O Brasil assumiu o compromisso internacional de fornecer proteção a refugiados que, como qualquer cidadão brasileiro, buscam integração, direitos e moradia. O número de refugiados no país está em constante crescimento, de acordo com dados coletados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Até o final de 2021, existiam cerca de 60 mil pessoas reconhecidas como refugiadas no país.
A solicitação formal de refúgio regulariza, temporariamente, a permanência do solicitante no Brasil, garantindo o direito ao trabalho e o acesso aos serviços públicos de saúde e educação. Durante tal processo, os solicitantes passam por diversas etapas e ficam sujeitos a dificuldades e empecilhos, como por exemplo a demora da aprovação do pedido de refúgio e a insegurança por parte das empresas e bancos em aceitar documentos provisórios. Mulheres grávidas, crianças e idosos ficam sujeitos a uma qualidade de vida precária, sem acesso à educação básica e recursos para sobreviver. Ao fugirem de seus países, esperam do Brasil “uma nova casa”, com uma garantia de direitos e liberdade. No entanto, com esses empecilhos, enfrentam uma nova realidade de lutar para que sejam aceitos e se estabeleçam no país como cidadãos plenos.
Conheça os direitos básicos dos refugiados e solicitantes de refúgio:
Segundo dados divulgados na 7ª edição do relatório Refúgio em Números, em 2021 foram feitas 29.107 solicitações da condição de refugiado. No mesmo ano, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) reconheceu apenas 3.086 das pessoas de diversas nacionalidades como refugiadas. Ainda que esses pedidos aprovados possam ter sido registrados antes de 2021, apenas o proporcional a 10% do total de pedidos feitos naquele ano teriam sido aprovados. Isso revela que a demanda é maior do que a condição técnica para analisar as situações.
No Brasil, é reconhecido como refugiado todo indivíduo que devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (Lei nº 9.474, de 22 jul. 1997). O Conare, órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça, é o responsável por analisar e julgar os pedidos de refúgio, que são solicitados através de algumas etapas. Veja a seguir.
Primeiramente, o solicitante deve fazer o cadastro no Sisconare, plataforma digital por meio da qual se solicita o reconhecimento da condição de pessoa refugiada no Brasil. O Sistema permite que o solicitante registre suas informações, receba notificações, acompanhe o andamento do processo e mantenha os dados de contato atualizados. Após o cadastro, deve ser feita a solicitação de refúgio, registro na Polícia Federal, acessar o Sisconare pelo menos uma vez ao mês para checar se possui atualizações, renovar o Protocolo de Refúgio anualmente até a decisão do pedido, realizar a entrevista de elegibilidade, aguardar a decisão do Conare e, se aprovada, o solicitante receberá a notificação de reconhecimento. Por fim, é preciso trocar o documento de identificação para a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM).
É importante enfatizar que existem outros dois modelos de pedido de refúgio: o processo de refúgio simplificado sem entrevista e o processo de refúgio com entrevista. O reconhecimento do refugiado como vítima da grave e generalizada violação de direitos humanos (GGVDH) permite que o processo da condição de refugiado seja simplificado. Os critérios para ter o processo de refúgio analisado de forma simplificada sem entrevista são: o país de nacionalidade ser reconhecido pelo Conare como GGVDH, o solicitante possuir documentação que comprove a nacionalidade e a maioridade civil, o último registro migratório da pessoa solicitante ser a entrada no Brasil, a inexistência de óbices contra o solicitante e a não-autorização de residência em território nacional, nos termos da Lei nº 13.445, de 24 maio. 2017.
No processo de refúgio com entrevista, os solicitantes que não possuem documentos e, consequentemente, não conseguem comprovar nacionalidade ou que não preenchem todos os requisitos para o reconhecimento em bloco, precisarão passar por uma entrevista de elegibilidade de refúgio nacionais de países que se encontram em situação de GGVDH. Esse procedimento é muito parecido com o rito normal de análise do processo de refúgio, contudo, é mais simples. O objetivo dessa etapa é identificar a nacionalidade do solicitante, não sendo necessária a análise dos motivos individuais de fundado temor de perseguição.
Além disso, os solicitantes possuem direito à extensão dos efeitos da condição de refugiado, procedimento que garante que a condição seja estendida a outros membros de sua família, desde que se encontrem em território nacional. A análise da extensão dos efeitos da condição de refugiado para familiares do solicitante e refúgio principal é feita de forma documental e inicia após a decisão sobre o processo principal. Os familiares não passam por entrevista de elegibilidade. É preciso aguardar a decisão do processo principal, renovar o Protocolo de Refúgio anualmente, caso aprovado, receber a notificação que estende a condição de refugiado aos familiares e, por último, trocar o documento de identificação para CRNM na Polícia Federal.
O processo do Sisconare
O início do processo de pedido de refúgio se inicia através do cadastro no Sisconare. Segundo a venezuelana Emily de Jesus, de 27 anos, que chegou no Brasil pela fronteira de Roraima e se estabeleceu lá, há cinco anos, no caso dela, não houve dificuldade com o processo do Sisconare. “Assim que solicitei o refúgio, fui até a Polícia Federal e eles me disponibilizaram uma senha e um formulário para preencher, logo depois tirei uma foto e eles fizeram a documentação. Em Roraima, tudo é muito organizado, do lado da sede da Polícia Federal fizeram um local de acolhida ajudando mulheres grávidas, com orientação, um atendimento muito bom.”
De acordo com Pedro Henrique de Moraes Cicero, professor na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e parte da coordenação geral do Conare, o Sisconare é um projeto eficiente estabelecido desde 2017 para recepcionar essas solicitações de reconhecimento de refugiados, sendo um sistema grande no que diz respeito ao processamento de dados. Segundo ele, é internacionalmente reconhecido como uma excelente prática, à medida que, na maioria dos casos ao redor do mundo, é controlado pela Acnur, e no Brasil há um sistema próprio que está sendo aos poucos desenvolvido.
No entanto, mesmo estabelecido há cinco anos, o formulário do Sisconare não disponibiliza tradução, estando apenas em português, um empecilho à grande maioria dos refugiados que chega ao país e não domina a língua. Pedro Henrique destaca que “de fato não há uma tradução do formulário, mas essa tradução está prevista e a gente espera que muito brevemente esteja disponível para os usuários”.
Dificuldades do documento provisório até a aprovação do pedido. Após a solicitação do pedido de refúgio, há uma série de análises feitas para que a solicitação seja aceita ou negada, e isso demanda tempo. De acordo com dados do governo federal, não há um prazo específico para a realização de cada uma dessas etapas. A análise varia de acordo com a nacionalidade, com a atualização cadastral (que possibilita o contato, se necessário), com a história específica de cada solicitante, com a complexidade do caso, e com as informações disponíveis do país de origem. Em média, as solicitações são analisadas em três anos, mas esse período pode variar para mais ou para menos. Enquanto o pedido de refúgio está em análise, solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado possuem situação migratória regular no Brasil, uma vez que possuem autorização provisória de residência até a decisão final do Conare, conforme o artigo 156, §3º, do Decreto nº 9.199/2017 e o artigo 21 da Lei nº 9.474/1997.
No entanto, a refugiada Emily de Jesus pontua que a demora não é um problema. A dificuldade está relacionada às pessoas e instituições que não aceitam o documento do pedido provisório.
“Para os trabalhos, exigiam muito um documento com foto pela Polícia Federal e eles não consideravam o pedido de refúgio, porque o refúgio era só uma folha com os documentos, mas os empregadores não consideram, nem os bancos aceitam, então a empresa não tinha como pagar” – Emily de Jesus, analista financeira venezuelana
A declaração de Emily foi também constatada em reportagem do portal G1, que expõe a fala de Tanya Tshisuaka Misenga. A solicitante de refúgio congolesa, afirma que, “geralmente, na cidade, muitas pessoas não confiam no protocolo porque está escrito ‘documento provisório’. Às vezes você vai ao banco para abrir uma conta, não consegue. Às vezes, perde vaga no trabalho por causa do protocolo.” Essa é uma das problemáticas em decorrência da aprovação do pedido.
Refugiados no Brasil
Segundo dados divulgados na 7ª edição do relatório “Refúgio em Números”, a nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas é a venezuelana (48.789), seguida dos sírios (3.682) e congoleses (1.078). Neste ano, o Brasil recebeu solicitações de pessoas provenientes de 117 países, sendo a maioria venezuelanos (78,5%), angolanos (6,7%) e haitianos (2,7%).
Nas últimas pesquisas feitas pela Conare, 72,2% das solicitações apreciadas foram registradas nos estados que compõem a região norte do Brasil. O estado do Acre concentrou o maior volume de solicitações de refúgio(47,8%), mesmo com a alta recepção de refugiados, não há núcleos do Conare na região norte do país. Eles estão concentrados na região centro-sudeste, no Rio de Janeiro, São Paulo, e Campinas, além da principal em Brasília. Pedro Henrique de Moraes afirma que gostaria de ter núcleos espalhados por todas as regiões do Brasil, “infelizmente pela quantidade de recursos humanos que a gente tem, não é possível ter escritórios em todas as localidades que a gente precisaria ter.”
O representante do Conare enfatiza que, mesmo não tendo espaços físicos concretos para atuar, na sede em Brasília são realizadas intervenções no âmbito de todo território nacional, de modo que haja um acompanhamento dos fluxos de refugiados. Ademais, a solicitação de reconhecimento da condição de refugiado pode ser feita em qualquer unidade da Polícia Federal, espalhadas por todas as regiões do Brasil. Pedro Henrique defende que dessa maneira ninguém é privado de solicitar o reconhecimento por não estar em uma dessas quatro cidades que há uma sede.
É essencial evidenciar que o Conare não é capaz de garantir que os solicitantes tenham acesso a recursos (financeiros e tecnológicos) para acessar a entrevista online. Dessa forma, os refugiados estão à mercê do auxílio da sociedade e organizações não governamentais.
Pedro Henrique explica ser:
Obrigação da pessoa que solicita o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil ter o seu cadastro atualizado no Sisconare, isso está disposto na lei, a pessoa precisa demonstrar interesse processual em ver a sua socialização analisada.
Pedro atesta que a Conare, enquanto parte do Estado brasileiro, precisa que esses cadastros estejam atualizados, e à medida que a demanda atinge cerca de 140 mil solicitações para análise, se torna inviável ficar indo atrás de todos os cadastrados. Nessas situações as quais o migrante, refugiado ou solicitante de reconhecimento da circunstância de refugiado não possuem condições de acesso e preenchimento do formulário, há dependência de apoio de organizações da sociedade civil, que há muitos anos acompanham a pauta da imigração e do refúgio.
A refugiada entrevistada Emily de Jesus conta como foi sua experiência no Brasil: “gostei muito de vir para BH, me senti acolhida, as pessoas são educadas, tenho muita gratidão.” Além disso, ela acrescenta que o atendimento da Conare é bom e só é demorado pela alta demanda diária do serviço.
Existem alguns casos em que, devido a demora de aprovação do pedido oficial e a não-aceitação dos documentos provisórios, o solicitante precisa recorrer ao pedido de residência. O qual é concedido ao imigrante que pretende trabalhar ou residir e se estabelecer temporariamente ou definitivamente no Brasil, desde que satisfaça as exigências de caráter especial, previstas na Lei de Migração e seu regulamento. A partir dessa autorização, o imigrante é registrado (o registro consiste na identificação civil, por dados biográficos e biométricos), para obter um número de Registro Nacional Migratório (RNM) e a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM). Apenas os imigrantes que residem no Brasil e os que desejam renovar a carteira com classificação temporária podem utilizar deste serviço. Para realizar esse pedido é necessário as seguintes etapas: a solicitação da autorização de residência, a realização do agendamento, o comparecimento na unidade da Polícia Federal e o recebimento da Carteira de Registro Nacional Migratório.
Conteúdo produzido por Ana Clara Cardoso de Pinho, Júlia Alves Lopes Novaes de Oliveira, Júlia Luiza Correia Mendonça, Júlia Maria Sousa Ribeiro, Júlia Nunes Pinto Coelho, Laura Scardua Jardim E Silva e Thiago Bueno de Azevedo na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. A edição foi realizada por Henrique Toscano, Isabela Bernardes e Pedro Padrona disciplina Edição em Jornalismo, sob a supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini.
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