Miranda Priestly, interpretada por Meryl Streep, é uma das personagens fictícias mais memoráveis do imaginário da moda. O filme O Diabo Veste Prada, lançado em 2006, mostra os bastidores de uma grande revista de moda, o surgimento de tendências e o funcionamento da indústria. Em uma das cenas mais icônicas do filme, um simples cardigã azul usado pela protagonista Andy Sachs (Anne Hathaway) gera uma resposta inesperada sobre a indústria da moda, seu circuito de produção e como são criadas as tendências:
Assim como Miranda Priestly, a dupla Fabíola Paiva e Ludmilla Rangel, criadoras do site Fashionistando, destacam a complexidade da indústria de vestuários ao explicar que as tendências dizem respeito ao comportamento humano e são fundamentais para a moda, mas também vão muito além dela.
A blusa que você está usando hoje foi pensada muitos anos antes, justamente pelo que a indústria têxtil tinha para oferecer, a matéria-prima, de acordo com o momento social que estamos vivendo. Se você está hoje usando uma calça jeans como uma determinada modelagem, tem um motivo, ela foi anos atrás pensada e entenderam que era isso que a gente iria precisar hoje.
Fabíola Paiva
Angélica Adverse, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as tendências podem ser por vezes sociais e têm uma relação muito forte com o tempo. A cena do filme ilustra esse conceito e acrescenta o caráter motor que as trends desempenham na sociedade: elas movem indústrias, a economia, a cultura e até mesmo a política, sejam elas tendências de comportamento, consumo, tecnologia, arte, design, moda, etc. Segundo a pesquisadora, essas inclinações exercem massiva influência na vida humana, mas também são frutos dela, das escolhas e criações dos indivíduos.
O que são tendências?
Se você buscar no dicionário o significado da palavra tendência, vai encontrar explicações e sinônimos como: inclinação; vocação; propensão; queda; pendor ou força que faz um corpo mover-se. Já a inteligência artificial Chat GPT conceituou tendência como:
Angélica Adverse afirma que essas inclinações têm ligação com dois tipos de tempo: o sincrônico e o diacrônico. O tempo sincrônico é o tempo do mimetismo, acontece quando todas as pessoas se inclinam para a mesma direção. Porém, dentro desse mesmo tempo existem pessoas que são diacrônicas, elas confrontam essa sincronicidade e apostam em elementos que são completamente diferentes. Esses conceitos foram explorados no livro Sistema da Moda, publicado em 1967 por Roland Barthes.
Angélica acrescenta que o que define uma tendência, muitas vezes, é a sincronicidade temporal e cultural, quando as pessoas mimetizam comportamentos, estilos de vida, consumo e atitudes no espaço social.
Ouça a explicação completa sobre sincronicidade temporal no áudio:
Por outro lado, o livro Hit Makers: como nascem as tendências?, escrito por Derek Thompson, define tendências com uma antítese: elas são surpresas familiares. O autor traz o conceito de aha estético, que, segundo ele, é a chave para entender o que as pessoas gostam. Esse termo da psicologia estética significa, de acordo com o livro: “o momento entre a ansiedade de confrontar algo novo e o satisfatório clique de entender esse algo novo”, quase como um desafio possível de ser solucionado. A respeito do aha estético o autor complementa:
A maioria dos consumidores são, ao mesmo tempo, neofílicos, curiosos para descobrirem coisas novas, e profundamente neofóbicos, temendo qualquer coisa que seja nova demais. Os melhores hits foram feitos por artistas que têm o dom de criar instantes de significado ao casar o novo com o antigo, a ansiedade com a compreensão. São arquitetos de surpresas familiares”.
Derek Thompson
Além disso, Derek Thompson relata que psicólogos desenvolveram a ideia de “metacognição”. Dentro dessa teoria, existe a fluência, que se manifesta em produtos e ideias facilmente processados que causam bem-estar e também há a disfluência, os pensamentos, imagens e símbolos que são mais difíceis de serem processados, gerando desconforto. Assim, praticamente todas as mídias, compras, ideias e designs consumidos se encontram em um espectro entre a fluência e a disfluência, ou seja, facilidade e dificuldade de pensar. Apesar de uma clara atração que os indivíduos têm pela fluência manifestada em muitos momentos pela familiaridade, há também o desejo por desafios, choques e surpresas, tudo isso de forma controlada e limitada.
Por isso, para esclarecer esse espaço tênue entre os dois aspectos, Raymond Loewy criou a regra MAYA, Most Advanced Yet Acceptable – Mais avançado, ainda assim, aceitável, em tradução livre. A teoria coloca as pessoas gravitando em direção aos produtos ousados, mas ao mesmo tempo compreensíveis.
Como as tendências surgem?
O portal de conteúdos sobre moda, beleza e lifestyle Steal the Look, em parceria com a WGSN Brasil, companhia que atua na previsão de tendências de consumo, estilo de vida e design de produtos, realizou uma série de vídeos no YouTube sobre o universo das tendências. Os quatro episódios publicados no canal do veículo são entrevistas que tratam sobre a origem das trends, suas pesquisas e processos, segui-las ou não e como realizar previsões.
Daniela Dantas, vice-presidente da WGSN América Latina afirma que as tendências nascem a partir de dois pontos principais. O primeiro consiste em mudanças de contexto, modificações muito brutas nas relações sociais, econômicas e políticas, como aconteceu, por exemplo, na pandemia do coronavírus. Já o segundo, é baseado nas necessidades humanas, como a de pertencer a um grupo e de sentir segurança. Após a ação desses fatores que motivam o surgimento de uma tendência, elas se desenvolvem a partir de uma pirâmide de disseminação.
A WGSN avalia que quanto mais os indivíduos veem ou vivenciam algo, mais acostumados ficam, por isso ao chegar em um determinado ponto de costume, surge uma nova demanda de novidade. O processo segue uma sequência de estranhamento, repetição, desejo e, por fim, consumo.
Exemplo desse processo, é a atual tendência Barbie Core. Essa estética surgiu a partir de uma necessidade de escapismo da realidade caótica durante o período pandêmico da COVID-19 e que volta aos eixos em 2022. A trend veio em contraposição ao vestuário que predominou durante o lockdown, que se resumia em roupas neutras, básicas e, para muitos, em pijamas. Assim, com a volta das atividades presenciais e uma nova mudança de mentalidade, a tendência chegou ao seu auge com o desfile monocromático pink da grife Valentino naquele ano e com o anúncio do filme “Barbie”.
Ludmilla Rangel, produtora de conteúdo do Fashionistando, pontua que uma trend, ao percorrer todo essa cadeia de disseminação, pode evoluir para outras áreas, se tornando muito mais abrangente. Ela também ressalta que a criação de uma tendência envolve muitos profissionais, ideias e processos:
É todo um estudo, aquilo que se vê na passarela e que às vezes a gente percebe quando fazemos um review de desfile. Há uma similaridade nos desfiles da Chanel com os da Gucci, por exemplo. Aquilo ali não é à toa; os estilistas recebem aquele material que é fruto de uma pesquisa de estudiosos e também suas próprias pesquisas, porque conhecem o seu público. Então, essa sinergia acontece porque é uma tendência global.
Ludmilla Rangel
Contudo, Fabíola Paiva relata que ao cobrir as Fashion Weeks, principalmente as internacionais, quem roubava a cena era o Street Style. Dessa forma, o que era apresentado nas passarelas era transformado, adaptado, difundido e por fim chegava ao público. Ela conta: “Ali a gente podia perceber o que de fato as pessoas queriam usar na temporada vigente”.
Ludmilla acrescentou que os materiais e aprendizados coletados por elas durante essas experiências servem de material para produzir as matérias. Assim, como integrantes do mainstream, as jornalistas mastigam o conteúdo para o público, mostrando as peças e explicando os significados e formas de usos.
A dupla relata que por volta de 2014, época em que o processo de difusão na internet não era tão acelerado, essas viagens funcionavam como uma espécie de máquina do tempo. As jornalistas viam o futuro das tendências que estariam em alta no Brasil, que meses depois se confirmavam. Atualmente, essa máquina do tempo é substituída pelas mídias sociais, principalmente o Instagram, segundo Fabíola e Ludmilla.
Retrospectiva: tendências de moda
Como as tendências voltam?
Derek Thompson diz em sua obra que várias necessidades do ser humano são eternas, como as de pertencimento, de escape, de aspiração, de entender e de ser entendido. Segundo ele, isso é um dos motivos pelos quais é possível fazer paralelos entre as causas e consequências dos hits ao longo da história. O criador de Hit Makers afirma que:
Tanto os criadores como os públicos estão eternamente reprisando as ansiedades e as alegrias de culturas passadas.
Derek Thompson
De acordo com representantes da WGSN, tendências mais abrangentes acabam voltando após um determinado período de tempo. Isso acontece quando gerações mais novas olham para trás e repaginam as tendências e estéticas que eram muito fortes nas décadas anteriores.
Angélica Adverse, da UFMG, diz que esse novo olhar é fruto de transformações sociais particulares ao tempo que está sendo vivido e que são colocadas em prática pelos indivíduos, resultando em uma nova interpretação do passado e consequentemente, a volta de uma tendência antiga. Essa rememoração é passível de acontecer a qualquer momento, pois no presente existem elementos que remetem a cada época, não há apenas uma única cadeia de acontecimentos temporais narrativos. Angelica explica:
A narrativa histórica sempre volta ao passado, ela volta no passado para a gente compreender o presente. Este é o mesmo movimento que as tendências têm. Quanto mais a história é menos resolvida no passado, mais ela tende a voltar ao presente. O que a gente vê na estrutura da história da moda é exatamente isso.
Angelica Adverse
Um grande exemplo dessa rememoração é a volta dos estilos adotados nos anos 2000, agora referenciados como Y2K. Junto com a cintura baixa, minissaias e peças cargo, a supervalorização da magreza também voltou a estar em alta, com inspirações nas supermodelos e celebridades da época.
As matérias publicadas pelo Gshow e Steal the Look alertam que essa rememoração pode representar um perigo, pois traz uma pressão estética intensa, em que o corpo muito magro é a maior referência, excluindo os outros tipos de corpos que são vistos na grande maioria da sociedade. Além disso os veículos pontuam que a potencialização que as plataformas de mídias sociais geram nos dias atuais gera uma a disseminação dessas problemáticas sem controle.
Bella Hadid, que possui mais de 58 milhões de seguidores no Instagram, é considerada um ícone Fashion e aderiu a estética Y2K. Por isso, além de se tornar um símbolo da moda dos anos 2000, a modelo se tornou uma referência de padrão de corporal, muito magro e com poucas curvas.
O que é tendência para 2023?
O documento Future 100 Latam 2023 é um relatório feito pela Wunderman Thompson Intelligence em parceria com a companhia aérea Latam que apresenta as principais tendências deste ano na América Latina. O relatório trouxe as 20 trends mais relevantes que colocam a região na posição de protagonista em relação às transformações globais. Os temas vão desde jogos até saúde, universos digitais, empreendimentos, moda e comportamento. Algumas dessas tendências são:
- A Onda Artesanal
Evolução de um movimento de micro empresariado já existente para uma nova economia artesanal que pode redefinir os moldes do trabalho e de consumo simultaneamente. Com a maior valorização do produto artesanal, surgem os potenciais de realização pessoal, compromisso com o meio ambiente, regresso à identidade e preferência ao que é local. - Situationships
A Geração Z está redefinindo as regras para relações românticas, sem rótulos ou compromissos. O objetivo geralmente é suprir alguma necessidade, seja física, amorosa ou emocional, sem um prazo determinado. - Feeds conectados com ao bem-estar
As pessoas estão procurando maneiras positivas de compromisso e apoio emocional online. Assim, desejos de mudança dos usuários geram surgimentos de novas plataformas e reformulação dos feeds em torno da positividade e do encorajamento. - Ampliação da diversidade de criadores
Os consumidores apoiam os esforços de marcas verdadeiramente inclusivas,pois há uma busca por representação autêntica na publicidade. Ao se envolver e interagir com comunidades marginalizadas, as marcas podem oferecer autenticidade enquanto aumentam a representação, o empoderamento e a igualdade de oportunidades. - Beleza afirmativa
A beleza se fundiu com a descoberta, exploração e versatilidade da identidade, colocando a maquiagem como uma atitude de autoafirmação. A beleza está caminhando para comunicar crenças, sentimentos ou pontos de vista pessoais. Se tornará um reflexo das mudanças nos estados emocionais dos usuários, abrindo as portas para identidades infinitas, sendo também uma forma de celebrar a diversidade e as mais variadas formas de aparêencia. - Comércio Cocriativo
A criatividade e a colaboração estão se tornando o novo símbolo de status e as marcas estão ajustando suas ativações virtuais para intercambiar criatividade e cocriação com produtos tradicionais.Democratização do comércio virtual, oferecendo controle criativo a seus consumidores - Fitness Emocional
O exercício físico está passando a ser feito para elevar as emoções e está ajudando a gerar alegria.As marcas de fitness estão voltando seus produtos e posicionamentos para abordar também a saúde emocional. A busca pelo sentir-se bem fisicamente e mentalmente pode indicar uma mudança futura no conceito de estado físico, levando para uma dimensão ampla em que todos os estados se complementam.
Como prever tendências?
Segundo Angélica Adverse, os estudos de tendências são considerados multidisciplinares e, normalmente, começam com as pesquisas etnográficas, que envolvem antropólogos, sociólogos e outros interessados em analisar comportamentos e consumos. Essas pesquisas se concentram em quatro pilares: lugares, pessoas, manifestações e linguagens culturais. Porém, os estudos necessitam levar em conta o identitarismo e a diversidade cultural. A análise de tendências precisa levar em conta tanto o passado quanto o presente e pode ser realizada em qualquer lugar.
A gerente de client services da WGSN América Latina, Mariana Santiloni, afirma que a metodologia da empresa para prever tendências analisa várias vertentes: política, economia, sociedade, tecnologia, indústria, moda, beleza, arte e cultura. Nesse processo há identificação de dois tipos de trends, as macrotendências e as microtendências.
As macrotendências são movimentos sociais disruptivos que passam por um período de evolução com demorada adesão da massa, como o empoderamento feminino. Outro exemplo é o autocuidado, movimento que já é muito propagado pelo maistream e está cada vez mais sendo adotado pela população, por meio de produtos de cabelo, de skincare, óleos essenciais, terapias alternativas e outros.
Já as microtendências, podem se apresentar como um produto, um comportamento ou até mesmo em uma cor que chega mais rápido ao grande público. Essas trends podem ser consideradas manifestações de uma macrotendência. Um bom exemplo é o rosa Valentino, que surgiu no desfile outono inverno 2022 como uma co-criação do diretor da marca, Pierpaolo Piccioli, e da organização Pantone, se tornando a cor mais marcante do ano, vestida por inúmeros artistas e celebridades.
Impactos da indústria da moda e ESG
O desenvolvimento sustentável é um tema discutido desde os anos 70, com inúmeras conferências internacionais, em que as nações discutiram o futuro mundial com relação ao meio ambiente e recursos naturais. Esses debates perduram até os dias atuais e Angelica Adverse alerta que essa temática não funciona mais como apenas uma tendência. Hoje em dia, a sustentabilidade é um direcionamento que deve ser adotado para garantir a sobrevivência humana.
A professora e pesquisadora da UFMG explica que existe uma mudança na consciência da indústria da moda em relação à responsabilidade sustentável e projetos com impactos positivos na sociedade.
Diante desse cenário, o termo ESG vem ganhando espaço nos espaços digitais e nas empresas. A sigla, que significa Enviroment, Social, Governance, fazendo referência ao meio ambiental, social e de governança, surgiu em 2004 dentro da ONU como uma definição para os novos moldes da sustentabilidade empresarial.
Mudanças dentro das empresas
O estudo lançado pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU em parceria com a Stilingue em maio de 2021 investiga temas e marcas mais envolvidos com o conceito, trazendo uma análise integrada de informações (mais de 35 milhões de publicações no ambiente digital no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020) e resultados de pesquisa quantitativa e qualitativa (realizadas no período de fevereiro e março de 2021). A pesquisa conta com 308 membros da Rede Brasil do Pacto Global e investiga percepções e ações práticas de ESG dentro das empresas mais atuantes nesse setor no país.
De acordo com o estudo intitulado A evolução do ESG no Brasil, esse conceito está em ascensão com crescente interação digital e uma intensa mobilização do mercado, além de uma corrida das empresas por maior compreensão.
Dentro do estudo publicado pela Rede Brasil do Pacto Global também é feita uma análise setorial das ações tomadas para gerar mais impactos positivos nas 3 frentes do ESG. A pesquisa examinou as iniciativas tomadas dentro do setor de agronegócio; alimentos e bebidas; financeiro; energia e moda e beleza. Para o segmento de moda e beleza, o termo ESG foi novidade para 40% dos entrevistados no ano de 2020. Porém, todos afirmaram que são estimulados a repensar constantemente projetos e ações para gerar um maior impacto positivo dentro das três vertentes, social, ambiental e de governança.
Além disso, investidores e consumidores também revelam uma forte tendência em investir, consumir ou até mesmo trabalhar em empresas sustentáveis, devido à busca por propósito e por um olhar mais humano e consciente. Todos os interessados estão mais atentos e exigentes por uma maior performance socioambiental e de governança e, ainda, associada a melhores resultados financeiros.
Iniciativa transformadora, mas com reduzido alcance
Apesar do ESG ser uma tendência em ascensão, as informações coletadas na pesquisa estão em um proporção muito reduzida em relação à totalidade de organizações brasileiras. Segundo o Ministério da Economia, o Brasil encerrou o ano de 2022 com mais de 20 milhões de empresas ativas, em comparação à amostra de 308 membros do Pacto Global analisada.
Logo, por mais que o ESG seja uma iniciativa abrangente na melhora das relações entre as companhias, o meio ambiente e a sociedade; seu impacto ainda é muito pequeno em um universo macro. Essas iniciativas ainda não conseguem reduzir de forma significativa problemas como poluição, descarte de resíduos, condições de trabalho degradantes, dinâmicas empresariais disfuncionais, desigualdades e falta de iniciativas sociais.
Impactos nocivos á sociedade e ao meio ambiente
Segundo o levantamento feito pela Global Fashion Agenda , organização sem fins lucrativos, esse mercado continua sendo o segundo mais poluidor do mundo. De acordo com a pesquisa, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados no período recente. A partir desses números, a projeção feita consiste em um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos.
Além disso existem diversas outras problemáticas de governança e de caráter social que estão associadas à indústria da moda. Dados do Índice de Escravidão Moderna (2018) estimam que 354 bilhões de dólares em itens produzidos por mão de obra análoga à escravidão podem ser importados por países do grupo G20. Desse total, mais de um terço são peças de vestuário.
Exemplo disso são os casos notáveis de grifes como a Amíssima e a Animale denunciados pelo site Repórter Brasil. A primeira marca foi condenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo por manter duas oficinas de confecção cujos funcionários trabalhavam em condições extremamente precárias e abusivas. A companhia foi obrigada a pagar indenizações de R$ 533 mil.
A segunda empresa, que pertence ao grupo Soma, junto com nomes como Farm, Fábula, A. Brand, FYI, Foxton e Off Premium, também foi associada a casos de trabalho análogo à escravidão segundo o Ministério da Economia. A grife foi acusada de subcontratar costureiros imigrantes bolivianos e submetê-los a jornadas de mais de 12 horas por dia.
Glossário: termos da moda
Empreendedorismo e tendências
Moda praia é tendência nas ruas de BH
Rafaela Abritta é jornalista e dona da loja de biquínis Lilo Beachwear, que está expandindo seu negócio e crescendo no cenário de varejo em Belo Horizonte. A empreendedora afirmou que a criação dos produtos é feita por ela e pelas costureiras que fazem as peças, além de contar com sugestões das Lilo Girls (seguidoras e consumidoras da loja).
Rafa contou que ao longo da história da loja, o surgimento e retorno das tendências de cada época influenciou no processo de criação, gerando uma necessidade de adaptar as peças. A jornalista afirmou que é preciso ter atenção ao mercado nacional e internacional, possuir um olhar estético apurado e garantir o conforto, tudo isso associado a uma adaptação a todos os tipos de corpos. Além disso, ela ressaltou a importância de monitorar as plataformas de mídias sociais e atividades de influenciadores que afetam diretamente os pedidos das clientes. Escute a explicação completa:
A dona da Lilo beachwear relatou que quando se trabalha com a moda praia, é preciso pensar não somente nas peças e na qualidade do tecido, mas na realidade do Brasil, em que existem corpos e tons de pele distintos. Por isso, a empreendedora destaca que é necessário sempre ter cuidado e atenção com esses aspectos para levar as necessidades de cada cliente para o universo do beachwear.
Sobre tendências, Rafaela disse que a moda é cíclica, ou seja, um produto que não está dando certo hoje, pode funcionar no futuro. Desse modo, é importante estar antenado e conectado às trends para reconhecer seus fins e fatores que podem trazê-las de volta.
Versatilidade como tendência
A empreendedora pontuou que reforça através de suas mídias sociais e no dia-a-dia da loja que o biquíni não precisa ser uma usado somente na praia ou piscina, sua intenção é fazer com que essa peça seja algo atemporal, que possa ser usada em qualquer situação, como por exemplo em festas, pool parties, saídas para drinks em bares, encontros com as amigas, baladas e até mesmo no cotidiano.
Comunicação é peça chave para trabalhar com empreendedorismo e tendências
A jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), declarou que o curso ajudou em sua jornada como empreendedora e foi importante para o crescimento da loja. Para ela, o curso agregou principalmente na construção de marketing e na comunicação com a comunidade da Lilo. Rafaela Abritta relembrou suas vivências no campo do jornalismo contribuíram para uma comunicação mais assertiva e tarefas como a criação de conteúdos e edição de vídeo.
Lilo Girls: sentimento de comunidade de fidelidade
A comunidade de Lilo Girls, segundo a dona da loja, é bastante unida, compostas por clientes que interagem muito no perfil do Instagram da loja, e sempre mandam sugestões de modelos. De acordo com Rafa, essa troca é fundamental, pois a partir dela surgem novas referências, críticas e necessidades.
Elegância, conforto e atemporalidade
Geórgia Brant é dona da loja de roupas Geórgia, sediada em Belo Horizonte, cujas peças têm como principal objetivo transparecer elegância e conforto. A designer relatou que as tendências estão presentes na grande maioria das marcas, incluindo a sua, que busca trabalhar com o clássico e a atemporalidade. Entretanto, sua marca segue uma lógica contrária ao fast fashion, de maneira que as trends não estão sempre presentes, mas são incorporadas de forma adaptada.
Criação de produtos
Em entrevista, Geórgia falou sobre como funciona o processo de criação de produtos em sua marca. Segundo ela, a empresa busca focar no perfil geral das clientes e em suas demandas na hora de criar uma peça, mas ainda sim mantendo uma camada do estilo e da essência da marca.
Por mais que a gente não seja uma marca dependente de tendências, e nossa marca ser muito voltada para uma peça mais atemporal e mais clássica, sempre que uma [tendência] começa a chegar na borda para todo mundo, acaba afetando o nosso desejo. A gente começa a ver tanto, tanto, que acabamos querendo vestir. Então a gente consegue, às vezes, adaptar para o estilo da marca. A gente não trabalha com fast fashion
Geórgia Brant
A produção de peças que remetem às trends da época, mas que não deixam de ser versáteis, atemporais e duradouras é o foco da loja Georgia e o que é mais procurado por seu público. A designer afirma que busca sempre trazer um pouco do que está acontecendo no mundo da moda e adaptar ao DNA da marca.
Coleções limitadas
A marca possui coleções limitadas compostas de peças com padrões originais, o que confere uma exclusividade ao produto. As estampas, apesar de serem sempre clássicas, como a caxemira e as listras, são escolhidas para lançamento a partir do cenário de cada época. A designer define esses padrões como aspectos mais pontuais que coordenam com o resto da coleção, mas que por serem passageiras, trazem um momento de novidade para a marca.
Em contrapartida, a empresa também possue produtos que estão no catálogo há 6 anos. São os chamados produtos carro-chefe. Georgia ressalta a importância de ter esses produtos fixos disponíveis:
Isso dessatura um pouco essa hiper necessidade de se trazer novidade o tempo inteiro (…). Não é o nosso carro chefe trazer todas as tendências que surgem ”
Geórgia Brant
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Reportagem desenvolvida por Ana Carolina Gomez, Julia Vargas, Lívia Tertuliano, Lucas Izidro e Maria Carolina Firmino para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2023/1.
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