O Projeto de Lei 2234/2022 autorizou o funcionamento de bingos e cassinos, inaugurando uma nova era de problemas para a saúde pública. A ludopatia, que consiste na incapacidade de parar de jogar ou abandonar o mundo das apostas, já é uma realidade crônica na vida de adultos e jovens no país. Segundo a Faculdade de Medicina da UFMG, o vício em jogos é tratado como ludopatia desde o ano de 2022, e desencadeia outra adversidade no ambiente acadêmico: universitários têm perdido dinheiro com as chamadas “bets”, casas de apostas esportivas, e, consequentemente, feito dívidas que impossibilitam sua independência financeira e causam o abandono da rotina de estudos pelos estudantes.
De acordo com dados de uma pesquisa do Banco Itaú, os brasileiros obtiveram cerca de R$44,3 bilhões em prêmios e perderam cerca de R$23,9 bilhões com apostas on-line no período de junho de 2023 a junho de 2024, o que totalizou um gasto de R$68,2 bilhões. Outra pesquisa, da Educa Insights, revelou que cerca de 35% dos jovens interessados em ingressar no ensino superior priorizam o gasto de suas economias em apostas online, como o “Jogo do Tigrinho” e abandonam a vontade de graduação. Das 10,8 mil pessoas entrevistadas em todas as regiões do país e de diferentes classes sociais, foi constatado que o problema afeta 41% das pessoas que têm até R$ 1 mil de renda per capita e, atinge 39% do público que chega a R$2,4 mil de renda per capita.
Além dos problemas financeiros, apostas também parecem indicar uma lacuna de conhecimento dessa juventude e dos demais apostadores sobre como funciona a mecânica dos jogos em ambientes online. Luciana Andrade, que é professora da PUC Minas e pesquisadora na área de comunicação digital, explica como funcionam estas perdas e ganhos na era das apostas online: “A gente tem um algoritmo que é muito sofisticado, ele é passível de manipulação frequente. Então, esses “bets” e “tigrinhos” são feitos para criar uma falsa impressão de possibilidade de ganho. Quando você entra, está entusiasmado, ganha alguns lances e depois começa a perder. Mas para não te estimular a sair da plataforma, você volta a ganhar”, explica a pesquisadora.
O aumento da evasão universitária e as perdas financeiras
O professor do curso de Ciências da Computação da PUC Minas, Sandro Jerônimo, demonstra preocupação com a evasão universitária, mas destaca que, pelo vício em jogos, ela pode se dar em todos os níveis: “Todo vício faz isso. Ele tira oportunidades da pessoa. A pessoa vira escravo daquilo, então, ela deixa de colocar recursos em algumas áreas para focar exclusivamente naquele prazer ou naquela escravidão momentânea”.
O professor ainda ressalta que os algoritmos sabem a hora certa de incentivar o usuário a jogar mais e, consequentemente, perder mais dinheiro: “Uma pessoa está ali naquela plataforma, com pouco recurso, mas você tem informação de em quais épocas do mês ela coloca seus recursos próprios, porque ela recebe um salário. Essas plataformas analisam os dados da pessoa e são capazes de estimular o jogo no momento que a pessoa tiver mais recursos disponíveis. Ao fazerem isso, as pessoas se tornam mais dependentes ainda, porque você sabe que tem o seu salário, já tem uma tendência [a jogar] e vem uma novidade”, explica Sandro Jerônimo.
O vício e as consequências mentais
Um levantamento de maio de 2023 do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo aponta que há, no Brasil, cerca de dois milhões de viciados em jogos, o que configura cerca de 1% da população do país. No estado de São Paulo, a Polícia Civil informa que, neste ano, quatro suicídios estão relacionados às apostas, enquanto o estado do Maranhão registra três. A reportagem não encontrou registros de autoextermínio no estado de Minas Gerais.
O psicólogo Reinaldo de Melo Silva alerta para os principais sintomas do vício em apostas: “Os sinais iniciais do vício em jogos de azar se assemelham aos sinais de outros tipos de vício, como o químico, por exemplo. Há uma incapacidade de controlar a frequência e o tempo desprendidos para essas atividades, o que leva à falência financeira”.
Os impactos na saúde mental começam a ser sentidos a partir do momento em que o acesso aos jogos se torna compulsivo. Segundo o site oficial da Faculdade de Medicina da UFMG, devido à alta liberação de dopamina, conhecido como hormônio do prazer, o cérebro passa a buscar cada vez mais o jogo, visando diminuir os sintomas de abstinência sentidos quando se está longe dos jogos. Homens têm maior predisposição ao vício, pois buscam os jogos como forma de controlar a impulsividade e para adquirir uma falsa sensação de recompensa. Ainda de acordo com o portal da Faculdade de Medicina da UFMG, a dependência está atrelada à precarização da qualidade de vida.
Os influenciadores e a jogada de marketing
Mesmo diante de tantos riscos já identificados, investimentos financeiros são robustos na divulgação de casas de apostas e jogos de azar, envolvendo figuras públicas e influenciadores digitais em ações de propaganda. Recentemente, a advogada Deolane Bezerra e o cantor Gusttavo Lima tiveram suas prisões decretadas por lavagem de dinheiro descoberta através da operação Integration, movida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.
A operação foi deflagrada no dia 4 de setembro de 2024, mas suas investigações começaram em 2023, quando um saco de dinheiro foi encontrado em uma banca pertencente a Darwin Henrique da Silva, pai de Darwin Henrique da Silva Filho, dono da casa de apostas Esporte da Sorte. A casa de apostas tem sede em Curaçao, ilha caribenha, porém, todos os depósitos feitos para apostas são via pix e vão para uma empresa sediada em Curitiba. Segundo o site oficial do governo de Pernambuco, cerca de 19 prisões e 24 apreensões foram realizadas até o momento da publicação. Gusttavo Lima teve sua prisão revogada apenas um dia após o mandato de prisão preventiva ser expedido.
Segundo o psicólogo Reinaldo de Melo Silva, os famosos criam no imaginário das pessoas a sensação de que podem ser iguais a eles se seguirem suas sugestões e se comprarem os produtos que anunciam e, dessa forma, gozam da credibilidade das pessoas comuns. Um grande exemplo dessa atitude se dá quando o influenciador finge jogar e apostar, mostrando a quantia falsamente ganha e ilude seu público, induzindo seguidores a acharem que terão o mesmo bom retrospecto no jogo. Os vídeos publicados por esses influenciadores são, geralmente, gravados em um momento vitorioso e apenas dublado com a voz de quem o irá postar.
O que pensam os estudantes?
O estudante de Educação Física da UFMG João Ricardo Mathias, 24, tem uma relação de aproximadamente seis anos com os jogos mas, apesar disso, não se considera viciado e destaca as modalidades que mais aposta: “Eu aposto desde 2018 ou 2019. Desde o começo o futebol sempre foi o que eu mais apostei. Atualmente eu aposto bastante em esporte americano, futebol americano e basquete, principalmente. Fórmula 1, de vez em quando. Eu tenho alguns amigos que apostam também, que são mais especialistas nessas áreas. Sempre que eles têm alguma coisa muito boa, eu aposto por isso. Mas, no geral, é futebol, futebol americano e basquete”.
Ele explica também que as apostas são um complemento de renda e que usa o dinheiro para fomentar seus estudos na universidade pública: “Hoje, a aposta é uma fonte de renda extra. Eu pego parte do lucro da casa de aposta para ajudar em algum seminário que eu precise fazer, alguma viagem da faculdade, algum congresso que a gente queira ir, que o laboratório não possa cobrir a despesa”, completa João.
Já para Henrique Junger, estudante de Jornalismo da PUC Minas, 20, o apostador não pode gastar o dinheiro que não tem: “Eu nunca gasto o dinheiro que tenho para os estudos para apostar. Até porque, nós que apostamos, sempre falamos que a aposta é algo de risco, né? Então, você só coloca o dinheiro que você pode perder. Se você não pode perder dinheiro, você não coloca nada. Se você só pode perder R$20, você só coloca R$20. Tem dia que você vai ganhar, tem dia que você vai perder. Então, você não pode colocar nada que vai te fazer falta nas apostas”, enfatiza Henrique.
O estudante de jornalismo também destaca que não há um valor fixo a apostar: “Acho que depende do mês e também depende do quanto você pode perder. Se você pode perder R$10 mil, você vai gastar mais dinheiro do que se você puder perder mil reais. Varia de pessoa para pessoa. Também depende de quantas apostas você vai fazer Se você fizer poucas apostas, você vai gastar menos dinheiro. Se você for fizer mais apostas, você vai gastar mais”, conclui.
Leia também: Plataformas e Redes sociais se destacam como oportunidade de renda extra
Reportagem produzida por Lucas Parreiras e Maria Luíza Mendes.
Adicionar comentário