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Um corredor de cinema é iluminado pelas luzes do teto e por cartazes luminosos dos filmes em cartaz na paredes laterais
Os cinemas tentam recuperar seu público e arrecadação após a paralisação durante a pandemia. Foto: Banco de Imagem

Cinema enfrenta dificuldades com cortes destinados à produções audiovisuais

Profissionais do audiovisual explicam a importância das leis de incentivo e o futuro da cena no pós-pandemia

O audiovisual foi um dos setores mais prejudicados pela pandemia de covid-19 no Brasil. Durante pelo menos dois anos, artistas de todo o país se viram obrigados a lidar com incertezas e desafios que colocaram o trabalho de milhares de profissionais em risco. Com o fim desse período crítico de isolamento social, a classe artística tenta se reerguer e enfrenta uma questão importante: quais são os próximos passos para que a área consiga se reconstruir e, eventualmente, conquistar incentivos que contribuam para essa volta às grandes telas?

Para responder a essa pergunta, é necessário entender quais são as políticas de incentivo ao audiovisual em vigor, como elas funcionam e para que servem. Afinal, essas medidas de apoio à cultura são o principal pilar da produção nacional de filmes, telenovelas, séries e produções cinematográficas.

Produtores de audiovisual no Brasil contam com apoios da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e sua Lei do Audiovisual como grande financiador para seus projetos. Contudo, a desvalorização deste setor, principalmente durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, prejudicou a retomada dos trabalhadores e artistas nos anos de 2020, 2021 e 2022.

Embora a existência de leis que oferecem apoio à produção e à divulgação de obras audiovisuais seja fundamental para a área, o desmonte da cultura e o fim de órgãos como o Ministério da Cultura, além da precarização da Ancine, dificultaram ainda mais a recuperação dessa indústria após a pandemia. Segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) em outubro de 2021, o setor audiovisual foi afetado pelo corte de 43 mil vagas de emprego em relação ao período pré-pandêmico.

Antes da pandemia, a indústria audiovisual tinha uma participação expressiva na economia, superando a indústria de papel e celulose, farmacêutica e têxtil. Então, mesmo com todos os problemas, mesmo com falta de investimento, mesmo com potencial desperdiçado do cinema no Brasil, ele já representava 0,46% do PIB do Brasil, o que significa 24,5 bilhões de reais.
Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado De São Paulo

Levando em conta que a produção audiovisual depende de uma equipe para acontecer, é evidente que não são apenas os diretores e produtores que passam pelas dificuldades da baixa valorização financeira e profissional. A atriz Taís Avlis. residente de Belo Horizonte, destaca que a remuneração é baixa, e, em alguns casos, nula. “Você dedica o seu tempo, seu trabalho, e não recebe por isso. A gente muitas vezes faz pelo amor, pela parceria”, desabafa.

Hoje, com o lento ressurgimento dessas oportunidades, editais públicos e privados têm se tornado boas opções para os artistas que desejam colocar seus projetos em prática.

Mas, afinal, o que é um edital cultural?

Editais culturais são uma forma de captar recursos para realizar projetos dentro do setor cultural. Os editais podem ou não exigir a aprovação prévia de acordo com leis de incentivo fiscal, sendo necessário checar caso a caso. Para ter sucesso ao recorrer a um edital, é essencial que o artista conheça e siga à risca as regras de cada um, além de fazer com que o seu projeto se destaque.

Assim como as leis de incentivo, os editais não são amplamente divulgados e nem são de fácil alcance a quem mais precisaria do acesso a eles: pessoas que pretendem fazer parte desse meio. O estudante de Cinema da PUC Minas, em Belo Horizonte, Arthur Pereira, conta que aprendeu sobre as leis de incentivo durante as aulas, em  disciplinas como Mercado Brasileiro e Distribuições de Exibição, mas acredita que as informações ensinadas sobre essas políticas não são suficientes para que os alunos tirem projetos do papel. “Eu aprendi, eu sei o que é, sei como funciona mas, pra colocar em prática, é um outro nível. Acho que o curso deveria se responsabilizar por fornecer esse tipo de embasamento”.

Arthur ainda ressalta que, durante os quatro anos da graduação, ele só conseguiu produzir um curta-metragem com o auxílio da Lei Aldir Blanc. A obra Pretérito Imperfeito foi lançada em 2021 e dirigida por Gustavo Koncht. “Foi bem legal fazer esse curta com salário, porque durante o período inteiro a gente faz filmes na marra, sem salário, gastando mais do que ganhando, e foi uma experiência interessante. Essa deveria ser a realidade, a gente deveria ter esse apoio, esse sustento pra conseguir fazer o projeto da melhor forma possível”.

Essa dificuldade não acontece apenas no ambiente universitário. O produtor executivo da Dromedário Cinema e Vídeo, Fred Pequeno, dedica boa parte do seu tempo em fazer os projetos acontecerem. “Eu, como produtor executivo, na ânsia de viabilizar, eu tenho que correr atrás disso. Então, dependendo do projeto, eu consigo entender qual a composição que eu consigo fazer de leis, como que eu posso utilizá-las. As pessoas vão trazendo projetos pra mim e eu vou avaliando aquilo que a gente consegue e aquilo que a gente não consegue fazer. É claro que existem excelentes ideias mas, infelizmente, o financiamento é dificultado”.

Como alternativa para essa falta de divulgação através de meios convencionais, foi criado o site Editais Culturais Cinema e Audiovisual. A página tem como objetivo divulgar os editais públicos e privados disponíveis em diversos setores culturais, inclusive no audiovisual.

‘Marte Um’ se destaca e mostra a importância das políticas de incentivo ao cinema

Um dos grandes exemplos atuais de como projetos cinematográficos podem ser beneficiados por editais é o filme mineiro Marte Um, que surge como um nome forte e possível para representar o Brasil na corrida ao Oscar de 2023.

Sinopse: A família Martins vive tranquilamente nas margens de uma grande cidade brasileira após a decepcionante posse de um presidente extremista de extrema-direita. Sendo uma família negra de classe média baixa, eles sentem a tensão de sua nova realidade. Tércia, a mãe, reinterpreta seu mundo depois que um encontro inesperado a deixa se perguntando se ela é amaldiçoada. Seu marido, Wellington, coloca todas as suas esperanças na carreira de seu filho, Deivinho, que por pressão e querendo agradar o pai, segue as ambições dele, apesar de secretamente aspirar estudar astrofísica e colonizar Marte. Enquanto isso, a filha mais velha, Eunice, se apaixona por uma jovem de espírito livre e questiona se é hora de sair de casa.

Apesar de ter sido financiado por um edital nacional que foi descontinuado, Marte Um é uma demonstração da importância desse tipo de medida para o financiamento do audiovisual no Brasil. A produção foi filmada na cidade de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, e tem a periferia como pano de fundo. Dirigido por Gabriel Martins, cineasta contagense e sócio fundador da produtora Filmes de Plástico, o longa foi contemplado pelo primeiro edital público de longas-metragens destinado exclusivamente a cineastas negros do país. O documento foi disponibilizado no início de 2016, criado após o sucesso do Curta Afirmativo – outro edital publicado pelo Ministério da Cultura, que contemplava curtas metragens.

O custo de produção de Marte Um foi de R$ 1,25 milhões, dos quais grande parte foi coberta pelo edital afirmativo, seis anos atrás. Considerando o reconhecimento recebido pela obra em cinemas nacionais e internacionais desde sua estreia, o projeto é uma prova de que as leis de incentivo representam um retorno financeiro, cultural e social para a população brasileira.

Dentro desta lógica, o filme mineiro é uma evidência de como essas leis funcionam e são importantes para impulsionar produções de qualidade no país, mesmo diante de um cenário tão crítico quanto o da pandemia. Cícero Lucas, o Deivinho no longa, afirmou em entrevista via direct no Instagram que, de certa forma, mesmo com todas as dificuldades, a pandemia contribuiu para o sucesso do filme. Para o ator, o período “não afetou em nada, eu acho que só ajudou. O momento que nós estamos vivendo politicamente tem tudo a ver com o filme”.

Possibilidades e expectativas para o futuro

O desmonte no setor dificulta com que novos sucessos como o filme da produtora Filmes de Plástico despontem no país. Um dos casos mais recentes é o veto do presidente Bolsonaro na Lei Paulo Gustavo, encabeçada pelo PT em 2022, que permitiria a distribuição de verbas de forma mais direta que a Lei Rouanet, ou seja, sem a necessidade de um patrocinador.

Para além de quem já está dentro do mercado, esse cenário também reflete diretamente nos estudantes de Cinema e Artes do país. Frente às notícias e os recorrentes cortes no orçamento e nos editais do audiovisual, futuros cineastas e recém-formados enfrentam dificuldades para tirar seus projetos do papel.

O professor José Márcio Pinto de Moura Barros, doutor em Comunicação e Cultura, comenta sobre quais medidas o novo governo pode tomar para fomentar a indústria do audiovisual novamente, dentro do contexto da eleição do presidente Lula.

Apesar das incertezas, o retorno pós-pandêmico possibilitou um cenário otimista com relação ao interesse da população pelo cinema e pela produção audiovisual. Um exemplo foi a Semana do Cinema, campanha realizada em Belo Horizonte e Contagem, que disponibilizou ingressos para as sessões por R$10. Com iniciativa da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), a proposta buscou incentivar o retorno do público após o fim das medidas de isolamento contra o coronavírus, e resultou em um sucesso de vendas nos principais cinemas de BH e região. A grande procura aponta para o interesse significativo da população por obras cinematográficas.

Reportagem produzida por Alícia Carneiro, Carolina Carsalade, Débora Dietrich, Júlia Portilho, Júlia Marques e Letícia Anacleto para o trabalho interdisciplinar das disciplinas de Jornalismo Cultural e Produção em Jornalismo Digital, sob a supervisão das professoras Júnia Miranda e Verônica Soares da Costa.

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Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

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