre, mas também trazem benefícios para nossa sociedade.

A vacina contra a febre amarela é um exemplo disso: inicialmente desenvolvida para uso em seres humanos, descobriu-se, ao testá-la em primatas, que ela também era eficaz para animais. Essa constatação foi fundamental para recuperar a população de bugios, espécie de macaco gravemente afetada pela doença há quase duas décadas. 

O caso mostra que a distância entre animais humanos e não humanos é sutil do que pode parecer. Em Belo Horizonte, por exemplo, a coexistência entre espécies ocorre em meio às avenidas movimentadas, onde uma rica biodiversidade se abriga em parques, quintais e áreas urbanizadas. Contudo, essa convivência enfrenta desafios: a expansão urbana e a interferência humana frequentemente rompem o equilíbrio da fauna local, tornando indispensáveis os esforços de resgate e proteção desses animais.

Desde uma coruja machucada no meio da rua, até os salvamentos que acontecem após tragédias como as de Mariana e Brumadinho, cada caso lembra que a cidade não é só nossa. Por trás das cortinas, biólogos, veterinários e voluntários trabalham duro para salvar esses bichos e, sempre que possível, devolvê-los ao seu habitat natural.

Ao mesmo tempo, esses profissionais garantem que a conservação não se limita ao ato de resgatar: é um movimento que envolve educação ambiental, políticas públicas e sensibilização da sociedade. Projetos locais, muitas vezes aliados a parcerias com escolas e organizações, buscam conscientizar a população sobre a importância de proteger os animais silvestres e seus habitats.  

Para entender melhor como a colaboração entre a sociedade e as instituições pode contribuir para a preservação da fauna mineira, a reportagem conversou com especialistas de diferentes áreas da proteção animal e ambiental.

Quem ama, cuida

Dividida entre São Bernardo do Campo e Belo Horizonte, Lucila Pozzi é veterinária, sócia da clínica Selva – Medicina para Animais Silvestres e mãe de Murilo. Mesmo com a correria do dia a dia, nos atendeu com a disposição de quem é verdadeiramente apaixonado pelo que faz.

A entrevista, realizada online devido à agenda cheia de Lucila, aconteceu numa sexta-feira à noite, depois de uma intensa semana de trabalho. Embora fosse tarde, ela fez questão de conversar conosco por mais de uma hora. Durante o bate-papo, o filhinho Murilo, sempre carinhoso e travesso, fazia suas breves aparições na tela de tempos em tempos para pedir atenção da mãe. 

Lucila explica que animais silvestres, na medicina veterinária, são todos os animais que não sejam cães e gatos. O profissional que atua nesse ramo acaba se adaptando ao ritmo dinâmico da profissão. Por não existir uma especialização formal, acabam sendo requisitados para atender diversas espécies durante a carreira.

Apesar de hoje atuar em uma clínica especializada em animais domésticos não convencionais, como coelhos, Lucila já se aventurou em resgates de animais silvestres e trabalhos em zoológicos. Uma das experiências marcantes de sua carreira foi o cuidado com Estela, uma filhote de tamanduá-bandeira encontrada ao lado da mãe atropelada em uma estrada no interior de São Paulo.

Tamanduá-bandeira, mesma espécie de Estela, resgatada após mãe ser atropelada / Foto: Banco de imagens do Google

Resgatada, foi transferida para o Zoológico de São Bernardo do Campo, o local mais próximo com estrutura para recebê-la. A viagem de mais de seis horas em um caminhão a deixou ainda mais vulnerável. Mas não havia outro jeito, já que suas chances de sobrevivência na natureza seriam mínimas sem a mãe.

No zoológico, a equipe iniciou os cuidados com urgência. Durante semanas, uma veterinária precisou alimentá-la cuidadosamente com leite na ponta do dedo, já que a filhote, batizada de Estela pelos cuidadores, recusava a mamadeira e a sonda. Aos poucos, Estela aceitou o suporte humano e foi recuperando as forças. Hoje, ela vive em um recinto seguro, ao qual se adaptou bem. Recentemente, teve sua própria cria – uma nova geração que agora integra programas de conservação da espécie.

Histórias como a de Estela são comuns em Minas Gerais, onde o avanço urbano e o impacto ambiental aproximam animais silvestres das cidades, criando demandas frequentes de resgate. Equipes dedicadas de veterinários, biólogos e agentes do Ibama e de ONGs trabalham diariamente para proteger e tratar esses animais feridos ou desorientados. Esse esforço é vital para restaurar o equilíbrio ecológico e educar sobre a importância de conservar a rica biodiversidade do país.

Já no final da conversa, Lucila afirmou que, embora tenha se especializado em animais exóticos e não convencionais, a experiência no trabalho de resgate e na reabilitação de animais silvestres em desastres ambientais deixou uma marca importante em sua trajetória profissional. Ela relembra sua atuação enquanto coordenadora geral técnica da fazenda criada pela Vale, trabalho fundamental para ampliar sua visão sobre os desafios e as complexidades da medicina veterinária.

Em situações de acidentes que envolvem tanto pessoas quanto animais, o protocolo de resgate prioriza as vidas humanas. Não que os animais não sejam importantes, mas é assim que precisamos agir.

Lucila Pozzi, veterinária e sócia da clínica Selva – Medicina para Animais Silvestres

Ela explicou que as equipes de resgate animal em Brumadinho geralmente eram formadas por três integrantes – um veterinário, um biólogo e um auxiliar de resgate –, mas que, durante o desastre, moradores da região e até voluntários se uniram para ajudar nos esforços de salvamento.

“Após os resgates no local, alguns animais eram levados para uma fazenda arrendada pela empresa Vale, onde atuamos por mais de dois anos”, explica a veterinária.

Quando o dique da barragem da Vallourec, em Nova Lima, Minas Gerais, transbordou em 2022, o maior temor dos veterinários, incluindo Lucila, era o rompimento da barragem, já que, em sua direção, estava localizado um Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) do Ibama, onde mais de 200 animais estavam abrigados. Diante dessa possibilidade, a equipe realizou treinamentos específicos para a evacuação dos animais.

“Se a barragem rompesse, a gente teria 14 minutos para tirar todos os animais de lá. Foi um treinamento intenso com várias empresas veterinárias envolvidas e diferentes profissionais”, recorda Lucila.

Zoológicos, habitats não tão naturais

Os animais resgatados em Brumadinho tiveram diferentes destinos, dependendo de sua condição e espécie, tendo sido a maioria reabilitada e realocada. Contudo, aqueles que sofreram ferimentos graves, como a perda de membros, ou que não tinham mais condições de sobreviver na natureza foram encaminhados para instituições como os zoológicos, que desempenham atuam tanto na recuperação desses animais quanto nos estudos sobre a fauna silvestre.

No Brasil, estima-se que existam cerca de 120 zoológicos, incluindo aquários. Dentre todas as instituições, 42 são ligadas à Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil ( AZAB), que inclui espaços públicos e privados. 

A função da AZAB é garantir a integração dos zoológicos e aquários brasileiros, contribuindo com o desenvolvimento das instituições, inserindo-as na comunidade internacional. Eles almejam tornar o Brasil um exemplo mundial de conservação ex situ, ou seja, fora de seu habitat natural, e educação para conservação, através do engajamento em campanhas.

Atualmente, o Zoológico de Belo Horizonte conta com uma equipe formada por quatro veterinários, cinco tratadores e uma técnica em patologia clínica de animais, que têm mais de 3 mil animais sob seus cuidados.

Mapa do Zoológico de Belo Horizonte / Imagem: Prefeitura de Belo Horizonte

Um dos veterinários é Herlandes Tinoco, marido de Lucila. Ele ressalta que a reputação da instituição muitas vezes não reflete a qualidade e a relevância do trabalho realizado ali.

Além de promover visitas abertas ao público, o zoológico desempenha um papel crucial na recuperação e reintegração de animais silvestres na natureza, além de contribuir para o desenvolvimento de pesquisas voltadas à preservação e continuidade das espécies, como foi o caso da anta mencionada anteriormente.

Além disso, o cuidado com os animais é sempre a prioridade. Mesmo com uma equipe altamente capacitada, o local conta com uma rede de parcerias com outras instituições e zoológicos para garantir o melhor tratamento possível, de acordo com as necessidades de cada caso.

Precisávamos realizar uma ligadura de trompas em uma chimpanzé há alguns anos. Embora soubéssemos como fazer o procedimento, contamos com o apoio de uma consultora parceira especializada em gestações de alto risco, que realizava esse tipo de cirurgia com frequência. A decisão foi tomada pensando no pós-operatório, pois seria mais seguro e tranquilo, especialmente porque a chimpanzé era diabética.

Herlandes Tinoco, veterinário do Zoológico de Belo Horizonte

Uma das principais dificuldades relatadas por Herlandes, como veterinário de um zoológico público no Brasil, é a questão das verbas e insumos. Os recursos variam conforme o governante, e a burocracia para comprar remédios frequentemente atrasa muitos procedimentos essenciais.

Ele lamenta que essas atribuições dos zoológicos sejam pouco divulgadas, o que faz com que a população não compreenda a dimensão do trabalho realizado. Ele afirma que a falta de atenção das grandes mídias, somadas à ausência de redes sociais, é uma barreira que dificulta a comunicação com a sociedade. 

“Nós não temos um Instagram próprio do Zoológico, sabe? Isso dificulta muito nosso trabalho, pois não conseguimos divulgar as coisas boas que fazemos. Gente para falar mal sempre tem, então, se nós não conseguimos falar sobre nosso trabalho, fica complicado”, comenta Herlandes.

Ciência que protege

É inegável que a divulgação científica também contribui para a proteção da biodiversidade. Levar conhecimento e educação ambiental para fora das universidades de maneira acessível é um desafio enfrentado por ambientalistas e comunicadores de todo o país. 

Em uma tarde de novembro deste ano, conversamos com biólogos e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Fauna Silvestre da UFMG (PPG-ECMVS), que nos receberam para mostrar de perto o trabalho realizado na universidade.

Mostrando que o conhecimento científico tem impactos para além da universidade, o Laboratório de Ecologia e Conservação da UFMG (LEC-UFMG) desenvolve projetos que visam resolver questões práticas da sociedade, trabalhando em parceria com diversos institutos de pesquisa, órgãos do governo, organizações não-governamentais e organizações internacionais na área de meio ambiente.

O professor Adriano Paglia, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, conta que participa de projetos de pesquisa com foco na fauna de Belo Horizonte, com destaque para os mamíferos.

Em parceria com outros profissionais, ele coordenou um diagnóstico sobre os conflitos envolvendo a fauna silvestre na capital mineira. O estudo avaliou quais espécies necessitam de ações de conservação e resgate e quais estão mais propensas a gerar conflitos com a população. Por meio do projeto, é possível identificar as áreas com maior incidência de atritos e direcionar políticas ambientais de forma mais eficaz.

Conflitos entre a fauna e os humanos sempre existiram. O que acontece é que temos agravantes como a exploração, o desmatamento, a perda de habitat, o avanço das fronteiras agrícolas, a supressão de vegetação nativa… Tudo isso aproxima pessoas de fauna silvestre, gerando atrito. Além disso, desastres ambientais, como foi o caso de Mariana e Brumadinho, acentuam esses problemas.

Adriano Paglia, professor de Ecologia da UFMG

O estado de Minas Gerais, com sua elevada biodiversidade, conta com mais de 700 espécies de mamíferos. Todas elas, em maior ou menor grau, mantêm certa interação com populações humanas. No entanto, fica claro que algumas espécies sofrem mais do que outras com essa proximidade.

“As espécies cinegéticas – que sofrem grande pressão de caça ou são predadas – são as mais impactadas, seja pela caça para alimentação, pela demanda como animais de estimação ou pelo tráfico de fauna silvestre. Por isso, elas frequentemente demandam maior urgência em ações de conservação”, aponta Adriano.

O lobo-guará é um exemplo de espécie cinegética. / Imagem: Shutterstock

Para além disso, as pesquisas desenvolvidas pelo LEC/UFMG desempenham um papel importante nas decisões do poder público, especialmente na Secretaria do Meio Ambiente, contribuindo para a criação de parques e o planejamento zoobotânico de Belo Horizonte.  

As iniciativas incluem a discussão sobre como aumentar a eficácia na gestão das áreas protegidas do município, com foco na criação de conexões verdes — corredores de biodiversidade que ligam essas áreas. O objetivo é orientar a Prefeitura sobre os locais ideais e as melhores estratégias para promover essa conectividade.

O biólogo Arthur Soares explicou como seu projeto de doutorado aborda essa temática, fornecendo subsídios teóricos que fortalecem ações de proteção da fauna e promovendo uma educação ambiental mais acessível e criteriosa para a sociedade.

A ideia central é explorar a relação entre a distribuição da fauna silvestre e os elementos da paisagem urbana de Belo Horizonte que influenciam essa dinâmica. Os dados que utilizamos são obtidos de fontes governamentais, ambientalistas e, também, por meio da ciência cidadã, que incorpora a participação da população no desenvolvimento desses estudos.

Arthur Soares, doutorando de ecologia da UFMG

O intuito do trabalho é compreender como a disposição de elementos urbanos, como edificações, arranha-céus e estacionamentos, influencia a dispersão dos organismos. Com base nessas informações, é possível criar representações que orientem a conectividade urbana, permitindo ações como o reflorestamento e o manejo adequado das espécies, auxiliando na redução de conflitos e promovendo a conservação desses animais. 

Trabalho do Ibama

Entre os muitos condomínios e avenidas do centro de Belo Horizonte, o prédio do Ibama não chama atenção à primeira vista; ele se integra ao cenário urbano e passa despercebido para quem não o procura. A surpresa, no entanto, está em seu interior: um amplo espaço repleto de plantas, pássaros e pés de jambo revelam sua verdadeira essência.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exerce variadas funções, incluindo a fiscalização de atividades no meio ambiente, o licenciamento ambiental, o monitoramento de crimes ambientais e a promoção da educação ambiental. Além disso, o órgão é responsável pela autorização de uso de recursos naturais e pela gestão das unidades de conservação.

Quando se trata de animais silvestres, a atuação é voltada para a proteção de espécies ameaçadas. O Ibama recebe diariamente muitos resgates, principalmente de aves, gambás e micos na região metropolitana de BH. Daniel Vilela, analista ambiental do Ibama, esclarece que há uma diferença entre resgates e apreensões.

“Resgate ocorre quando um animal está ferido ou necessita de atendimento urgente, enquanto apreensão diz respeito ao combate ao tráfico de animais silvestres, sendo estes resultados de atividades criminosas”, explica Vilela.

Gaiolas apreendidas pelo Ibama / Foto: Letícia Torres

Além da apreensão e do resgate, também existem casos de entrega voluntária de animais, ou seja, situações em que pessoas entregam espontaneamente animais silvestres que possuem em sua guarda.

“Outro dia, um senhor de 80 anos trouxe um jabuti que estava em sua família antes mesmo de ele nascer. Após a entrega, o animal fica sob os nossos cuidados”, conta Daniel.

O Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), localizado no Ibama, dispõe de uma sala de quarentena, depósito e ala veterinária própria, equipada para realizar consultas, cirurgias e atendimentos aos animais que chegam. Além disso, há um espaço destinado ao cuidado e à recuperação desses bichos.

Clínica do Ibama em Belo Horizonte / Foto: Helena Drummond

Já para os animais de grande porte, a sede do Ibama dispõe de uma fazenda em Barão de Cocais, com áreas amplas para a recuperação dos espécimes. 

Esse trabalho de resgate e reabilitação conta com parcerias entre diversos entes públicos e privados, incluindo instituições não governamentais, como o Instituto Waita, os bombeiros e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Daniel enfatiza que a disponibilidade de recursos e parcerias veio melhorando consideravelmente desde 2022. A equipe foi ampliada, e centros de reabilitação, como o de Barão de Cocais, foram estabelecidos. Além disso, a possibilidade de converter multas ambientais para a melhoria da infraestrutura e dos insumos utilizados no tratamento dos animais foi um grande motivador desses avanços.

Com as urgências surgindo a todo momento, ter uma rede de contatos é fundamental para agir com rapidez, algo essencial no trabalho de resgate de animais. No entanto, uma inimiga persistente ainda dificulta essa missão: a desinformação.

Nosso trabalho é extremamente importante e complexo, mas infelizmente existe a falsa ideia de que, ao ser levado ao Ibama, o animal será sacrificado. Na realidade, fazemos tudo o que está ao nosso alcance para garantir o bem-estar do animal, contando também com o apoio de nossos parceiros nessa missão.

Daniel Vilela, analista ambiental do Ibama

Com carinho, Daniel compartilha a história de Bia, uma onça-pintada resgatada pelo Ibama após um atropelamento. Depois de receber tratamento e cuidados no Zoológico de Belo Horizonte, Bia foi solta este ano e, hoje, segue sendo monitorada.

“Ela é uma onça linda e jovem, tem uns 3 anos. A soltamos no Parque Nacional da Serra do Cipó, próximo a uma área onde realizamos outra soltura alguns anos atrás. Esperávamos que ela cruzasse com outro indivíduo e, quem sabe, se reproduzisse”, conta Daniel.

O monitoramento deve ocorrer pelo período de um ano e é essencial para acompanhar a localização da espécie, seus hábitos e como ela está se adaptando ao ambiente natural.

Cenário do resgate de animais silvestres em Minas Gerais

No Brasil, os serviços de resgate de animais silvestres têm ganhado atenção, especialmente em Minas Gerais, onde o aumento do contato entre fauna e áreas urbanas tem levado a uma maior demanda por intervenções.

Segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMMG), entre 2019 e 2020, foram resgatados e devolvidos à natureza mais de 11 mil animais no estado. Muitos deles foram e ainda são encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) para recuperação e, se necessário, recebem tratamento antes da soltura na natureza.

Presentes em cinco cidades de diferentes regiões de Minas Gerais – Belo Horizonte, Divinópolis, Juiz de Fora, Montes Claros e Patos de Minas – os Cetas (Centros de Triagem de Animais Silvestres) são responsáveis por receber animais provenientes de apreensões, entregas voluntárias de pessoas que mantêm espécies ilegalmente, além daqueles recolhidos em áreas urbanas ou em estradas.

Os profissionais desses centros também cuidam de filhotes e animais feridos resgatados pela população. Anualmente, milhares de animais são recebidos, reabilitados e, sempre que possível, devolvidos à natureza.

Encontrei um animal silvestre, e agora?

Antes de acionar o Ibama ou outros órgãos responsáveis pelo resgate, é essencial avaliar a situação para determinar quando a intervenção é necessária. O resgate de um animal silvestre deve ser feito apenas quando há risco para o animal ou para as pessoas. 

Uma figura muito conhecida entre os belo-horizontinos é o jacaré da Pampulha. A lagoa da Pampulha, um dos principais pontos turísticos de Belo Horizonte, está localizada em uma região rica em área verde, que serve como habitat natural para diversos animais, incluindo os jacarés de papo amarelo.

Animais como estes ilustram bem situações em que o resgate não é necessário, e os pedidos acabam não sendo atendidos. Por não representarem risco para os humanos e por fazerem parte da biodiversidade local, os profissionais da área entendem que esses animais não devem ser removidos do ambiente onde vivem, a fim de evitar o desequilíbrio ambiental.

Além da entrega voluntária, que pode ser feita diariamente no Cetas-BH, os resgates em locais de Belo Horizonte são realizados pelos bombeiros, Ibama e WAITA, instituto de conservação parceiro.

Contudo, Daniel Vilela, analista ambiental e veterinário do Ibama, explica que, quando o animal é de grande porte ou apresenta muito risco, como uma onça, por questão de segurança, o resgate é feito pelo Ibama e jamais pelos bombeiros.

“Existe a contenção física, utilizando luvas, cordas ou redes, ou contenção química, que são dardos com remédios preparados por veterinários. Alguns animais necessitam da contenção química para o resgate, e esse procedimento só pode ser realizado com a supervisão de um profissional veterinário”, conta Vilela.

Em uma cidade que se moderniza e cresce, a tarefa de preservar a natureza requer não apenas esforço técnico, mas também a construção de uma nova cultura de convivência e respeito. 

Ao fim da entrevista, o ambientalista pediu para compartilhar com os leitores do Colab uma importante reflexão:

Precisamos aprender a conviver com os animais no ambiente urbano. Não se trata mais de algo temporário ou opcional; o conflito entre seres humanos e fauna urbana tende a aumentar. Devemos, portanto, encontrar maneiras de minimizar esses contatos de forma responsável. Retirar os animais não resolve, pois esses espaços serão rapidamente reocupados. As áreas urbanas estão se tornando o lar de espécies que conseguiram se adaptar e não há como falar em resgate sem compreender essa realidade.

Daniel Vilela, analista ambiental do Ibama

Para saber mais sobre o passo a passo, utilize o QRcode a seguir para acessar uma cartilha preparada pelo Ibama.

Confira também a explicação de Lucila Pozzi, veterinária de animais silvestres, sobre o funcionamento dos resgates.

Reportagem desenvolvida por Helena Drummond e Letícia Torres para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2024-2, sob a supervisão da profª Nara Lya Cabral Scabin.

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